Tamanho despautério não prosperará. Definitivamente, o Brasil não aceitará o que a sua Câmara de Deputados aprovou nesta madrugada
O profissionalismo dos corruptos no Brasil é sempre capaz de surpreender.
Não há divisão, quer partidária ou ideológica, que consiga se superpor à camaradagem bandida que hoje impera no Congresso Nacional.
Disso, a opinião pública brasileira já sabe, porém o quão longe a banda podre do Congresso poderia ir, nem os mais imaginativos críticos seriam capazes de prever. Foi o que acabou de se revelar.
O que aconteceu na noite desta terça-feira (29/11) em Brasília e se consumou pela madrugada adentro foi coisa de malfeitores de carreira, do tapete e do asfalto, que vandalizaram a capital e as instituições do País.
Um observador atento da cena política e dos meandros legislativos, já no início da noite, apontava a coincidência da manifestação inesperadamente reunida em frente ao Congresso com a deliberação do projeto de lei anticorrupção, um segredo de Polichinelo: oculto da população mas compartilhado pelos parlamentares.
Era uma questão tática. Deflagrada a baderna do lado de fora do Congresso, do lado de dentro imediatamente fecharam-se as galerias do plenário da Câmara.
Sem interferência de manifestantes, a votação do projeto de lei anticorrupção emergiu então em toda extensão de uma das maiores patifarias da história desta República.
O relator do projeto foi vaiado e desmoralizado, e aquilo que ninguém acreditava que pudesse acontecer, aconteceu.
Da principal linha auxiliar do PT, o PDT, surgiu uma emenda que desfigurou o projeto de lei, aprovado unanimemente por uma comissão especial e originado da iniciativa popular manifestada em mais de dois milhões de assinaturas.
Mas não seria razoável atribuir tamanha vitória da bandidagem política a um mero conluio de arruaceiros e trapaceiros.
À medida que se aproximava a inexorável revelação de outras e mais graves delações da Operação Lava Jato, crescia a tensão política em Brasília, e com ela a “exigência” em seletos círculos da República, de que alguma coisa precisava ser feita. E foi, muito bem feita.
Inicialmente, fez-se da questão do caixa dois o cavalo de batalha da discussão do projeto de lei anticorrupção.
Mobilizaram-se protestos, indignações e pronunciamentos em torno da possível retirada da anistia do caixa dois do projeto original.
Em seguida, quando toda a atenção estava no caixa dois, jurou-se de pé junto que a anistia não passaria, ousando alguns tê-la por impossível de acontecer.
Mas é bom ter cuidado com os profissionais, especialmente com os escaldados pelo tempo. Como se costuma dizer, o diabo é inteligente por que é velho. E a velharia, não etária mas política, é inteligente... e diabólica.
Em seguida, culminando a farsa, como foi prometido, a anistia ao caixa dois não passou. Mas, à semelhança de um acordo que uma das partes assina de má fé, disposta a impedir que ele se cumpra, o que se aprovou ontem na Câmara de Deputados, na prática, impede a punição ao caixa dois e a qualquer crime cometido por políticos. Uma vitória tão completa que chega ao ponto de ser chocante.
Ela neutralizou juízes e promotores, enquadrando-os genericamente em “condutas temerárias” de investigações, passíveis de punição. Protegeu o butim da corrupção, rejeitando-se o confisco do produto do crime.
Blindou os partidos da responsabilização por crimes de corrupção. E para arrematar, dificultou as denúncias e as punições dos corruptos.
O que ficou é um conjunto de medidas meramente simbólicas. Os tribunais se tornarão mais transparentes, o caixa dois será criminalizado e as penas para corrupção serão agravadas.
Mas como isso acontecerá se a instauração dos processos foi morta na origem pela supressão das prerrogativas institucionais, legais e constitucionais do Ministério Público e da Justiça?
Tamanho despautério não prosperará, de uma forma ou de outra, seja pelo veto presidencial, seja por uma batalha de dimensões colossais no STF. Definitivamente, o Brasil não aceitará o que a sua Câmara de Deputados aprovou ontem à noite.
Mas para isso é fundamental que o protagonismo do mal não fique sem resposta. Diante da confusão implantada pela desordem e pela desonestidade são necessárias visão e determinação para a recuperação e a estabilidade do Brasil, assumindo-se alguns pressupostos.
Primeiro, há intenção de desestabilizar o País, não somente o governo. Claramente, há quem aposte no pior para safadamente se safar ou para impor o seu projeto maluco.
Aqui, a metáfora da ferradura serve bem para explicar a situação, nesse caso, de como os extremos de uma direita canalha e de uma esquerda predadora estão muito mais próximos entre si do que do bem comum.
Um exagero? Contemplemos então o episódio lamentável desta quarta-feira, no qual Guilherme Boulos, aos gritos de “MTST, a luta é para valer” recebeu medalha do mérito legislativo da Câmara de Deputados. É, a mesmíssima Câmara em torno da qual girou a bandalheira de ontem.
O segundo pressuposto é que temos que chegar a uma eleição em 2018, e este governo é o melhor caminho para fazê-lo, por mais fraco e inconsistente que nos pareça.
Talvez não tenhamos nos apercebido do quão perto a bola do caos passou da trave do gol brasileiro neste ano.
Vencemos, dentro das linhas de campo e no tempo legal, a partida entregue pelo PT e trocamos o técnico não pelo melhor, mas pela única solução constitucional para o País normalizar sua vida política e encetar sua recuperação econômica.
Ou alguém tem dúvida de que há uma crise e uma emergência que só podem ser enfrentadas pelo equacionamento das finanças públicas, justamente o alvo do ataque de radicais e das chantagens de corruptos?
Terceiro, o governo que aí está, como resultado legal e constitucional da vontade de maioria incontestável da sociedade brasileira deve cumprir o seu dever de governar.
Não segundo a lógica dos conchavos, mas de acordo com os impositivos éticos, morais e legais que deve acatar, conforme exige o Brasil.
Isto é certo, mas como muita coisa no País parece que está sendo esquecido.
E as premissas acima precisam ser contextualizadas no gravíssimo momento da vida nacional.
É óbvio que radicais e corruptos, por um lado apostam no caos, e por outro mostram o seu poder, dentro e fora do Congresso.
Não foi por coincidência que, no day after da vergonha brasileira, estampassem-se nas manchetes a aprovação pelo Senado em 1o turno da PEC do teto de gastos, ao mesmo tempo da notícia da homenagem absurda a um arruaceiro contumaz.
O recado não podia ser mais claro. Quem se acha no direito de incendiar as ruas e calar a Justiça se acumplicia mais uma vez para impor sua vontade ao País.
Apesar dos protestos, apesar da indignação, apesar da corrupção e apesar do impeachment, quem levou o Brasil à presente situação não foi embora. Seria cômico se não fosse trágico.
É a volta dos que não foram.
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