A desvalorização do rublo
O Kremlin procura ganhar competitividade e enfrentar as sanções econômicas ocidentais
“Uma condição necessária e suficiente para uma desvalorização cambial é a negativa prévia do governo de que irá fazê-la”, disse certa vez Harry Johnson, professor de economia da Universidade de Chicago e da London School of Economics.
A sequência de eventos de culminou na flutuação da moeda russa na última segunda-feira atesta a veracidade da aguda percepção de Harry Johnson. Senão, vejamos.
Em 19 de junho último, Dmitry Peskov, porta-voz do presidente Vladimir Putin, desmentiu que o Kremlin pretenderia desvalorizar a moeda para estimular a economia, abalada pelas sanções promovidas pelos Estados Unidos e seus aliados na Europa Ocidental.
Essa informação chocava-se com a afirmação do ministro da fazenda, Anton Siluanov, que havia afirmado que seu ministério iniciaria a compra de moeda estrangeira no mercado para enfraquecer o rublo. Para ele, “um pequeno enfraquecimento da taxa de câmbio (do rublo) seria benéfica para a economia como um todo e para as finanças públicas, em particular”.
Os comentários do ministro da Fazenda provocaram uma acentuada queda da moeda russa, o que levou o vice-primeiro-ministro Igor Shuvalov a afirmar que os comentários do ministro da Fazenda foram tomados fora de contexto e que “não tinham nada a ver com uma desvalorização”.
Em 10 de novembro, última segunda-feira, o Banco Central russo aboliu o sistema de bandas cambiais que utilizava para determinar o valor do rublo russo e abandonou o sistema de intervenção diária no mercado de câmbio para impedir a desvalorização da moeda. Com isso, o rublo russo passou a ser determinado pelo mercado de câmbio em um regime de plena flutuação cambial.
A decisão do Banco Central russo veio na esteira da maior desvalorização da moeda em 11 anos. O prévio aumento da taxa de juros não foi capaz de por termo à corrida dos investidores contra a moeda local. Desde 2013, o rublo perdeu 40% de seu valor.
O presidente Putin, segundo suas declarações na cúpula de Cooperação Econômica da área Ásia-Pacífico, em Beijing, está confiante de que as medidas tomadas estabilizarão a moeda. Disse também que a desvalorização recente do rublo não tem qualquer relação com os fundamentos econômicos.
Essa última observação merece comentário. Desde o início de 2013, o Banco Central russo perdeu cerca de US$ 75 bilhões de suas reservas internacionais. Elas se situam hoje em um patamar em torno de US$ 400 bilhões. Apenas a título de comparação, as reservas internacionais do Brasil situavam-se em US$ 376 bilhões em agosto último.
Sucede que a Rússia e o Brasil são países distintos em quase tudo, especialmente na necessidade de reservas internacionais. O nosso país é um “global trader” que exporta alimentos e minérios, mas que exporta também um grande número de produtos manufaturados.
Ao contrário da Rússia, o Brasil exporta para um grande número de países em todos os continentes. A Rússia tem suas exportações concentradas em petróleo e gás para um reduzido número de países.
Em decorrência, a Rússia está muito mais vulnerável a flutuações nos preços do petróleo e do gás que está o Brasil frente a flutuações dos preços de seus produtos de exportação, já que tem uma pauta diversificada de produtos e de destinos.
Além disso, a flutuação da moeda russa, depois de uma intensa especulação que levou à sua desvalorização, está mostrando o peso das sanções econômicas impostas ao país. Essas sanções fazem parte dos fundamentos econômicos da Rússia e assim devem ser avaliadas. A busca de vender o gás para a China certamente será uma alternativa viável, porém em condições piores que originalmente desejadas pelo Kremlin. Além disso, levará tempo até que os gasodutos necessários para desviar a oferta dos mercados da Europa ocidental para a distante China.
Esses eventos encerram duas lições, uma da tentativa de influenciar expectativas irrealistas e outra da dificuldade de tourear os fundamentos econômicos. Na campanha eleitoral muitas promessas se mostraram vazias na primeira semana depois de computados os resultados das eleições. As expectativas não mudaram.
A segunda lição é a inutilidade de bater de frente com os fundamentos. Para a Rússia, esses fundamentos são frágeis, e a economia está vulnerável. Para o Brasil, alguns de nossos fundamentos também são frágeis, como o crescimento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, o crescimento da dívida interna e a inflação em alta, especialmente pela correção dos preços administrados.
Bem fará a senhora presidente se der ouvido aos que a aconselham a mudar o modelo econômico que infelicitou seu primeiro mandato. O momento é agora para que ela inicie 2015 já com uma nova configuração da política econômica.