"Sem investimentos, crescimento não será sustentável"
Embora o clima para os negócios tenha melhorado, o empresário Antônio Carlos Pipponzi, presidente do IDV e do conselho de administração da rede Raia Drogasil, diz que há desafios pela frente, como as reformas tributária e da Previdência
A queda da inflação e dos juros e a reforma trabalhista desencadearam um clima de otimismo em relação à economia e aos negócios nas maiores redes de varejo do país.
Reunidos no IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), controladores e executivos que representam 75 logomarcas como Riachuelo, Renner, Magazine Luiza e Boticário, entendem que a crise ainda não acabou.
Mas afirmam ter certeza de que o momento que a economia e os negócios vivenciam no segundo semestre de 2017 é bem diferente, no sentido positivo ante o cenário de um ano e meio atrás.
“O poder aquisitivo da população voltou a subir, e a reforma trabalhista foi um aceno para que as empresas possam melhorar os custos no futuro”, afirma Antônio Carlos Pipponzi, presidente do IDV e do conselho de administração da Raia Drogasil. “Com o aceno de outras reformas, como a tributária e a previdenciária, a confiança melhora, os investimentos retomam. O empresário vê o entorno.”
Pipponzi compartilha com economistas renomados a ideia de que a retomada do crescimento do país se dará pelo consumo. Mas, segundo afirma, há um limite.
“O país pode crescer pelo consumo por conta da queda da inflação. Mas se não houver investimentos em infraestrutura e das indústrias, esse crescimento não será sustentável.”
O mercado está agindo com mais otimismo, a seu ver, porque o front econômico está funcionando. Os empresários estão olhando menos para o lado político. Há um descolamento.
Alguma turbulência política poderá vir e incomodar no início do processo eleitoral, em 2018, caso alguns candidatos radicais, diz ele, comecem a sair na frente das pesquisas.
“Mas isso será só no início do processo. Não acredito que o país seja capaz de eleger alguém de esquerda ou de direita. Os brasileiros querem alguém novo, compromissado com o país.”
Leia a seguir, os principais trechos da entrevista com Antônio Carlos Pipponzi.
IMPACTO DA CRISE
Todas as vezes que nos reunimos em torno de uma mesa com representantes de 40 das maiores redes de varejo escuto da maioria deles que as empresas continuam crescendo e investindo.
É óbvio que algumas redes colocaram o pé no freio mais do que outras. Mas, ainda assim, com raras exceções, não deixaram de crescer.
Isso porque elas sempre tiveram um olhar de longo prazo. São empresas construídas com bases sólidas. Quando chega uma crise, estão mais preparadas.
O último dado disponível informa um crescimento médio de 2% nos próximos dois meses e de 4% nos meses seguintes. Mas ainda estamos nos preparando para ter números mais consistentes dos associados.
CRISE POLÍTICA
A crise política respinga nos negócios quando bate na gestão econômica.
Quando a economia mostra sinais positivos, como agora, o mercado aposta que é possível separar a crise econômica da crise política. Já vi muitos cientistas dizerem que não, que não dá para separar.
Mas, nesta semana, a Bolsa bateu recorde, o desemprego dá sinais leves de queda, e o que levou a isso é a boa condição da politica econômica.
Por mais que o governo Temer esteja em xeque do ponto de vista das pessoas, sucede que, de outro lado, há uma equipe econômica que tem mostrado resultado.
Quando se fala no ano que vem, tudo vai depender do processo eleitoral, mas não acredito que vai ter espaço para radicalismos.
DESAFIOS
Os principais desafios para o varejo estão focados nas reformas.
O sistema tributário do Brasil é caótico, acarreta custos elevados de processamento de impostos, e logísticas completamente irracionais, com centro de distribuição em Pernambuco para abastecer o Pará, por exemplo.
Se a rede não tiver um centro de distribuição em tal lugar, não consegue competir com outra.
Então, a reforma tributária e a redução do intervencionismo do governo na economia são expectativas que podem injetar uma dose de otimismo nos empresários e trazer mais competitividade para o varejo.
Isso falando do ponto de vista macro. Agora, do ponto de vista micro, os desafios são olhar para o longo prazo: o varejo é feito de pessoas, plataforma e processos.
Cada empresa precisa desenvolver sua estratégia e jogar o jogo de acordo com a sua vocação.
As empresas que ganham com a crise, e muitas ganham, são aquelas que sempre se preparam e, no momento em que algumas estão correndo atrás de crédito, demitindo pessoas, cortando custos, elas estão fortalecidas, pois já fizeram a lição de casa.
