Onde estão as novas oportunidades no mercado de alimentos?
A resposta se encontra nas tendências agora impostas pelos consumidores, que desejam produtos saudáveis, convenientes, prazerosos e com origem conhecida
Sediada em Avignon, uma das mais belas cidades do sul da França, a Naturex, fabricante de ingredientes naturais, escolheu o Brasil, em 2002, para expandir os seus negócios. Quando ergueu sua fábrica, em Manaus (AM), seus executivos talvez não imaginassem que, em 13 anos, conseguiria elevar o faturamento da empresa, anualmente, entre 20% e 30%, mesmo nos períodos de fraca atividade econômica.
Com receita mundial de US$ 450 milhões --dos quais R$ 70 milhões obtidos no Brasil--, a maior produtora mundial de antioxidantes naturais, como o extrato de alecrim, escapou dos efeitos de crises porque atua em um segmento de mercado que, por determinação do próprio consumidor, só tende a crescer. No caso, ingredientes que tornam os alimentos mais saudáveis.
Os antioxidantes são ingredientes utilizados, principalmente, pela indústria de alimentos e de bebidas para preservar a vida dos produtos, como pães, massas e biscoitos. No Brasil, a maioria das indústrias ainda utiliza em larga escala antioxidantes sintéticos, feitos com base em derivados de petróleo --banidos no Japão desde 1958, e nos Estados Unidos, já proibidos nos alimentos infantis.
O caso da Naturex é apenas um exemplo de como os hábitos e os desejos de consumidores estão criando novas oportunidades. “O mercado cresce porque o consumidor está cada vez mais consciente em relação à qualidade e à origem dos alimentos. Ele quer produtos com rótulos de ingredientes naturais, sem agressão à natureza”, afirma Guillaume Levade, diretor da Naturex para a América Latina e que possui 17 fábricas espalhadas pelo mundo.
As estatísticas dão razão a Levade. De 2014 a 2019, o mercado de alimentos industrializados que possuem alguma adição ou alteração na fórmula com a intenção de melhorar a saúde e o bem estar dos consumidores deve crescer mais no Brasil (37,7%) do que no mundo (19,9%), de acordo com levantamento da Euromonitor. O mercado mundial deve chegar a US$ 923,5 bilhões e o brasileiro, a US$ 47,8 bilhões, em 2019.
“Para nós, o potencial de negócios no Brasil é gigantesco”, afirma Levade. Gigantesco porque, no caso do Brasil, entre 80% e 90% dos antioxidantes utilizados nos alimentos ainda são sintéticos. Em outros mercados, como o europeu, por exemplo, ocorre o oposto: 80% das indústrias já usam antioxidantes naturais nos alimentos.
Identificar hábitos e aspirações não é tarefa fácil. Quando se trata de alimentos, em um dos maiores mercados do mundo - no caso, o Brasil -, qualquer pista é valiosa. Algumas delas estão reunidas em extenso documento elaborado pelo Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos), intitulado Brasil Food Trends 2020.
Com base em nove estudos realizados na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, o instituto revela quais são as tendências para o consumo de alimentos até 2020. É quase uma unanimidade nesses estudos que os alimentos do futuro precisam estar cada vez mais relacionados com sensorialidade e prazer, saudabilidade e bem-estar, conveniência e praticidade, confiabilidade e qualidade e sustentabilidade e ética.
Os estudos são preciosos para o Brasil, segundo o Ital, porque foram realizados em mercados com os quais o país possui fluxo comercial e cultural. Além disso, como há várias empresas do setor com atuação global, acredita-se que as tendências estão ou estarão sendo traduzidas nos hábitos de consumo da população brasileira.
“O consumidor já está convencido de que a saúde melhora com uma boa alimentação. E a indústria precisa estar orientada para fabricar alimentos considerando essas características”, afirma Luis Madi, presidente do Ital.
E demanda não deve faltar. Mesmo considerando os ajustes que deverão ser feitos na economia, o mercado de alimentos processados no Brasil deve crescer 22,2% anuais, acima da média mundial, de 12,6%, de acordo com a Euromonitor. Traduzindo em cifras, isso significa US$ 143,7 bilhões no Brasil e US$ 2,65 trilhões no planeta.
