A herança de 2014
Há heranças boas e más do ano que se foi. Algumas delas têm origem no exterior, outras aqui mesmo. Algumas criaram opções e outras, empecilhos. Em seu conjunto, todas influenciarão de forma significativa o ano de 2015
Não há como ignorar o profundo significado do reatamento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba, em si, para os países envolvidos, bem como para o relacionamento do Brasil com os Estados Unidos.
Como ato político, reflete o óbvio: meio século de relações rompidas e de bloqueio econômico serviram apenas para justificar o longo e sofrido regime castrista perante o povo cubano. Trata-se de uma longa e infame tradição latino-americana: sempre que as coisas dão errado, o culpado reside no exterior. Vale para Cuba como vale para cá.
A reaproximação com Cuba se reflete também em um genuíno desejo do Executivo americano de aprofundar as relações com o Brasil. Prova disso é a estada no país do vice-presidente dos Estados Unidos entre nós para participar da posse da presidente Dilma Rousseff. Também sinaliza um clima melhor entre os dois países a guinada na direção da política econômica brasileira. Ela mostra que poderemos privilegiar no futuro uma séria intenção de valorizar o aumento da produtividade em detrimento do protecionismo. Bom para o Brasil e, de quebra, para os Estados Unidos.
"Há uma batalha a ser vencida no campo das expectativas"
O momento não poderia ser melhor para um maior estreitamento de nossas relações bilaterais. A economia americana dá mostras claras que superou a crise de 2008 e retoma a trilha do crescimento. Precisamos de parceiros descomplicados e em crescimento, para onde possamos direcionar nossas exportações de produtos de maior valor agregado.
Nem tudo são flores, contudo. Há uma enorme herança de desequilíbrios que a senhora presidente deixa para si mesma. Os fatos são por demais conhecidos para merecer elaboração aqui, mas é preciso ter em mente que esses desequilíbrios podem nos levar a perder o grau de investimento tão duramente conquistado -- com todas as suas consequências nocivas para o financiamento de nosso balanço de pagamentos.
Mais do que isso, há uma batalha no campo das expectativas a ser vencida para que o segundo mandato da presidente chegue a bom termo. As expectativas, refletidas no boletim Focus do Banco Central são, no mínimo, ruins. O mercado projeta para 2015 um crescimento pífio de 0,55%. Projeta também que a inflação permanecerá acima do limite superior de 6,5% da meta de inflação; que a produção industrial continuará praticamente estagnada, crescendo apenas 1,2%; e que os juros básicos chegarão a 12,5%.
Essas expectativas, ao refletirem o sentimento do mercado, mostram que a margem se manobra da política econômica é pequena. A senhora presidente não poderá errar. Caberá a ela dar todo o apoio ao trio que comanda a economia, quaisquer que sejam as pressões contra o ajuste econômico, venham de onde vierem.
Haverá momentos difíceis, em que os custos presentes em termos de emprego e de redução da atividade econômica se anteciparão ao momento de colheita dos resultados positivos do ajuste. Ela não poderá contar com o apoio irrestrito da oposição, que pagará na mesma moeda o que fez o PT quando estava na oposição. Ou de seu próprio partido.
Gostaria de encerrar com uma nota de otimismo, já que por todo lado as expectativas para 2015 são as piores possíveis. No ano que passou comemoramos os cem anos da espontânea trégua de Natal ocorrida ao longo das trincheiras em toda a frente de batalha da Primeira Guerra Mundial.
Os soldados depuseram suas armas no dia de Natal e comemoraram juntos o dia santificado comum. Tudo começou com cantos dos dois lados dos campos de batalha. Soldados alemães ornamentaram as trincheiras com árvores de Natal. Logo, soldados ingleses atravessaram a terra de ninguém entre as trincheiras e trocaram apertos de mão com seus inimigos alemães, desejando-se mutuamente votos de feliz Natal. E juntos, enterraram seus mortos. Todos manifestaram o desejo comum de retornar a seus lares e por fim à estúpida carnificina de que participavam.
Oficiais dos dois lados logo puseram fim à confraternização e a estupidez foi retomada. Não importa; importa, sim, o fato de que há na natureza humana o sentimento de pertencimento a uma humanidade comum, compatível com diferenças de toda natureza, e que vale celebrar.
Ao leitor partilho esse evento para transmitir meus melhores votos de um feliz 2015. Será um ano difícil; mas cabe a cada um de nós persistir em ter sonhos de um país justo e próspero, a despeito de tudo em contrário que nosso governo nos brindou no ano que passou.