Lições de empreendedorismo de uma artesã da cozinha
A chef Angelita Gonzaga (no destaque), dona do Arimbá, restaurante de pratos regionais, não para de empreender e agora dá workshops sobre siri
Angelita Gonzaga ganhou notoriedade como chef de cozinha do badalado restaurante Garimpos do Interior, na Zona Oeste de São Paulo, onde também era sócia e reinou absoluta até 2014.
Foi pauta de reportagens nos maiores jornais e revistas do país. Saiu da casa, mas deixou lá a sua marca, que segue intacta até hoje: a culinária das fazendas, de pratos encorpados, servida em ambiente rústico com seleção de cachaças especiais.
Mas o que ela queria mesmo era empreender, ter seu próprio negócio. Ansiava por uma carreira solo.
Abriu o Arimbá, na Vila Pompeia, na Zona Oeste paulistana. O restaurante, que funciona onde antes era um estacionamento, tem um faturamento mensal de R$ 110 mil.
Capixaba, nasceu em Vitória, no Espírito Santo, onde tem família e raízes, fez uma grande pesquisa em cidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina para montar um cardápio que reunisse as comidas tropeira e caipira.
Ela gosta de cozinhar desde quando era criança. Mas nunca sonhou fazer disso uma profissão. Adorava mesmo era pintar paredes. É uma artesã.
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Chegou a fazer faculdade de artes plásticas, mas não concluiu o curso. Trabalhou também como agente de turismo, em Natal (RN), para onde foi a convite de amigos assim que saiu do Espírito Santo. Em Natal, também abriu uma cafeteria temática.
“Era um espaço enorme, com mais de 420 metros quadrados. No andar de cima, uma exposição com mais de 75 rádios antigos. O estabelecimento era muito maior do que a cidade de Natal suportava. Fechei”, conta ela.
Sem saber o que fazer, resolveu aceitar convites de amigos mineiros e foi embora para Belo Horizonte. “Foram três anos sabáticos em BH. Fiz cursos, pesquisei muito a culinária mineira e aprendi a fazer pastel de angu”, conta.
VACA ATOLADA
Resolveu deixar Belo Horizonte e desembarcar em São Paulo. Foi morar na Vila Hamburguesa, na região da lapa, Zona Oeste de São Paulo, na casa de uma amiga. Como sempre gostou de cozinhar, ouvia os pedidos para fazer vaca atolada, uma de suas especialidades.
O prato começou a ser a grande atração do bairro. O grupo que se reunia na casa, aumentava a cada final de semana. Então, Angelita ouviu da amiga a sugestão para que começasse a cobrar pela comida.
“Comecei a cobrar pela vaca atolada servida nos fins de semana. Fiz até uma cachaçaria em um dos espaços da casa.
"Virou ponto de encontro. E não demorou muito para que as reuniões para comer a vaca atolada começassem a incomodar a vizinhança. O barulho que o pessoal fazia ficou insuportável”, relembra.
As reuniões na casa da Vila Hamburguesa ficaram tão famosas que começaram a atrair a atenção de jornalistas de emissoras de televisão como a Globo e o SBT. O convite para abrir um restaurante não demorou a surgir.
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“Arrumei uma sócia e começamos a procurar um lugar para abrir o restaurante. Encontramos uma casinha. No quintal, pés de romã, de acerola. Era tudo o que eu queria. Surgiu o Garimpos do interior. Culinária de raiz. Eu era a chef. A minha carreira deslanchou. Fui tema de entrevistas em 35 publicações”, afirma, empolgada.
A comida do Garimpos do interior, que ainda existe, no mesmo lugar, era, e é, um misto de comidas paulista e mineira.
“Cresci muito no Garimpos. Até que houve um desentendimento com a minha sócia e vendi a minha parte. Pensei: chegou a hora de abrir um negócio só meu”, recorda ela.
Era necessário primeiro colocar a cabeça no lugar. Então, Angelita Gonzaga passou um ano viajando.
“Fui para o sul do Brasil. Pesquisei a culinária tropeira. Ao contrário do que muitos pensam, a comida tropeira não existe só no Vale do Paraíba, em São Paulo. O tropeirismo no Rio Grande do Sul, no Espírito Santo e em Minas Gerais também é forte”, afirma.
Ela saiu em busca de um lugar onde pudesse abrir um restaurante com as mesmas características do Garimpos do Interior.
O forte seria a comida caipira, com apelo regional.
SURGE O ARIMBÁ
E foi em um terreno, ocupado antes por um estacionamento, na Rua Ministro Ferreira Alves, na Vila Pompéia, na Zona Oeste, que ela achou o que procurava.
