A inflação aleija, o câmbio mata
A deterioração da economia se deve em grande parte ao déficit na balança comercial e nas contas externas desfavoráveis da União
A frase não é minha, mas do saudoso intelectual, ministro, e sobretudo magistral professor Mário Henrique Simonsen. Com essa frase queria dizer que a inflação, por pior que seja, o mercado encontrará meios e formas de nos proteger de seus piores efeitos.
A nossa experiência inflacionária atesta isso. Mas problemas com o balanço de pagamentos, em moeda estrangeira, não permitem arranjos internos que os atenuem. Daí a frase.
Os dados do balanço de pagamentos de 2014, recém divulgados pelo Banco Central, dão o que pensar. Primeiro, porque tivemos um déficit na balança comercial de quase US$ 4 bilhões em 2014.
Trata-se de uma reviravolta no saldo das contas comerciais de US$ 6,4 bilhões, já que 2013 tivemos um saldo positivo de US$ 2,4 bilhões.
O resultado é ruim em si mesmo, mas emerge pior se levarmos em conta que esse é o primeiro déficit na balança comercial desde 2000. Iniciando em 2001 tivemos enormes superávits comerciais que aliviaram muito a pressão sobre o nosso setor externo.
Esses saldos positivos cresceram nos primeiros anos da década passada, atingindo valores superiores a 20 bilhões de dólares anuais entre 2003 e 2011.
Muito contribuiu para esse resultado a perna do tripé macroeconômico referente ao câmbio flutuante – sendo as outras duas pernas o superávit primário fiscal positivo e a lei de responsabilidade fiscal.
Nos últimos quatro anos fomos perdendo as três pernas do tripé. Mas para o mau resultado da balança comercial contribuiu também a enorme perda que experimentaram os preços de nossos produtos de exportação.
O preço da soja caiu 35% nos últimos 12 meses; o suco de laranja e a carne, 21%; o café, 28%; o minério de ferro, 50%.
Se a situação da balança comercial tornou-se preocupante, mais preocupante ainda é a situação dos demais componentes do balanço de pagamentos brasileiro.
O saldo das contas correntes do balanço de pagamentos – que inclui o saldo da balança comercial mais o déficit da conta de serviços – alcançou um saldo negativo de US$ 91 bilhões.
Trata-se também de um fato novo e preocupante, o maior saldo negativo da série histórica apurada pelo Banco Central do Brasil.
Com relação ao déficit em conta corrente de nosso balanço de pagamentos em 2013, o aumento foi de 12%. O valor surpreendeu analistas, no Banco Central e no mercado. O primeiro esperava um déficit de US$ 86 bilhões, enquanto o último previa um saldo negativo de US$ 89,5 bilhões.
Não se trata de café pequeno. Um indicador importante da solvência dos países, acompanhado com lupa pelos banqueiros internacionais, é a relação transações correntes/PIB.
Ora, em 2014 tivemos o pior dos mundos possíveis: segundo dados do Banco Central, o PIB caiu 0,14%; o déficit em conta corrente, conforme apontado anteriormente, subiu 12%. O resultado final pode ser sumariado na constatação de que o déficit atingiu 4,2% do PIB – um aumento expressivo em relação aos 3,6% do PIB observado em 2013.
Esses números não impediram que o balanço de pagamentos como um todo – incluindo a balança de capitais – apresentasse um superávit de US$ 10,8 bilhões, um aumento de 34% relativamente ao ano anterior.
A questão é que esse resultado reflete um aumento dos investimentos externos em carteira. Trata-se de investimentos estrangeiros em ações ou títulos de emitidos por empresas privadas ou pelo governo.
Em contrapartida, os investimentos estrangeiros diretos (IED) tiveram queda de 2,4%. O investimento feito para adquirir um interesse duradouro em empresas que operem fora da economia do investidor.
Geralmente trata-se de uma aplicação de capital de uma empresa matriz em uma filial estrangeira. A característica principal do investimento direto estrangeiro direto é o seu comprometimento de longo prazo com o país em que o investimento é realizado.
Ora, o investimento direto estrangeiro direto vem se reduzido desde 2011, enquanto o déficit em transações correntes vem crescendo desde 2009.
Desde 2013, o investimento direto estrangeiro não mais é capaz de cobrir o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Isso significa que os investimentos em carteira estão cobrindo a diferença.
Nada contra os investimentos em carteira. O problema com esses investimentos é o fato de que são voláteis, diferentemente dos IEDs.
Com a crescente participação desses investimentos voláteis no total do financiamento de nosso balanço de pagamentos aumentamos o risco de um choque externo. Como dizia Mário Henrique Simonsen, a inflação aleija, mas o câmbio mata.