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INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS
Acredito que vão voltar para o Brasil. Os investidores olham muito o cenário macroeconômico.
É lógico que esse cenário ainda está um tanto quanto incompleto. Eles veem que a Bolsa está subindo. Mas poderão vir mais acelerado para o país com a estabilidade política.
O Brasil ainda leva muita vantagem competitiva porque tem uma democracia que funciona, com os três poderes independentes, com polícia independente, imprensa livre.
E isso não acontece em outros países. Na China, na Rússia, na Índia e na Indonésia não é assim. Todo mundo torce para o Brasil se ajustar.
O Brasil tem uma crise ética e essa crise ética não está só no governo, está nas pessoas, nos pequenos delitos cometidos, nas pequenas fraudes, impregnados na sociedade.
Algumas pessoas dizem que querem ir embora do Brasil por conta da crise. Agora, o que essas pessoas fizeram para o Brasil ser diferente? Mandar piadinha no WhatsApp não adianta.
FARMÁCIAS E DROGARIAS
A Raia Drogasil é líder no mercado brasileiro, com valor de mercado de R$ 25 bilhões. A norte-americana CVS, que está no Brasil com a Onofre, tem valor de mercado de mais de US$ 100 bilhões.
É a única estrangeira a atuar neste setor. Não é fácil para um estrangeiro competir no Brasil. O saxônico tem mais dificuldade que o latino para se adaptar às questões culturais, devido à visão mais retilínea, racional.
A Walgreens, concorrente da CVS nos Estados Unidos, se for ver o que aconteceu com a CVS no Brasil, apostaria que não teria apetite para entrar aqui de imediato por conta de reformas que ainda precisam ser feitas e do ambiente regulatório para o setor de medicamentos.
O mercado brasileiro não é mais para amadores. A primeira pergunta que se faz para quem quer abrir um negócio é a seguinte: qualquer um pode fazer isso que eu vou vender? O que eu posso fazer melhor do que os outros?
Se for abrir uma loja para vender pastel, qual a barreira de entrada? É importante saber fazer bem o que se propõe e se haverá minimamente dificuldade para outra empresa ou pessoa fazer o que se propõe.
Agora, para quem já está no jogo, tem que ter uma mão no caixa e um olhar na estratégia.
FUSÃO COM A DROGASIL
A Raia foi fundada em 1905 pelo meu avô João Batista Raia, por parte da minha mãe, com o nome Pharmacia Raia. Outras lojas surgiram depois com o nome Drogapan.
Com a entrada da segunda geração no negócio, a rede, que chegou a ter 14 lojas, acabou diminuindo para sete porque os irmãos do meu pai não quiseram ficar com o negocio.
No final da década de 70, quanto entrei, tínhamos sete lojas. A rede virou Droga Raia em 1982, com a abertura de uma loja na Rua Augusta, a décima da rede.
Em vez de desistir do negócio com as crises que surgiam, procuramos ganhar competitividade. Na década de 90 estávamos entre as top 3 do setor, com a São Paulo em primeiro lugar, nós em segundo e a Pacheco em terceiro.
Não é porque você é pequeno que não pode pensar grande.
Quando fizemos a fusão com a Drogasil cada uma tinha aproximadamente 350 lojas. A Raia viveu a sua crise nas décadas de 60 e 70 e a Drogasil, nos anos 80 e 90, com crise de gestão e modelo.
A Drogasil abriu o capital primeiro e, depois, a Raia, na metade de 2004, e seis meses depois fizemos a fusão. Quando fizemos a fusão as duas empresas, juntas, valiam R$ 3,6 bilhões. Hoje, o valor de mercado é de R$ 25 bilhões.
Na época, falava-se que numa boa fusão dois mais dois dava cinco. No primeiro ano de fusão dois mais dois estava dando três e meio, menos que a soma das partes.
Numa fusão, é preciso ter paciência, entender o choque cultural, escolher bem as pessoas, as plataformas. É preciso entender que na fusão tem primeiro que perder para deposi ganhar. Não dá para se afobar, tem que unficar CNPJs, se não cada um faz de um jeito e isso não dá certo.
MAGAZINE LUIZA
O caso do Magazine Luíza, com ações em Bolsa que valorizaram quase 400% neste ano, é bastante específico. É resultado de planejamento estratégico, de combinar varejo físico com virtual, sempre olhando para o futuro.
Não existe nada que se consiga no curto prazo.
A Luiza Helena Trajano teve o privilégio de fazer uma sucessão muito bem feita. O resultado da rede é consequência de um trabalho muito bem fundamentado, com olhar no futuro.
FOTO: Edilson Rodrigues/Agência Senado