A visita do primeiro-ministro chinês e as nossas expectativas exageradas
Cabe encarar com realismo o progresso desse relacionamento, desejável, mas que não constitui uma panaceia para todos os nossos problemas
A visita do primeiro-ministro da República Popular da China, Li Keqiang, e o anúncio de um pacote de investimentos da ordem de 53 bilhões de dólares alvoroçou o governo e a imprensa.
A presidente Dilma Rousseff saudou o conjunto de acordos afirmando que “queremos consolidar a relação com a China, não só com base em nossas vantagens comparativas em commodities, mas abrindo novas áreas”.
Dentre os investimentos programados, a senhora presidente enfatizou a construção de uma ferrovia transoceânica ligando o Brasil ao Peru, com extensão programada de 4,7 mil quilômetros. O conjunto de acordos, 35 ao todo, abrange uma ampla gama de temas e setores.
É saudável que o primeiro-ministro Li Keqiang tenha trazido um programa de investimentos dessa magnitude. Mas é preciso levar em conta que otimismos exagerados quanto aos impactos de curto prazo desses investimentos será pequeno.
Primeiro, porque a maioria deles requer um prazo relativamente longo de preparação dos estudos técnicos e de viabilidade dos projetos.
O da ferrovia, por exemplo, será realizado por empresas chinesas. Seria interessante se um consórcio com empresas brasileiras de consultoria pudesse também participar dos estudos, abrindo um espaço para consultores nacionais.
Por exemplo, caberá à Caixa Econômica Federal (CEF) atuar como estruturadora e gestora dos recursos. A CEF tem um prazo de 60 dias para apresentar uma proposta para as aplicações dos recursos programados.
Segundo, uma parcela dos recursos programados refere-se a projetos que já estavam em andamento, como a venda de aviões da Embraer e a abertura do mercado chinês para as exportações de carne brasileira.
Finalmente, porque diversos projetos importantes e prioritários do ponto de vista brasileiro somente poderão se concretizar após a concessão de licenciamento ambiental pelo Ibama – processo tortuoso e de difícil previsão quanto ao seu término.
Isso se aplica especialmente o “linhão” destinado a escoar a energia gerada pela usina de Belo Monte, bacia do Rio Xingu, próximo ao município de Altamira, no norte do Pará.
Isso não diminui a importância da visita e o programa de trabalho a ser desenvolvido. Fica apenas o alerta para expectativas exageradas, geralmente o resultado de visitas dessa natureza.
A visita do primeiro-ministro e as intenções de investimento no País espelham negociações anteriores similares entre a China e a Argentina. Ambas denotam a crescente importância que a China confere ao continente sul-americano como parceiro comercial.
Essa intensificação do interesse chinês pela região vem a seguir dos grandes investimentos realizados no continente africano.
Tanto na África como na América do Sul, o investimento em infraestrutura por parte da China destina-se primordialmente a tornar mais eficiente os canais de escoamento de matérias primas e commodities do continente para a Ásia.
Esse é o caso da ferrovia Brasil-Peru e de diversos outros investimentos que, indiretamente, têm o mesmo objetivo.
Em paralelo à visita do primeiro-ministro, acentuaram-se também esse ano os encontros entre entidades sul-americanas e chinesas.
No começo desse ano ocorreu a Conferência de Cúpula entre a China e a – CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe); em 15 de maio ocorreu a 5ª Conferência CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) — ILAS (Instituto de Estudos da América Latina da Academia de Ciências Sociais da China).
Esses encontros ocorrem em paralelo à visita de Li Keqiang e reforçam o peso conferido à visita ao Brasil, Colômbia, Peru e Chile.
De tudo isso releva apontar algumas expectativas por parte de atores políticos da região não se realizarão.
Primeiro, a China não será uma opção aos EUA. O país, a despeito do grande aumento do comércio, ainda não se equipara aos EUA e à União Europeia como fonte de investimentos no continente.
E seus empréstimos estão concentrados nos três países mais problemáticos da região, Venezuela, Argentina e Equador.
Segundo, as relações da China com os países latino-americanos não servirão para fortalecer os laços regionais entre esses países. As relações com a China são bilaterais.
Terceiro, a demanda chinesa não manterá altos indefinidamente os preços das commodities, como esperavam alguns. Seu crescimento está desacelerando e, com ele, a alta dos preços dos produtos exportados pelos países sul-americanos.
Finalmente, a grande demanda chinesa por commodities causou estragos em diversos países da região, ao valorizar o câmbio e promover uma um “reprimarização” das exportações latino-americanas.
Cabe, portanto, encarar com realismo o progresso desse relacionamento, desejável, mas que não constitui uma panaceia para todos os nossos problemas.