A difícil transição cubana
Como oposição em países democráticos se dá no âmbito de partidos políticos, clandestinos em Cuba, os partidos oposicionistas proscritos se encontraram no México
Realizou-se na cidade do México, entre os dias 3 e 4 de dezembro, sob os auspícios da Fundação Konrad Adenauer e da Organização Democrata Cristã da América, importante conferência que teve por título “Caminhos para uma Cuba democrática”. Seria natural que uma conferência dessa natureza tivesse lugar em Havana, não fora o fato de, passados 65 anos, a democracia continuar ausente na ilha.
O objetivo da conferência foi profundamente democrático: realizar um diálogo entre partidos, organizações sociais cubanas e atores internacionais para analisar a realidade e as possíveis convergências para a mudança democrática em Cuba.
Não se tratou de um convescote de acadêmicos. Como bem observou Héctor Schamis, uma coisa é estudar o autoritarismo; outra, bem diferente, é vivê-lo. Especialmente se não se tem nenhuma recordação de sua vida que não seja sob esse regime no poder. A história de alguém é diferente se a sua identidade está construída com referência ao nome do governante e esse nome nunca muda. Não é fácil buscar construir, nessa circunstância, uma ordem democrática.
Pior: em Cuba, o que normalmente em outros países seria chamado “oposição”, lá é denominado “dissidência”. O termo tem um sinistro ranço estalinista, implicando que opor-se vai além da diferença de opinião para tornar-se conspiratório e delituoso. Simplesmente impede o legítimo e desejável entrechoque de ideias que caracteriza a verdadeira democracia e torna concreta a tolerância.
A maior prova de que não é possível praticar a democracia no país é o fato de que o entrechoque de ideias entre cubanos se dá em campo neutro, no México. Lá estavam todos os matizes de real oposição a um regime fechado e pessoal que já se estende por muitas décadas. Como oposição em países democráticos se dá no âmbito de partidos políticos, clandestinos em Cuba, os partidos oposicionistas proscritos se encontraram no México.
E são muitos, com diferentes programas e ideologias. Lá estavam representadas correntes liberais, socialdemocratas, sociais cristãos, a esquerda democrática e o Arco Democrático.
O propósito principal da reunião foi claro: buscar estratégias e áreas de concordâncias para a transição à democracia. Tarefa difícil, como o demonstra a experiência tanto nossa como de muitos de nossos vizinhos. Como seria de se esperar em um debate verdadeiramente democrático, é sempre difícil encontrar consensos sobre os caminhos pacíficos para restaurar a democracia em Cuba. O caminho é pedregoso e muitas vezes áspero, mas a vontade naquele debate buscava justamente o como fazer, o como superar as incertezas no caminho para a democracia.
"A tímida liberalização não pretende levar a economia ao livre mercado"
Na revolução cubana, tratava-se principalmente de derrubar uma ditadura. A ela sucedeu-se outra, baseada na promessa de que a sociedade abriria mão de seus direitos civis e políticos e teria em troca a garantia de emprego, acesso a saúde e educação de qualidade, acesso à moradia. A dura realidade dessas seis décadas de socialismo é que nenhuma dessas promessas se realizou, embora o sacrifício dos direitos da sociedade tenha ocorrido lá atrás.
A revolução cubana sustentou-se aos trancos e barrancos enquanto contou com o apoio, cada vez menos firme, da então União Soviética. Esta última, contudo, desabou de forma estrepitosa em 1981 por estar carcomida por dentro. As consequências para Cuba não se fizeram tardar. O apoio foi retirado e o regime cubano passou a contar com seus próprios meios para sobreviver – porque também Cuba padece dos mesmos males que levaram a União Soviética ao chão.
Ensaiam-se agora reformas supostamente de mercado, procurando tornar a inevitável transição para o capitalismo lenta, gradual e segura, como querem os atuais detentores do poder. Já se fala em propriedade privada, especialmente na agricultura, como existia no Leste Europeu na década de 1980.
Quais as chances de sucesso? Ficou claro na conferência que essa tímida liberalização não pretende levar a economia ao livre mercado, mas a mudar para deixar tudo como está. Perguntou-se o que ocorrerá quando secarem os recursos venezuelanos aportados, desde Chávez, a Cuba. Com sua própria crise, o governo venezuelano certamente seguirá o mesmo caminho da União Soviética na década de 1980, deixando Cuba na mão outra vez.
Fala-se agora na suspensão do embargo americano ao país. Ocorrerá uma nova prosperidade? Se vier a ocorrer, fortalecerá o regime fechado existente? Afinal, os cubanos querem se tornar prósperos, como todo mundo, mas também querem ser livres.
O debate continua em aberto. Trata-se de um diálogo prático sobre a transição. Que ela venha e Cuba volte a ser um país próspero e democrático, irmanado na comunidade das democracias do continente.