Lojistas do Bom Retiro se unem e cortam preços em até 80%
Campanha para liquidar estoques de inverno, que começa neste fim de semana, vai abrir calendário de eventos do comércio do bairro, que enfrenta a maior queda de vendas de sua história
Pela primeira vez na história do bairro do Bom Retiro, considerado um dos polos de moda mais importantes do país, lojistas decidiram se unir para enfrentar a crise.
Em pleno inverno, a partir deste final desta semana, entre 350 e 500 lojas, de um total de 1,2 mil, devem aderir à campanha Liquida Bom Retiro, uma tentativa de atrair mais consumidores para a região.
Os descontos das peças de inverno devem chegar a 80%, e se estender até o final do mês.
“É um esforço conjunto para desovar os estoques, capitalizar os lojistas, para que possam se preparar para o lançamento da coleção primavera-verão”, afirma Nelson Tranquez, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro.
O saque de quase R$ 40 bilhões das contas inativas do FGTS e a queda da inflação e dos juros deram gás ao comércio do bairro no primeiro semestre.
De janeiro até a metade do mês de maio, as lojas vinham registrando crescimento nas vendas pouco acima de 10%, em média, em relação a igual período do ano passado.
“Ia tudo bem, os lojistas falavam até em retomada. Com as delações dos irmãos Batista (donos da JBS), que envolvem o presidente Michel Temer, o consumo voltou a cair, e não reagiu até agora”, afirma Tranquez.
A ideia de realizar a campanha surgiu, recentemente, em uma reunião de um grupo de comerciantes, já saudosos de ver as lojas lotadas e os carros disputando vagas nas ruas.
A partir de agora, o comércio adotará um calendário regular de eventos, organizado pela CDL, na tentativa de recuperar pelo menos uma parte da clientela que sumiu do Bom Retiro.
Os meses de inverno sempre foram importantes para os comerciantes da região. É uma época em que eles reforçam o caixa com as vendas de peças mais pesadas e caras, para lojistas de todo o país e consumidores. As promoções só despontavam em agosto.
Nos últimos dois anos, as vendas de vestuário de inverno foram as mais fracas da história. No ano passado, algumas confecções do bairro nem chegaram a produzir artigos para a estação, temendo encalhes.
Além da crise, os lojistas enfrentam forte concorrência das lojas de departamentos, que avançam em participação de mercado.
Nos últimos três anos, as lojas de departamentos especializadas em roupas, como Renner, Riachuelo, C&A e Casas Pernambucanas, ampliaram em dez pontos percentuais a preferência do público.
De cada cem consumidores, 34 já optam por comprar roupas em lojas de departamentos, de acordo com recente pesquisa feita pelo IEMI, consultoria especializada no setor têxtil, com a participação de cerca de 1.600 consumidores.
A crise e a concorrência acertaram em cheio a região. Até o dia 9 de maio, último levantamento feito pela CDL, havia 64 lojas fechadas nas ruas principais do bairro.
Na rua da Graça havia 19 lojas fechadas ante 12 na José Paulino e Silva Pinto, 9 na Ribeiro de Lima e na rua dos Italianos.
No período anterior à recessão era difícil encontrar um ponto comercial vago nessas ruas e muitos deles só eram locados mediante o pagamento de luvas.
De acordo com levantamento da CDL, o faturamento médio das lojas do bairro caiu pouco mais de 20% em 2015 em relação a 2014 e entre 10% e 15% em 2016 sobre 2015. Em dois anos, a queda média de oscilou entre 25% a 30%.
“É demais. Muitas confecções e lojas da região não sobreviveram. E as que estão em pé tiveram, obrigatoriamente, de se adaptar a uma nova forma de trabalhar”, diz.
Uma das confecções mais tradicionais do bairro, a Lanesi, com 46 anos, dona da marca Ginestra, especializada em alfaiataria feminina, cortou despesas, renegociou preços de locação e de matérias primas e reduziu funcionários para enfrentar a recessão.
