E como nossos mandatários reagiram às mais de 900 mil pessoas nas ruas (talvez muito mais de um milhão de pessoas)? Comemoraram! Por que motivo? Resumidamente, porque poderiam ser maiores!
| Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Este governo comemora tudo. Isso não é estranho? As chances de impeachment, entre idas e vindas, mantêm uma persistente trajetória de alta. Não obstante, a tirar pelas notícias dos nossos principais jornais, os caciques petistas estão sempre em festa.
Para ilustrar este fato, peguemos o exemplo das manifestações de 16 de agosto. O governo passou a semana anterior às passeatas comemorando que, segundo algum levantamento da “Folha 247 de S. Paulo”, o número de pessoas nas ruas seria menor do que nas outras manifestações. Isso, na cabeça dos “especialistas” de sempre, indicaria que a rejeição à presidente-sapiens estaria em queda.
Para início de conversa, a rejeição à “imperatriz da verve confusa” só faz subir, como indicam todas as pesquisas sobre o tema. Além disso, as manifestações foram maiores das que ocorreram em abril, desmoralizando ainda mais aquela análise carnavalesca.
E como nossos mandatários reagiram às mais de 900 mil pessoas nas ruas (talvez muito mais de um milhão de pessoas)? Comemoraram! Por que motivo? Resumidamente, porque poderiam ser maiores! Entenderam a astúcia? Se as manifestações são menores, comemora-se porque diminuíram. Se são maiores, comemora-se porque poderiam ser ainda maiores.
No limite, se toda a população brasileira fosse para a rua, a análise do governo veiculada na grande imprensa seria assim: governo acredita que manifestações atingiram o seu limite e não crescerão mais.
É um fenômeno espantoso: descendo o outeiro à cambalhota, o governo coleciona vitórias! É como se um indivíduo que, ao cair de um prédio de 20 andares, passasse pelo 4º pavimento dizendo: “até agora, tudo bem”. Manchete do momento: “fulano comemora não estar no 2º andar”. Seriam 20 vitórias até se espatifar no chão!
Como pode uma estratégia tão apartada da realidade e flagrantemente ridícula prosperar sem maiores inconvenientes? O único objetivo dessas notícias é o governo, já à beira do precipício, posar de aliviado frente à avalanche cada vez maior de fracassos. Blefa contra a população para tentar desanimá-la. Como eles conseguem emplacar tamanha maluquice no debate político?
A verdade é que essa pantomima não seria possível sem o auxílio luxuoso da grande imprensa nacional no que chamei de “fenômeno da doisquatrosetização” na semana passada. Funciona assim: o governo inventa uma narrativa que lhe é favorável e elabora um release, que é reproduzido, ipsis litteris, pelo “partido da mídia golpista”, como se notícia fosse.
É dessa maneira que a segunda maior manifestação popular da história brasileira ganha destaque em jornais como um alívio para o governo. Este, inclusive, é pintado vibrando com a vitória em mais uma batalha. Note-se ainda: as três maiores manifestações populares que este país já viu foram contra o mesmo governo, contra o mesmo grupo político, contra a mesma presidente-sapiens.
A “Folha 247 de S. Paulo” publicou que, segundo o Datafolha, os manifestantes desaprovavam Michel Temer (68%) e Renan Calheiros (79%). O leitor mais atento procura o percentual dos manifestantes favoráveis ao impeachment, mas isso não aguçou a curiosidade do instituto. Manchete principal: “Maioria na Paulista rejeita a atuação de Renan e Temer, diz Datafolha”.
Não é “dilmais” que o maior jornal do país se esmere em saber as rejeições do vice-presidente e do presidente do Senado, mas não dê bola para a rejeição do principal alvo dos protestos, Dilma Rousseff? Lula, seu padrinho político, ganhou bonecos em trajes penitenciários pelo Brasil. A “Folha 247”, no entanto, quer saber o que pensam os manifestantes a respeito dos líderes do PMDB.
Se o Datafolha fizesse a pesquisa, descobriria que 100% dos manifestantes sonham em testemunhar a dupla de presidentes petistas vendo o sol nascer quadrado. Qual seria a manchete desse resultado?
Já “O Globo 247”, que culpa o PSDB e Eduardo Cunha pela crise brasileira e já teve um editorial desmascarado (leia aqui), publica: “PT condena ataques a Dilma e Lula: ´Não escondem propósitos antidemocráticos´”.
Abaixo desse primor, que é a matéria principal sobre os protestos em seu site, o jornal complementa: “Mesmo com atos, Dilma ganha fôlego, dizem analistas”.
Outro exemplo do panfleto governista carioca: “Análise: Protestos passaram a ter mais claro o combate à corrupção”. Entenderam? O protesto foi contra uma corrupção abstrata e não contra o governo constituído e agente primaz da bandalheira.
O tapa na cara final: “Quase um domingo de sol pacato em Copacabana. Manifestantes clamavam por todo tipo de pauta”. Copacabana recebeu a maior manifestação das três que ocorreram no Rio de Janeiro. Quem foi à praia naquele domingo ensolarado viu uma orla tomada por pessoas gritando “Fora PT” e “Fora Dilma” o tempo todo. Há quem diga que isso “quase” compõe a paisagem cotidiana da Princesinha do Mar. Como o jornal pôde falar em “todo tipo de pauta”? Na grande imprensa, o tapa na cara combina-se à cara de pau.
Outros exemplos desta assessoria de imprensa mal disfarçada poderiam ser dados aos borbotões e não caberiam em uma biblioteca. O pior governo da nossa história, e o mais rejeitado, não ficaria de pé um minuto a mais não fosse a sua contemporaneidade com a pior imprensa que já existiu por estas plagas.
Por fim, duas coisas ainda nos deixam consternados. A primeira é a deficiência cognitiva (na hipótese benigna) das pessoas que ainda acreditam que a grande mídia brasileira faz oposição ao “governo popular”.
A outra coisa é que esses jornais promovem um imenso desperdício de papel sob a desculpa do jornalismo. Seriam mais úteis se enviassem todo esse material para a Venezuela, onde faltam itens básicos de higiene pessoal.
Com o economista Reinaldo Bedim
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