A construção do caos
À degradação dos indicadores econômicos juntaram-se ciclópicos níveis de corrupção, um grau alarmante de violência urbana e insegurança no cotidiano da população
A situação a que chegou o Brasil foi meticulosamente construída. Houve método nessa insanidade. O preço que está sendo pago pela imensa maioria da população tornou-se insuportavelmente alto.
A maior e mais prolongada recessão da nossa história foi acompanhada pelo desemprego, inflação e perda brutal de renda.
Como não poderia faltar à uma narrativa apocalíptica, esse cortejo funesto foi acompanhado de descontrole das contas do governo e aumento continuado da dívida pública.
Tivemos uma redução do PIB da ordem de 7% em três anos (2014-16), após uma década de crescimento irregular e, em geral, medíocre.
A taxa média de desemprego anual no Brasil chegou aos 13%, em 2016. A inflação ultrapassou os dois dígitos em 2015 e aproximou-se de 12% anual, provocando sérias apreensões quanto ao futuro.
Nunca antes na história deste país ocorreu uma conjunção tão perversa de fatores que conduziram a sociedade à desesperança.
À degradação dos indicadores econômicos juntaram-se ciclópicos níveis de corrupção, um grau alarmante de violência urbana e insegurança no cotidiano da população.
Há de se convir que chegar à uma situação de descalabro como essa exige muito empenho e dedicação das autoridades.
Foi preciso muito esforço, alianças e compromissos para que os três poderes da República e os três níveis de governo se unissem em um pacto macabro para levar o país ao caos. E, claro, parafraseando Aristides Lobo, seria preciso também um povo que assistisse bestializado à progressão do caos.
E que, por artes e manhas do ilusionismo pol&i acute;tico, este povo ainda se considerasse grato beneficiário das “bolsas”, “benefícios”, reduções de tarifas, manipulação de dados e informações.
Se hoje o Brasil paga essa irresponsabilidade generalizada com sangue, suor e lágrimas, o caos do Rio de Janeiro foi de uma construção exemplar.
Vitrine do Brasil para o bem e para o mal, o Rio potencializou a corrupção em níveis nunca vistos de Cabral (o descobridor) à Cabral (o presidiário), a calamidade administrativa e financeira no governo, na gestão da segurança pública e na falência dos serviços públicos.
A redução de atividades da Petrobras (15% da receita estadual), o declínio da construção naval e civil, as reduções de vendas no comércio, entre outros fatores, fizeram a taxa de desocupação no estado bater um recorde, atingindo quase 16% da população em 2017.
Entre 2015 e 2017 o Rio de Janeiro teve uma redução de 7% no PIB e diminuiu sua participação no total do país. Forte queda no PIB, redução da renda das famílias e desemprego elevado formam uma excelente conjunção de fatores para aumentar a pobreza.
E como uma das poucas atividades econômicas que prosperaram foi o tráfico de drogas e de armas, foi inevitável o crescimento da violência e da criminalidade.
Mas, como disse Millôr Fernandes, no Brasil não existe crime organizado, o que existe é polícia desorganizada.
Inevitável, portanto, que na meticulosa construção do caos a segurança pública passasse a ser vista como um “reality show” de governos corruptos, e não voltada para fatores de ordem social, econômica e humana da maior gravidade.
Na verdade, houve uma inacreditável recusa de ver a dimensão de uma crise há muito anunciada. Crise que acabaria por trazer o Rio de Janeiro do sonho irresponsável de rico emirado petrolífero, para a sua real condição de desigualdade, pobreza e fragilidade econômica.
Celeiro de talentos para gerar criatividade, conhecimento e inovação, o Rio de Janeiro degradou e desmantelou suas universidades e centros de pesquisa e de alta tecnologia.
Com potencial turístico excepcional, afugentou visitantes com ondas de violência próximas de uma guerra civil. Com amenidades que oferece, deixou sedes de grandes empresas mudarem para São Paulo. A essa altura, que pelo menos haja tolerância para permitir a ajuda de deuses diversos...
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FOTO: Agência Brasil