Christos A. Kritselis, sócio-proprietário da confecção, com duas lojas de atacado no bairro e uma de varejo, na Alameda Lorena, nos Jardins, diz que pelo menos 30% dos lojistas que compravam na confecção, de um total de 1.500, sumiram com a crise.
No ano passado, diz ele, o faturamento da Lanise caiu cerca de 20%, considerando a inflação no período. “Estamos mantendo o tamanho da coleção, com 200 modelos, mas cortando os volumes de algumas peças.”
Há mais de 30 anos no bairro, a confecção Aqua, com duas lojas no Bom Retiro, viu o faturamento cair pela metade nos últimos dois anos e chegou a trabalhar alguns meses com prejuízo.
“As vendas não já estavam muito boas, e o episódio da JBS deixou os clientes ainda mais assustados por conta da grave crise política que o país enfrenta”, afirma Rafael Yu, sócio proprietário da confecção, que vende para lojistas e consumidores.
Na campanha que começa esta semana, a Aqua vai reduzir preços de alguns produtos em até 70%. Jaquetas estampadas que custam R$ 80 vão sair por R$ 50, uma redução de quase 40%.
Na terça-feira (04/07), uma loja que chamava a atenção dos consumidores na rua José Paulino era a Ângela Modas, especializada em casacos.
O frio dos últimos dias fez crescer as vendas em 40%. Elizangela Costa, gerente da Ângela Modas, diz que, ainda assim, as vendas são 50% inferiores às de dois anos atrás.
Para chamar a atenção da clientela, na frente da loja, estavam expostos os casacos em promoção, que custam R$ 250 e R$ 300. Mais para o fundo, as peças mais caras, de R$ 700, que podem ser pagas em até seis vezes com cartão de crédito.
BRÁS
No Brás, onde também se concentra um importante polo de modas do país, especialmente de jeans, as confecções também estão encolhendo por conta da queda de poder aquisitivo dos consumidores.
Com 15 anos no bairro, a confecção Lupepper Jeans, que atende o atacado e o varejo, fechou recentemente uma loja na rua Silva Telles e duas no shopping Tucuruvi.
No auge de vendas, a loja da Rua Silva Teles, com cerca de 100 metros quadrados, chegou a empregar 12 pessoas e as duas lojas no shopping Tucuruvi, 8 pessoas.
“A loja da Silva Teles fechou por conta da crise e porque o bairro, na região onde estava, deteriorou muito e as do shopping, porque as vendas caíram”, diz Lauro Pimenta, sócio-proprietário da Lupepper Jeans.
Os lojistas de todo o país que comparavam R$ 30 mil em peças da confecção, segundo afirma, agora compram entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.
Apesar da crise política, diz ele, a sensação é que a pior fase para o lojista já passou. Mas para que as vendas voltem a atingir os níveis de 2012 e 2013, vai levar tempo e demandar grandes esforços.
No Bom Retiro, a campanha de redução de preços em pleno inverno pretende lembrar os clientes de que o bairro continua sendo um importante polo de moda e que faz produtos com qualidade e preços baixos.
Luís Henrique Stockler, consultor de varejo, dá algumas dicas para os comerciantes que decidem participar de mega liquidações:
?É preciso fazer contas para verificar se a redução de preços não vai acabar levando a empresa a ter prejuízo.
?É preciso ter claro, também, o objetivo que se quer alcançar com a promoção, em valor e em volume, e estabelecer metas. O comerciante deve envolver os vendedores na ação, estabelecendo metas individuais e coletivas.
?Não se deve reduzir os preços dos produtos igualmente. O melhor é fazer em três ou quatro patamares, e escolher aqueles que serão 'bois de piranha', com altos descontos, para gerar fluxo na loja.
?Numa campanha de redução de preços, diz ele, é sempre bom o lojista envolver também os fornecedores, ficar de olho na concorrência, e cuidar da comunicação da ação, para que tenha efeito no período desejado.
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FOTOS E VÍDEO: Fátima Fernandes/ Diário do Comércio