A vitória da Syriza e nosso déficit primário
A vitória do partido Syriza foi boa ou má para o euro e a Europa? Essa pergunta vem suscitando acalorado debate.
Para alguns, a vitória da esquerda grega é boa para a Europa. Para os que assim pensam, um movimento de esquerda, organizado às pressas, está mostrando que é possível utilizar o instrumento da democracia, o voto, para romper com o sistema político-partidário tradicional que domina a política grega. E para esses, não é necessário que o papel de contestador do sistema seja desempenhado pela direita populista: a esquerda poderia, como pôde, desempenhar esse papel.
É claro que há muito de otimismo e autoelogio nessa análise: os movimentos à direita também se opõem ao sistema partidário tradicional da democracia europeia e pretendem solapá-lo. Independentemente do que pensam os movimentos de esquerda.
Mas talvez o que ocorreu na eleição grega seja um sinal de que o processo de desconstrução das instituições políticas europeias seja mais profundo do que se poderia pensar à primeira vista. O futuro pode não pertencer à gama de movimentos pseud0marxistas, como o próprio Syriza, o Podemos, ou o Die Linke (A Esquerda, alemão). Mas pode também não pertencer aos partidos à direita, como o Golden Dawn, o Ukip, a Front National francesa, o Pegida alemão – o partido dos Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente – o Finns Party, o Partij voor de Vrijheid holandês ou os Democratas Suecos.
A prolongada recessão europeia tende não só a desconstruir as instituições políticas tradicionais como também a radicalizar o próprio processo político, abrindo espaços para todo tipo de aventureiros. O que estamos vendo até agora, contudo, é melhor do que se via no imediato pós-Primeira Guerra Mundial.
Então, grupos paramilitares à esquerda e à direita se enfrentavam em batalhas campais nas ruas, promovendo todo tipo de violência. A agressão agora tem sido apenas verbal. Tanto melhor.
É importante também observar que a vitória do Syriza constitui fato político distinto das votações de outros partidos longe do centro, como a Front National francesa. O que o Syriza pretende vai além das fronteiras gregas: seu grande objetivo, pelo menos verbal, é mudar radicalmente a geografia econômica da Europa.
Essa nova tendência tem a ver com um processo de vida mais longa e de raízes mais profundas: trata-se de um desencantamento com a União Europeia. Há muitas razões para isso.
Primeiro, já lá se vão mais de 60 anos da assinatura, em 1951, em Paris, do tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) – origem da atual União Europeia. A CECA congregava a França, a Alemanha, a Itália e os países do Benelux numa comunidade com o objetivo de introduzir a livre circulação do carvão e do aço, bem como o livre acesso às fontes de produção. Depois de duas fratricidas guerras mundiais era imperativo aproximar economicamente os países europeus para evitar novos conflitos no futuro. Já se passaram duas gerações que guardavam na memória os horrores da guerra. Para os mais jovens, o risco de um novo conflito não faz parte de suas preocupações.
Segundo, a União Europeia tornou-se disfuncional. Suas regulações abrangentes não satisfazem a ninguém, da mesma forma que a sua gigantesca burocracia é vista como um fardo insuportável nas costas dos contribuintes.
Terceiro, a predominância da Alemanha nas decisões comunitárias e sua política econômica austera é rejeitada em muitos dos países da União Europeia.
O programa do Syriza não tem chance de funcionar em único país, especialmente em um país economicamente pequeno como a Grécia. Para que dê certo, é necessário que outros países europeus também rejeitem a austeridade e transfiram o isolamento da Grécia para a Alemanha e para os outros governos pró-austeridade no norte da Europa.
Caso persista em rejeitar as condições do empréstimo da União Europeia, a Grécia corre o risco de expulsão da zona do euro. Se isso vier a ocorrer, será desastroso para a Grécia e para alguns dos grandes bancos europeus: os dez maiores têm empréstimos de ordem de 250 bilhões de dólares aos PIIGS – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Uma moratória grega afetaria tanto os bancos como os países.
É de esperar-se que o governo não nos venha dizer que o primeiro déficit primário das contas públicas seja de responsabilidade da Grécia. Ele acumulou-se ao longo de todo o ano passado e a eleição grega ocorreu já em 2015.