ALIMENTOS QUE DÃO PRAZER
A Lapiendrius, especializada na produção de aromas para sucos, sorvetes, balas e biscoitos, decidiu apostar exatamente em um negócio que ajuda as indústrias de alimentos a dar prazer para o consumidor, como sugere o documento do Ital.
Tente imaginar o aroma ao abrir uma embalagem de trufa da Cacau Show. Conseguiu? O “cheirinho” é produzido pela Lapiendrius, que faz parte de um grupo, com faturamento da ordem de R$ 8 milhões por mês, também produtor de fragrâncias e essências para a indústria de alimentos e cosméticos.
Nos últimos cinco anos, o faturamento da Lapiendrius tem crescido entre 10% e 15% ao ano, com expectativa de aumentar mais 25% em 2015. Nem mesmo a competição com as maiores fabricantes de aromas e fragrâncias do mundo, como a Givaudan e a Firmenich, da Suíça, a Symrise, da Alemanha e a Iff, dos Estados Unidos, atemoriza a brasileira. “Em todo alimento vai aroma (forma líquida ou em pó) e nosso setor está crescendo significativamente”, afirma Mário Andrade, sócio da Lapiendrius.
O prazer passa a ser cada vez mais importante na escolha dos alimentos e isso coloca desafios para as indústrias, como afirma Raul Amaral Rego, coordenador da plataforma de inovação tecnológica do Ital. “O fato é que ocorreu no Brasil um fenômeno da premiumrização da massa e as indústrias devem aproveitar essas oportunidades”, diz.
A expansão da classe C abriu um mercado gigantesco no país para a oferta de produtos prazerosos. Além de se alimentar, uma necessidade básica, o brasileiro quer sorver um suco de caixinha e saborear doces por mero prazer.
Um dos mercados mais promissores no setor de alimentos, na avaliação do Ital, é o de conveniência. “Existe uma grande oportunidade para as empresas que se disponham a produzir alimentos prontos ou semi-prontos, ainda considerados quebra-galho pela dona de casa, que se aproximem daqueles feitos em casa”, diz Rego.
Um produto que exemplifica bem o que o consumidor quer, segundo ele, é o “Frango Fácil” da Sadia, marca da BRF. As coxas de frango, já temperadas e congeladas, são acondicionadas em sacos plásticos que podem ser levados diretamente ao forno. “Isso é exatamente o que chamamos de linha de produtos convenientes”, afirma Rego.
Seguindo a tendência de aumentar a linha de produtos convenientes, com maior valor agregado, a BRF decidiu ainda investir R$ 70 milhões em uma nova fábrica em Tatuí, no interior paulista, para a produção de frios fatiados, a linha “Soltíssimo Sadia”. Pela primeira vez, a companhia mantém uma planta operando conforme a demanda da rede varejista.
Em uma primeira fase, a BRF estima produzir 12 mil toneladas por dia entre presunto, mortadela e queijo em fatias embaladas a vácuo uma a uma. “Com esta linha, garantimos a qualidade e a segurança dos frios, evitando a manipulação nos cortes, feitos manualmente, e passamos a atender diretamente os clientes nos pontos de venda”, afirma Marcos Jank, diretor global de assuntos corporativos da BRF.
A produção e a logística para entrega desses produtos estão organizadas para permitir que, em dois dias, o produto esteja disponível para o consumidor. O projeto servirá como experiência para que outras linhas de produtos passem a seguir o mesmo modelo.
Assim como a BRF, outras indústrias planejam investimentos em modernização e construção de novas unidades até 2019. Deverão consumir cerca de R$ 49 bilhões, de acordo com estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Isso quer dizer que, por ano, as indústrias devem desembolsar, no período, pouco mais de R$ 12 bilhões, quase R$ 1 bilhão a mais do que investiram em 2012, segundo informações da Abia (associação dos fabricantes de alimentos). Os setores de carnes, grãos e laticínios é que devem liderar esses investimentos.
