A proteção ao emprego e seus percalços
A MP baixada pelo governo traz uma ideia boa. Mas há dificuldades que precisam ser removidas para que ela dê certo
A ideia que fundamentou o Plano de Proteção ao Emprego é correta. Explico.
Nos últimos anos os salários médios cresceram muito mais que a produtividade do trabalho. Nessas condições, a menos que tivesse ocorrido uma substancial queda nos demais custos de produção, as empresas somente continuariam a manter o ritmo de crescimento da produção se pudessem repassar integralmente aos preços os aumentos de custos laborais.
Essa, contudo, não tem sido a situação no passado recente, e tudo indica que também não o será nos próximos dois anos, pelo menos. A queda no PIB já caracteriza uma recessão, com queda no emprego e na massa salarial. Não são fatores favoráveis à elevação de preços.
Se esse caminho é inviável, para muitos setores industriais manter a produção – para não falar em aumenta-la – é o caminho certo para o prejuízo. Dentre os setores de maior visibilidade, a indústria automotiva é o melhor exemplo. Várias empresas estão mantendo os trabalhadores em férias coletivas, e algumas já iniciaram o processo de demissões.
Caso o ambiente externo fosse propício para as exportações, haveria uma válvula de escape natural para pelo minimizar o problema da produção e do emprego. No entanto, erros do passado, como o uso da taxa de câmbio valorizada para ajudar a combater a inflação, levaram a uma perda de mercado de muitas empresas brasileiras para suas concorrentes nos demais países.
Erros do passado estão sendo corrigidos, mas essa própria correção às vezes tem um impacto negativo sobre a atividade industrial. É o caso da correção dos preços defasados da energia. A correção aumentou custos de produção industrial, tanto mais quanto maior a intensidade em energia utilizada pelas empresas. Não surpreende, aliás, que de forma independente dos demais fatores internos, empresas intensivas em energia estejam transferindo suas atividades para países onde os custos da energia são estáveis e mais baixos.
Tudo isso indica que o problema do desemprego tem tudo para se agravar nos próximos meses. Em tese, propor uma redução nos salários, por mais duro que seja para o trabalhador e sua família, no atual contexto é uma das poucas alternativas disponíveis para resguardar e manter os empregos.
O problema é que, como diz a sabedoria popular, o inferno está nos detalhes. De acordo com a medida provisória que coloca em prática o Plano de Proteção ao Emprego autoriza as empresas a reduzir a jornada de trabalho em até 30% com a concomitante redução dos salários na mesma proporção. O prazo de vigência dessas medidas é de 12 meses.
Os trabalhadores não arcariam integralmente com o custo da perda dos salários. No máximo essa perda estará limitada a 15%, já que os outros 15% do corte nos salários serão bancados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A maneira de implementar o Plano se dará através de acordos coletivos entre os sindicatos das diversas categorias de trabalhadores e as empresas.
A recepção ao Plano até agora não tem sido entusiástica. Do lado de muitos dos trabalhadores o acordo está sendo percebido como uma forma de apoio às empresas e não dos trabalhadores.
Esse argumento, contudo, não se sustenta, já que o objetivo do Plano é a manutenção dos empregos, de interesse dos trabalhadores, e somente nesse caso será aceito pelos sindicatos.
Por outras razões, a receptividade entre as empresas também não está sendo exemplar. Muitas empresas já reduziram o emprego e diversas exigências para a adesão das empresas ao programa também são de difícil aceitação.
Por outro lado, o emprego dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador para cobrir parte da perda salarial parece conflitar diretamente com os objetivos do ajuste fiscal em curso. Recursos financeiros são fungíveis e não importa se um fundo gerido pelo governo se refira aos trabalhadores ou não. Além do que, o fundo é escritural e não tem seus recursos esterilizados. É com base nos seus recursos que são pagos o seguro desemprego e o abono salarial, entre diversos outros programas.
Finalmente, há que observar que reduzir salários não é uma panaceia. O peso da folha de pagamentos no custo total das empresas é, para o total da indústria de transformação, de somente 13,3%. Ele chega a 27,7% na indústria de vestuário, mas não passa de 10,7% na indústria metalúrgica.
Resumo da ópera: a ideia é boa, mas o diabo mora nos detalhes. Há percalços ao sucesso da medida, que talvez possam ser em parte removidos para que dê certo. Resta torcer.