A responsabilidade fiscal e seus algozes
O parecer do Tribunal de Contas da União pode ser o início de um processo ético de retorno aos bons princípios de gestão da coisa pública. Assim esperemos.
A Lei de responsabilidade fiscal (LRF) foi um marco na gestão das contas publicas brasileiras. Foi por contrariar seus dispositivos que agora vê-se a senhora presidente em árdua luta para minimizar o disposto no parecer do relator do TCU.
Difícil tarefa. Os 14 técnicos que subscreveram o estudo técnico que serviu de base para o parecer estimam que R$ 106 bilhões foram gerados irregularmente e à margem do orçamento da República.
Esses recursos foram oriundos de empréstimos do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, o que é explicitamente vedado pela LRF. Desses R$ 106 bilhões, R$ 40 bilhões constituíram as “pedaladas” fiscais.
Disse antes que a LRF "foi" um marco, em lugar de "é", porque os governos do PT revogaram na prática disposições. E agora, como uma doença contagiosa, governador de importante estado da federação afirma que é necessário “suavizá-la”, caso contrário “não sobrará nenhum gestor nesse país”.
Triste trópico em que se encontra o nosso Brasil, diria Claude Lévi-Strauss. O fundador da antropologia estruturalista visitou nosso país entre 1935 e 1939, quando lecionou sociologia na recém-criada Universidade de São Paulo.
É difícil entender porque um governante não pode conviver com normas de finanças públicas que limitam os gastos ao previsto no orçamento.
A despeito de tudo isso, há os que não veem qualquer malfeito nas operações de credito dos bancos públicos, indiretamente e por artifício, financiando o Tesouro Nacional.
Errada estaria a LRF ao vedar essa possibilidade de driblar o orçamento e chamar a si aquilo que é a principal função de um parlamento: a de limitar as despesas de um governo ao montante de recursos aprovado pelo legislativo.
Há outros que, reconhecendo os malfeitos, apontam que sempre assim se procedeu. Mal comparando, é como se fosse possível tornar lícitos os assassinatos, como se sabe cometido desde o tempo em que Caim matou Abel. A recorrência contumaz ao delito não transforma a transgressão em virtude.
Pior ainda, por confundir a opinião pública, é o argumento de que, não fossem as “pedaladas”, os programas sociais teriam sido cortados. Ora, os programas para os quais existiam recursos orçados, foram executados normalmente.
Se faltaram recursos em razão da recessão engendrada pelos erros de política econômica, o correto seria efetuar cortes em outros programas menos prioritários, carreando os recursos liberados para o financiamento dos programas considerados de maior valor para a sociedade. O lugar adequado para redefinir as prioridades é o Congresso Nacional, onde a discussão de matérias dessa natureza deve se dar.
Tão grave como tudo isso foi a clara intenção de falsificar para os eleitores a real situação das contas públicas. A eleição se aproximava e era necessário esconder do eleitor o que vinha pela frente. Vencida a eleição e tomada a posse veio o anúncio do ajuste fiscal e da correção dos preços administrados.
Os eleitores, com toda razão, se sentiram traídos. Primeiro, em sua confiança nos governantes, que lhes faltaram ao respeito ao encobrir manobras destinadas exclusivamente a iludir os eleitores. Segundo, porque lhes foi prometido o paraíso na Terra e por isso reelegeram a senhora presidente, e agora vão descobrindo, pouco a pouco, que a expansão da classe média prometida era um engodo.
Nesse contexto, a “nova matriz econômica” desempenhou o papel de promover uma distribuição de renda às avessas, transferindo para um grupo de empresas, supostamente escolhidas como novas “campeãs nacionais”. Os controles dos preços administrados foi parte desse engodo.
As tarifas de energia e de transporte urbano e os preços dos derivados de petróleo foram mantidos artificialmente congelados, induzindo os consumidores a utilizarem excessivamente esses recursos escassos.
Nesse processo, quebrou-se financeiramente a maior empresa do país a Petrobras, em grande propriedade dos cidadãos através do Estado. Agora a conta chegou e todos percebem, mais uma vez, que a quebra da LRF levou também a outras estripulias, de elevado custo presente para os consumidores.
O parecer do Tribunal de Contas da União pode ser o início de um processo ético de retorno aos bons princípios de gestão da coisa pública. Assim esperemos.