“A indústria de alimentos veio de uma década de crescimento forte para atender os mercados interno e externo. A tendência é de desaceleração, mas com crescimento”, afirma João Paulo de Oliveira Pereira, economista do Departamento de Agroindústria da Área Agropecuária e de Inclusão Social do BNDES.
Uma das empresas que acaba de anunciar investimentos em nova fábrica é a Piraquê, fabricante de biscoitos. Com financiamento de R$ 88 milhões já aprovado pelo BNDES, a empresa vai erguer uma nova fábrica no município de Queimados, no Rio de Janeiro, para a produção de 3 mil toneladas/mês. Os recursos do BNDES correspondem a 42% total de investimentos previstos pela companhia.
Com a ascensão da classe C, a indústria de biscoitos foi compelida a aumentar a produção, além de “premiumrizar” suas linhas. O Brasil já se tornou o maior vendedor mundial de biscoitos, de acordo com dados da Associação Brasileira de Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi).
Estima-se que esse produto esteja presente em 99% dos lares brasileiros, com consumo per capita em torno de 6kg/ano. No ano passado, 1,2 milhão de toneladas de biscoitos foram produzidas no Brasil, 2% a mais do que em 2013.
Os fabricantes de iogurtes também seguiram o mesmo caminho. Nos últimos anos, a Danone e a Vigor acabaram investindo em linhas consideradas benéficas à saúde. O iogurte grego da Vigor é um exemplo para quem busca produto com taxa zero de gordura.
FIDELIZAÇÃO DE FORNECEDORES
Nesse movimento, a indústria avançou também na fidelização dos fornecedores, com o objetivo de torná-los mais qualificados e eficientes.
Atrás de marcas tradicionais e consolidadas, com forte presença no país e no exterior, se aninham milhares de produtores rurais, fornecedores de insumos, prestadores de serviços, pequenos negócios e empreendedores, que crescem com a expansão de grandes companhias.
Antônio José Maldaner, produtor rural de Pinhalzinho, em Santa Catarina, é um exemplo típico. Sua propriedade foi preparada para entregar toda a produção de aves, suínos e leite para a Aurora, a maior cooperativa de alimentos do Brasil: são 30 mil aves a cada 60 dias, 400 suínos a cada quatro meses e 12 mil litros de leite por mês.
“Não vejo crise no nosso setor. Eu já consegui até viajar para fora do Brasil”, diz Maldaner. “Neste ano, estamos investindo para aumentar a produtividade e melhorar a qualidade da produção de frango e leite”, afirma Roque Both, outro produtor catarinense que trabalha para a Aurora.
“Quando se fala da cooperativa Aurora e de suas cooperativas filiadas, falamos de um negócio com faturamento de R$ 12 bilhões por ano, que envolve 70 mil famílias que atuam na produção de frangos, suínos com alta tecnologia, com sustentabilidade e qualidade de vida”, diz José Luiz Tejon, professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e conselheiro do Conselho Científico para a Agricultura Sustentável.
Os novos hábitos e aspirações dos consumidores, segundo afirma, tiveram impacto também no campo. Mesmo sendo pequeno, com uma área de três a quatro hectares, o produtor rural tem de ter tecnologia, como câmeras de preservação de sementes, refrigeração, computador.
Trabalhar para grandes cooperativas ou companhias é um negócio bem-sucedido. A Top Cau, fabricante de chocolates, instalada no bairro do Pari, em São Paulo, por exemplo, dedica 30% da sua produção de mais de dez itens para duas grandes indústrias de chocolates. E, a pedido desses grandes clientes, a empresa está investindo este ano em novos equipamentos para produzir outras linhas de produtos, além do chocolate.
Para conquistar a confiança das gigantes, a Top Cau correu atrás para cumprir exigências para obter a ISO 22000, a primeira norma internacional para implantação de um Sistema de Gestão da Segurança de Alimentos. Hoje, considera-se preparada para atender demanda para fabricação de vários produtos. “Para nós, neste momento, não há sinais de crise”, diz Rodrigo Alvarenga, gerente comercial da TopCau.