A reforma da previdência chilena
Por que não aproveitar a necessidade de reformar a previdência, e aplicar um modelo que deu certo, como o chileno?
"Nossos economistas heterodoxos, em estreita colaboração com seus colegas argentinos, parecem ter inventado o princípio da contraindução: uma experiência que dá errado várias vezes deve ser repetida até que dê certo."
(Mário Henrique Simonsen)
Já é consenso que, na ausência de uma reforma previdenciária, que reverta a trajetória explosiva das contas do sistema brasileiro de seguridade social para os próximos anos, será impossível restabelecer o equilíbrio das contas públicas.
Sendo um tema tão prioritário, creio oportuno voltar a este espaço para me referir à experiência chilena na matéria, que, a exemplo da autonomia do Banco Central, também constitui um caso de sucesso, logo ali, num país emergente e latino-americano, como o nosso.
A reforma da previdência chilena completou 37 anos no último mês de maio. Como se sabe, a grande inovação foi tê-lo transformado num sistema de capitalização, onde os trabalhadores devem depositar compulsoriamente pelo menos 12,5% de seus salários em contas individuais de capitalização, administradas por empresas privadas, as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP).
Além de ter significado importante peça do ajuste fiscal realizado durante o governo Pinochet, que assegurou, conjuntamente com outras reformas estruturais, o fortalecimento dos fundamentos da economia chilena, ela também provocou importantes efeitos macroeconômicos que, como veremos, não se restringiram ao campo das finanças públicas.
Vários trabalhos mostram que os efeitos macroeconômicos dessa reforma podem ser apreciados a partir de três canais fundamentais: a poupança interna e o investimento produtivo; o mercado de trabalho e o mercado de capitais.
A perda de contribuições - tanto dos trabalhadores novos que ingressaram no sistema de capitalização, como dos antigos que optaram por migrar para esse sistema, significou um maior endividamento público (menor poupança pública). Isso foi mais do que compensado pela maior poupança privada, que aumentou, devido ao aumento líquido da poupança compulsória no sistema das AFPs. Assim, estima-se que a poupança interna do Chile, que é a soma das duas anteriores, teria aumentado de forma importante, em decorrência da reforma previdenciária.
A existência de uma maior poupança interna também reduziu a vulnerabilidade externa desse país, ao diminuir a dependência em relação aos capitais financeiros externos, o que praticamente "isolou" sua economia dos efeitos das crises financeiras internacionais ocorridas desde a segunda metade da década de noventa, incluindo a de 2008.
A redução da alíquota de contribuição, ocorrida a partir da mudança do sistema previdenciário, provocou vários efeitos positivos: um aumento do emprego formal e a consequente diminuição do emprego informal; um aumento da oferta de trabalho total ao aumentar os salários dos setores formal e informal; um aumento do emprego total; uma diminuição do desemprego estrutural e um aumento da produtividade média do trabalho, devido ao aumento do emprego no setor formal, mais produtivo que o informal.
Um dos efeitos mais importantes da reforma previdenciária chilena foi sua influência no desenvolvimento do mercado de capitais local. De fato, estima-se que grande parte da evolução do mercado de capitais possa ser atribuído a ela.
A acumulação de uma grande quantidade de fundos nas AFPs, a partir da reforma, parece ter sido acompanhada de aumentos da qualidade da regulação e de uma maior transparência no mercado financeiro, além de melhoras na governança corporativa das empresas.
Alguns estudos sugerem que o maior impacto do novo sistema previdenciário tenha se manifestado no aumento da oferta de fundos de longo prazo e na ampliação dos mercados de créditos hipotecários e de ações. O desenvolvimento do mercado de capitais possibilitou uma melhor utilização dos recursos na economia, permitindo que eles fossem empregados nos setores de maior rentabilidade, o que elevou a eficiência geral da economia.
Além disso, o maior investimento produtivo, aliado aos aumentos do emprego total, da produtividade média do trabalho e da eficiência econômica, que ocorreram devido à reforma da Previdência, resultaram numa significativa contribuição ao crescimento econômico do Chile. Estima-se que todos esses efeitos considerados permitiram aumentar a taxa de crescimento econômico do Chile em 0,5% ao ano.
O sistema de previdência chileno, um dos mais modernos do mundo, completou seus 37 anos “gozando de excelente saúde”: a rentabilidade dos fundos aplicados tem sido, desde 1981, muito elevada, garantindo a metade da pensão com que se aposentam os trabalhadores chilenos; não houve nenhuma fraude; nenhum trabalhador perdeu seus fundos de aposentadoria; e as tarifas cobradas para administrar os fundos de pensão têm diminuído com o aumento da concorrência, garantido por um ente regulador governamental.
De qualquer forma, atualmente, existem propostas que buscam aperfeiçoar o sistema, com o intuito de aumentar o valor das pensões, o que é visto como um problema importante a ser resolvido. Este, porém, não decorre de seu funcionamento, e sim é causado pelo envelhecimento da população e pela dinâmica do mercado de trabalho local, considerando diferenças entre o setor formal e informal e de níveis de instrução.
Finalmente, gostaria de adicionar uma última nota, de caráter pessoal, posto que trabalhei durante 10 anos no Chile, e, portanto, disponho de um pequeno fundo de pensão, acumulado durante esse período. Meus recursos são administrados por uma das AFPs, que eu, soberanamente, posso escolher, entre várias existentes.
Como, pela lei chilena, somente poderia fazer o resgate quando completar 65 anos (uma “poupança forçada”, para não “queimar” minha aposentadoria em despesas de consumo), a administradora periodicamente me envia e-mails e me telefona, mesmo estando eu ausente do Chile há 14 anos, para informar sobre a rentabilidade obtida pelos meus fundos de pensão.
Por que não aproveitar a necessidade de reformar a previdência, e aplicar um modelo que deu certo, como o chileno? Já não temos tempo para insistir em manter um sistema previdenciário excessivamente “generoso” e insustentável, do ponto de vista financeiro.