Um arquiteto pelos negócios do Centro
Caçador dos melhores pontos do Centro paulistano, como o Bar Sertó, Herbert Holdefer (na foto) tenta atrair empresários para a região a fim de transformá-la num vibrante polo gastronômico
Pinheiros, Itaim, Vila Madalena e outros bairros paulistanos carregam a fama de reunir os melhores e mais descolados restaurantes de São Paulo, mas isso pode estar mudando. Cheio de novidades, o Centro da cidade vem se firmando como um importante ponto gastronômico de São Paulo.
Estabelecimentos, como o Bar da Dona Onça, Casa do Porco, Z Deli e Esther Rooftop acumulam filas de mais de duas horas de espera e atraem clientes que até então, tinham os negócios de Higienópolis como um limitante geográfico na cidade.
Muita coisa nova também tem surgido pelas ruas da Vila Buarque, Santa Cecília, República e Sé - e isso não é exatamente, uma coincidência. Assim como os inúmeros projetos de revitalização, há também muita gente engajada em fazer o principal trecho histórico da cidade dar certo.
Iniciativas como as dos chefs Olivier Anquier e do casal Jefferson e Janaína Rueda, proprietários dos restaurantes mais disputados, têm gerado mais impacto na região do que muitos gestos do poder público. Hoje, eles dividem a cena gastronômica com imigrantes, como o Riconcito Peruano e estabelecimentos tradicionais que resistiram à decadência da região, como o La Casserole, Terraço Itália, O Gato Que Ri e Almanara.
Portanto, pode-se dizer que a gastronomia é uma ferramenta de peso no processo de transformação do Centro? Figura conhecida na região, o arquiteto Herbert Holdefer, afirma que sim.
Autor dos projetos arquitetônicos de alguns dos bares e restaurantes mais famosos que abriram na região nos últimos tempos, como a Casa do Porco e o Esther Rooftop, Holdefer é um entusiasta da recuperação do Centro a partir de novos negócios.
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Sua experiência com projetos de varejo começou em 2012, quando um amigo o indicou para acompanhar a construção da primeira loja da Lavazza em São Paulo, uma rede italiana de cafeterias, que não vingou na capital.
Holdefer conta que nos estudos desenvolvidos, o franqueado se decidiu por um espaço de 270 metros quadrados na Alameda Santos, nos Jardins. A inauguração aconteceu bem no período de crise e alguns problemas com a franqueadora deram fim ao negócio.
Ali, diz ter aprendido que quando se trata de um comércio, o trabalho arquitetônico é quase um detalhe, pois antes de literalmente desenhar cada estabelecimento, é preciso pensar em um conceito, garimpar um bom ponto de venda, e passar por todo um processo de convencimento com os empresários que invariavelmente sonham com grandes imóveis nos bairros mais badalados.
Hoje, ele se dedica a formatar negócios em espaços menores e quase sempre localizados no Centro. São muitas as razões. Um imóvel menor gera menos custos, passa a impressão de estar sempre lotado, dá a sensação de aconchego, demanda menos funcionários.
A estratégia tem funcionado. Empresários que o contrataram têm alcançado êxito com essa fórmula. É o caso da hamburgueria Holy Burguer, a pizzaria Fôrno, o restaurante e bar Sertó e o Modernista Coffe Stories, que combina café com paisagismo -todos localizados no Centro de São Paulo.
Nas palavras de Holdefer, a diversidade do Centro é a principal sacada dos empresários que investem na região. Ter um negócio no bairro é uma decisão assertiva pelo volume de clientes, oferta de imóveis e ainda pode sair pela metade do preço.
Em entrevista ao Diário do Comércio, o arquiteto conta como esses novos restaurantes têm conseguido atrair gente de outros pontos da cidade, que não tinham uma boa relação com o Centro e o papel de seu trabalho nesse movimento.
Você deu cara aos bares e restaurantes mais badalados do Centro. Como você construiu essa relação com a região?
Eu não tinha o hábito de visitar o Centro. Tudo começou há uns seis anos com o Holy Burguer, uma hamburgueria aberta por um amigo. Ele me pediu para projetar um imóvel de 300 metros quadrados na Pompeia. Logo de cara, costumo perguntar se há investimento suficiente para uma reforma desse porte e público para lotar um estabelecimento desse tamanho. A outra opção era um ponto na Vila Buarque com 67 metros quadrados, o nosso escolhido. Por sorte, o chef Jefferson Rueda fazia academia por ali e acompanhou toda a evolução da obra. Naquela mesma época, ele estava saindo do Attimo (restaurante italiano), se preparando para abrir a Casa do Porco, também no Centro e me chamou para fazer o projeto.
