A virtude de dizer a verdade
A franqueza do ministro da Fazenda, em entrevista ao Financial Times, cria um clima favorável para que todos aceitem uma forma mais abreviada de sacrifícios
Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, o ministro Joaquim Levy afirmou que o modelo de seguro desemprego brasileiro está ultrapassado. Afirmou também que para ajustar as contas públicas será necessário fazer cortes em várias áreas da administração.
Honestamente reconheceu que medidas de ajustes, quando aplicadas com a necessária intensidade que a situação atual requer, terão um efeito negativo sobre a atividade econômica.
Isso decorre do fato de que o mundo não é perfeito: empresários formam expectativas sobre os rumos futuros da atividade econômica e reduzem investimentos se creem que não serão adequadamente remunerados; trabalhadores ignoram que reajustes superiores ao crescimento da produtividade não poderão ser indefinidamente pagos pelas empresas; e consumidores se endividam acima de sua capacidade, acreditando que estarão imunes às fases negativas dos ciclos econômicos.
O que é espantoso é o fato de o ministro ser censurado por dizer o que todo mundo já sabe: experimentaremos uma recessão. A primeira razão para isso é o fato de que esse não será um evento futuro, mas pretérito. O PIB não cresceu no ano de 2014 como um todo, e nada está escrito nas estrelas que será diferente esse ano, pelo menos no primeiro semestre.
A segunda razão decorre em parte da primeira. A confiança dos setores de comércio, indústria e serviços permanece em baixa, impedindo uma retomada dos investimentos. Se o agronegócio vai bem, ele não é suficientemente grande para contrabalançar o desempenho negativo das demais atividades da economia.
O ministro é um economista cuja capacidade analítica já foi comprovada ad nauseam. A qualidade de seus serviços como gestor público é igualmente louvada por gregos e troianos. Não fora isso, de resto, por que a senhora presidente o teria escolhido para ministro da Fazenda? Por suas qualidades sabe que Lincoln estava certo quando afirmava que é possível enganar alguns todo o tempo; que é possível enganar a todos somente por pouco tempo; mas que, definitivamente, não é possível enganar a todos todo o tempo.
Dizer a verdade não é somente virtude no administrador público; é dever de todos em uma República, dos mais humilde ao mais poderoso. Temos em nossa cultura popular uma expressão que utilitariamente aconselha o caminho da virtude nesse assunto: "a mentira tem pernas curtas".
Outra razão, também utilitária, decorre da moderna teoria econômica associada à teoria da chamadas "expectativas racionais", associada ao prêmio Nobel em economia, Robert Lucas - coincidentemente professor de economia no departamento em que estudou Levy na Universidade de Chicago.
O racional para a teoria é simples: se o gestor da política econômica tem credibilidade e diz sempre a verdade a respeito da situação em que se encontra a economia, empresários, trabalhadores e consumidores ajustam mais rapidamente suas expectativas, e o período de desaceleração da atividade econômica é mais curto.
A moral da história é simples: o ministro está simplesmente procurando acelerar a percepção da população de que é responsabilidade de todos procurar viver mais de acordo com os próprios meios e preparar-se para tempos mais difíceis, já que vivemos além de nossos meios nos últimos anos. A hora é de austeridade, e quanto mais cedo nos dermos conta disso, melhor.
É certo que a austeridade incomoda. Alguns serão prejudicados com as medidas anunciadas e postas em prática pela equipe econômica. Mudar as regras do seguro desemprego é parte desse pacote; elas contrariam os que delas se beneficiam em detrimento do equilíbrio das contas públicas.
Também serão prejudicados os membros do seleto grupo de "campeões nacionais" - empresários privilegiados com empréstimos nas instituições oficiais de crédito. Os recursos para esses empréstimos subsidiados são obtidos do Tesouro Nacional, que os capta no mercado a taxas de juros superiores às cobradas das empresas beneficiadas.
O que está em jogo em toda essa discussão, no fundo, é o tipo e tamanho de Estado que a sociedade brasileira precisa e requer. O Estado agigantado e ineficiente já foi rejeitado nas manifestações de rua em todo o país em julho de 2013. Privilégios, subsídios, reservas de mercado e proteção aos ineficientes deveria há muito ser coisa de um passado que somente serviu para o benefício de alguns, arcados pela maioria.
A senhora presidente foi corajosa em reconhecer que a política econômica de seu primeiro mandato foi equivocada. Espera-se agora que a primeira mandatária resista às pressões dos interesses contrariados e apoie sua equipe econômica. E que aceite as verdades enunciadas por seus ministros. As pressões serão bravas, mas é preciso resisti-las.