A Grécia precipitará uma crise europeia?
O novo governo grego de esquerda não provocará uma crise na União Europeia. Ele apenas expõe uma cicatriz já existente
Em recente entrevista, Dimitrios Papadimoulis, deputado grego no Parlamento Europeu, afirmou que “não somos antieuropeus, populistas, extremistas ou monstros”, enfatizando que a Grécia e a Europa necessitam de um “new Deal”, o plano econômico do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt que tirou a economia americana da Grande Depressão.
Para Papadimoulis, as mudanças já ocorridas na economia europeia precisam ser ampliadas. Essas mudanças compreenderam as compras pelo Banco Central Europeu de títulos de dívida dos países da zona do euro; o Plano Junker de ampliação dos investimentos no continente; e a decisão da Comissão Europeia de dar mais flexibilidade ao Pacto de Estabilidade e Crescimento.
A situação econômica nos países da periferia europeia, contudo, não melhorou. A ameaça agora é a combinação de recessão com deflação – exatamente a situação dos países europeus durante a Grande Depressão. Essa combinação reflete-se no aumento do desemprego, que na juventude grega já ultrapassa os 50%, e na ampliação das desigualdades econômicas e sociais na Europa.
Por todas essas razões, o novo governo grego pretende negociar com a “troika” – Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) – de forma a flexibilizar o acordo em vigor. Alguns dos elementos dessa flexibilização consistem na exclusão dos investimentos públicos do cálculo do déficit público (terão aprendido com o Brasil?) e a inclusão de uma indefinida dimensão social nos critérios de seleção dos investimentos financiados pelo Plano Junker.
É claro que as coisas não são tão simples. Portugal, Espanha e Irlanda também estão em regime de austeridade pelas mesmas razões que levaram a Grécia a aderir ao programa de austeridade da troika. Quaisquer mudanças nos critérios para beneficiar a Grécia disparariam reivindicações dos outros três países sob o mesmo regime de austeridade. Além disso, o partido político Podemos na Espanha faz campanha sob a mesma bandeira do Syriza, que acabou de vencer as eleições na Grécia.
Para Ian Bremmer, presidente do Grupo Eurasia, a situação é bem mais complicada do que Dimitrios Papadimoulis parece indicar – uma pequena mudança de ênfase na austeridade. Bremmer considera que a plataforma do partido do primeiro ministro grego Alexis Tsipras é um total repúdio à ordem existente na Europa, não somente na Grécia, mas em todo o continente.
Por essa razão, considera que a histórica vitória do partido Syriza e seu programa de governo constituem o maior risco global de 2015, já que poderá levar o já fraturado sistema político europeu a novas pressões de movimentos contrários ao sistema vigente.
Na verdade, não se trata somente de um movimento contrário ao sistema grego. A estrondosa vitória do Syriza sinaliza um sentimento popular que vem crescendo de há algum tempo contra a austeridade o sistema político vigente, no país, na Alemanha e na Europa como um todo.
É claro, como disse o deputado Papadimoulis, que o novo governo grego não pretende unilateralmente repudiar a dívida externa e abandonar o euro. Por outro lado, as políticas econômicas anunciadas pelo governo do primeiro ministro Alexis Tsipras estão em frontal conflito com o mínimo necessário para reequilibrar a economia grega e criar as pré-condições para um retorno ao crescimento mais adiante.
De seu lado, a Alemanha não está disposta a aceitar os termos até agora apresentados pela Grécia; a flexibilidade alemã não tem como ser mais esticada, não só por contrariar o sentimento do contribuinte alemão, mas em especial porque há eleições estaduais marcadas na Alemanha.
Do lado grego não ajuda muito a falta de experiência de governo do Syriza e de fazer concessões que todo partido experiente faz para governar. O Syriza é um amálgama de diversas correntes, umas mais à esquerda que outras. Como reagirão essas correntes quando o primeiro ministro começar a negociar com a troika?
Por fim, também não ajuda o conflito na Ucrânia, o espírito reinante após o atentado ao Paris Hebdo e as incertezas com a próxima eleição na Espanha. Tudo isso dificultará as negociações entre a Grécia e a Alemanha.
Portanto, a discussão sobre a saída ou não da Grécia do euro é secundária, diante do que a eleição grega trouxe a nu: uma profunda cisão na Europa. Essa cisão somente será revertida quando estiverem líderes fortes no poder não somente na Alemanha, mas também no Reino Unido e na França.
A Grécia não provocará uma crise na Europa; a crise já estava lá, latente, à espera de um evento que a expusesse à luz.