Com esses dois casos aprendi muito sobre ponto de venda, metragem, layout, desenvolvimento de conceito e branding. Percebi também o potencial do Centro, sua vida noturna e a importância desses restaurantes para a revitalização da região. De lá pra cá, nosso escritório vai além da arquitetura e age praticamente como um consultor de varejo. Também tento trazer o máximo de negócios para o Centro.
E o que você acredita que está estimulando a abertura desses novos negócios?
Sempre vi o Centro como um ponto de referência da gastronomia, entretanto, pouco valorizado. A abertura da Casa do Porco, na minha opinião, foi a grande virada gastronômica da região. Ver um chef, como o Jefferson sair da Vila Nova Conceição e investir num ponto totalmente diferente deve ter mexido com a cabeça de muita gente. O trabalho da Janaína Rueda com o Bar da Dona Onça também é louvável. O casal tem um público próprio e realmente movimenta a população e os turistas até o Centro – eles conseguem harmonizar um conceito popular e comercial à alta gastronomia e por um preço que não é caro.
Além disso, temos outros restaurantes que não fazemos ideia que existem. Há pouco tempo descobri o Carlino, um italiano de 1880, em frente ao Hot Pork, que não tem divulgação nenhuma e é maravilhoso.
E na captação de novos negócios para o Centro, os prédios históricos ajudam ou atrapalham?
Os prédios ajudam, mas a burocracia atrapalha. O empresário tem de querer muito porque lidar com prédios tombados é um pesadelo. O prédio do Sertó é do Osvaldo Bratke, um projeto da década de 1930. O Esther Rooftop também, que na época já foi pensado para ter uso misto. Acho um verdadeiro prazer para qualquer comerciante estar instalado em um desses ícones e é muito fácil adaptá-los aos negócios de hoje. Por outro lado, é um inferno. No Esther, por exemplo, os trâmites com o Condephaat levaram oito meses, mesmo o imóvel sendo próprio. Isso desanima qualquer empresário. É muito tempo parado, sem movimentar a obra e pagando aluguel. Incentivar alguém a ir pro centro já é difícil, num prédio tombado é uma verdadeira missão. As pessoas geralmente fogem. Por isso, desenvolvemos o conceito em até 45 dias e criamos projetos de execução rápida – entre dois e três meses, diferente da maioria que pode levar até dois anos para ser executado.
Você citou os negócios dos Rueda como um marco. O que mais precisa acontecer para o Centro finalmente ser revitalizado?
Já vejo muita coisa acontecendo. A criação de um bar no subsolo do Theatro Municipal, como o Bar dos Arcos é uma vitória. O sucesso do Esther Rooftop, a abertura do Café Farol, no antigo prédio do Banespa, o uso comercial do terraço do Edifício Martinelli. Tem muita coisa surgindo, estou conduzindo mais quatro projetos que serão abertos em breve. E ainda acredito numa profunda transformação da região com a criação do Parque Minhocão –melhor ainda seria se aquele espaço tivesse uma parte de uso comercial, não só para trazer público como para garantir cuidados. Imagina um bar lá em cima? Acho que o Centro também tem um papel lúdico em qualquer cidade, por isso acredito num resgate. Os grandes centros do mundo são bem preservados, com calçadões vivos por onde passam bondes e trólebus, poderíamos explorar bem nossos calçadões resgatando nossa história. E a sociedade também tem seu papel, de ocupar, reconhecer e valorizar.
Como é sugerir o Centro para empresários que têm outros bairros em mente?
Hoje já consigo entender o que funciona para cada lugar. Portanto, desenvolvo conceitos e vendo isso. O Centro, seguramente, é um lugar onde muita coisa funciona. Esse já é um bom argumento. A diversidade, a localização, os prédios históricos, o clima despojado, porém tradicional, acolhe muito bem vários modelos de negócios. Mas certamente é um tabu, as pessoas ainda reclamam da falta de segurança e não tentam entender o bairro. Não veem que aqui (Centro) tem os mesmos problemas do Morumbi, por exemplo. Particularmente, acho que esse é nosso maior impeditivo porque a região central tem alugueis bem mais baratos, imóveis mais interessante e não faltam clientes.
Estou revitalizando algumas unidades do Quintal do Espeto, instaladas em bairros distantes. São grandes casarões de até 1,5 mil metros quadrados. E um dos sócios se interessou por um projeto que desenvolvi, do Café Modernista. Até então, ele não tinha tido nenhuma experiência no Centro e nem pensava em abrir algo na região. Ao mesmo tempo fui procurado pelos sócios do Sertó Bar, que já tinha uma locação quase fechada, um espaço de 300 metros quadrados. Achei aquilo inviável e me comprometi a encontrar outro lugar. Encontrei um de 210 metros quadrados, pertinho da Praça da República, num quadrilátero que hoje reúne nomes como A Casa do Porco, Z-Deli e Hot Pork. Naquele espaço consegui juntar o Café Modernista e o Sertó, negócios que se complementam e que os proprietários esperavam construir em outros endereços.