A Venezuela e o incêndio do Reichstag
A Venezuela nunca esteve tão próxima de um desfecho institucionalmente violento
Em 27 de fevereiro de 1933, o incêndio criminoso do Reichstag – o prédio do Parlamento alemão – produzido por um jovem comunista holandês serviu de pretexto para que o chanceler Adolf Hitler obtivesse uma Lei Habilitante em seguida ao Decreto do Presidente do Reich para a proteção do povo e do Estado, que eliminava a liberdade de expressão, de opinião, de reunião e de imprensa.
O sigilo de correspondência também era abolido. Além disso, o governo em Berlim ganhava poderes para "intervir" nos estados, a fim de garantir "a paz e a ordem".
Passados 82 anos, a história, como acontece muitas vezes se repete, não como acreditava Marx, que via nessa repetição uma farsa, mas como tragédia.
Na Alemanha de 1933, Hitler acreditava piamente que estava em curso um golpe comunista contra seu governo. Na Venezuela de 2015, o pretexto é pueril: a imposição de sanções pelos Estados Unidos a sete funcionários ligados ao governo de Nicolás Maduro.
Com base nessa alegação, Maduro pediu à sua maioria na Assembleia Nacional que aprove uma segunda Lei Habilitante, com a qual pretende combater sem tréguas o que considera o imperialismo americano.
O episódio seria ridículo, como a encenação de uma peça de teatro bufo, cômico, burlesco, fescenino, se não fosse mais um ato trágico da enorme tragédia que ocorre contra a democracia na Venezuela.
Quem melhor descreveu o que lá se passa foi o prêmio Nobel de literatura Mário Vargas Llosa, em recente artigo publicado no jornal espanhol El País. Vargas Llosa apontou que, quando o Governo venezuelano de Nicolás Maduro autorizou sua guarda pretoriana a usar de fogo contra as manifestações de rua dos estudantes, sabia muito bem o que fazia: seis jovens já foram assassinados nas últimas semanas pela polícia ao tentar calar os protestos de uma sociedade cada vez mais enfurecida com os atropelos desenfreados da ditadura chavista, a corrupção generalizada do regime, o desabastecimento, o colapso da legalidade e a situação crescente de caos que se estendem por todo o país.
Essa caótica situação é percebida pela população. A inépcia e a demagogia do governo conduziram o a uma situação caótica que se reflete, e ter tantas, no desabastecimento dos supermercados e feiras do país.
O regime se sente encurralado e sabe que sua taxa de aprovação não passa de 20% e que será derrotado nas próximas eleições. É isso que explica a escalada repressora do regime nos últimos dias.
Ela inclui a prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, um dos principais líderes da oposição. Essa detenção ocorre quando se completava um ano da prisão de Leopoldo López e de haver cassado a condição de parlamentar de Maria Corina Machado, grande adversários do chavismo.
Como de hábito em sofrida e patética América Latina, o motivo para essa repressão à oposição é a surrada pseudo-intervenção do “imperialismo” nos assuntos internos de um país ibero-americano. A repressão, por não ter meios de atingir o “imperialismo”, se volta contra os opositores democráticos do chavismo.
Não se trata de uma argumentação verbal: 43 manifestantes foram mortos nas ruas, centenas foram feridos e não se sabe quantos foram presos e torturados nos subterrâneos da repressão.
Sabemos bem como é isso: em 1954, Jorge Amado publicou um romance em três volumes que tinha por título “Subterrâneos da Liberdade”, em que narra a vida política e social do Brasil durante a ditadura de Getúlio Vargas.
Não é diferente na Venezuela; muda a língua, muda o lugar, mudam os tempos, mas ditaduras têm em comum a repressão – do dissenso e da liberdade de manifestação dele.
Por quanto tempo Maduro conseguirá calar os protestos praticando crimes e torturas? A situação vem piorando à medida que passa o tempo. O desabastecimento e a violência usada para reprimir os que reclamam dele é crescente.
Não há mais como ocultar do povo que o bolivarianismo fracassou de forma retumbante. A escalada da violência tem somente uma tradução: Maduro se sente encurralado pela crítica situação econômica à qual, continuando Chávez, conduziu o país.
Maduro agora sonha em mostrar que a tímida reação americana, que atingiu somente sete de seus prosélitos, pode desestruturar o sistema econômico venezuelano. Não lhe ocorre que essa desestruturação vem de longe, ainda do período Chávez, seu mentor, ao quebrar a PDVESA, a Petrobras local e maior fonte de riqueza do país.
Por fim, a pergunta irrecusável: até quando a Unasul continuará ignorando o desgoverno venezuelano e seus crimes contra o povo? Onde está a Organização dos Estados Americanos, que em outros episódios soube erigir-se contra a tirania em nosso continente?
O novo “incêndio do Reichstag” passará em branco?