“Era, na verdade, um buraco. O dono não queria alugar para mim. Achava uma loucura construir um restaurante neste lugar. Insisti tanto, que consegui o que queria. Fiquei com o terreno, mas tive de fazer muita coisa”, afirma.
Transformar um terreno cheio de imperfeições em um restaurante não foi fácil. As obras, inicialmente orçadas em R$ 400 mil, superaram os R$600 mil.
Para colocar o restaurante em pé, Angelita teve de contratar um engenheiro.
O plano inicial de fazer tudo sozinha e finalmente ter o negócio próprio, sem precisar de sócios, fracassou. Ela teve de abrir espaços para um grupo de investidores.
“Fiquei com 60 por cento do restaurante. Os outros 40 por cento ficaram com os investidores e uma sócia”, relembra.
Estava inaugurado o Arimbá, cujo nome significa pote de barro de guardar doce, restaurante de comidas regionais, que faz enorme sucesso na região.
A sociedade, no entanto, não prosperou. Os investidores resolveram bater em retirada. Venderam a parte deles para Angelita.
WALFENDA MEDIEVAL
Com o Arimbá, em pé e funcionando bem, a vocação de empreendedora de Angelita aflorou mais uma vez e ela decidiu, com um sócio, abrir o Walfenda Medieval, restaurante com uma peculiar temática medieval, decoração de teias de aranha e garçons vestidos de bruxo.
A especialidade da casa, sob o comando da chef Angelita, eram carnes preparadas no carvão e condimentadas por madeiras de árvores frutíferas.
O sucesso foi tanto, que Angelita foi convidada pela Rede Globo para fazer o cardápio para a novela Deus Salve o Rei, em 2017.
“A direção da Rede Globo ficou encantada com o restaurante. Assinei um contrato de seis meses. Fiquei com todo o dinheiro do merchandising. E ainda trabalhei como figurante”, recorda ela.
Ser celebridade por um ano e meio e aparecer diariamente no horário nobre da emissora mais vista do país, foi bom demais para ela. Mas trouxe péssimas consequências.
Angelita acabou negligenciando a administração do Arimbá. Quando percebeu, o rombo era grande.
UMA CRATERA
“Pensei, ou eu volto, ou fecho. Não era rombo, era uma cratera. Então, para salvar a casa, tive de pedir dinheiro emprestado. Estava sem capital de giro. Consegui R$ 55 mil no banco, o que deu para reerguer o restaurante”, conta.
Não teve dúvidas em aceitar a proposta de seu sócio no Walfenda Medieval. Ele ficou com a parte dela no Walfenda e ela, a dele no Arimbá.
Agora, ela garante, a casa opera no positivo.
Ao voltar, e pegar firme na parte administrativa, Angelita, que sempre se definiu como uma pessoa mais ligada às artes e avessa ao lado financeiro, teve de mudar a maneira de ser.
“Agora faço contas, fico de olho em tudo. Não foi fácil. Passei pela crise que se instalou no país a partir de 2014. A Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos, eventos esportivos que foram realizados no Brasil, mais a greve dos caminhoneiros e o impeachment da Dilma, fizeram o meu movimento despencar. Foi barra pesada”, disse.
O Arimbá, na definição de Angelita, é uma mistura de comidas caseira e regional. Ela avalia que o restaurante terá um crescimento financeiro de 30% até o final do ano.
''Bons restaurantes, como o Arimbá, renovam a fé nas coisas humanas e simples", escreveu o crítico gastronômico José Orenstein, do jornal O Estado de S.Paulo. "Autômato nenhum vai sacar o que é entrar numa casa de madeira aconchegante e sentir que se está num restaurante com alma – e, melhor, uma alma caipira. A comida, boa e de verdade, é uma resistência. O Arimbá resiste".
DELIVERY
Nos planos, a introdução do sistema de delivery. Esta é a saída para a queda do movimento que, segundo ela, prejudica não só o seu negócio, mas a maioria dos restaurantes de São Paulo.
“O medo da violência está fazendo com que as pessoas fiquem cada vez mais em casa. Ninguém quer se arriscar a sair. A insegurança é grande. Houve uma queda de movimento em torno de 40%. Por isso, vou contratar uma empresa que faça entregas por meio de um aplicativo. Vou trabalhar com uma embalagem de qualidade. O cliente em primeiro lugar. Tenho de acompanhar a tendência”, promete.
A ligação de Angelita com comidas típicas e regionais tem uma explicação. Ela é capixaba e sua família é descendente de pomeranos, alemães originários da Pomerânia, região do mar Báltico, entre as atuais Alemanha e Polônia.
“Cresci vendo a minha mãe depenar galinhas”, diz.
Angelita não para.
WORKSHOP SOBRE SIRI
No momento, o que está lhe dando mais notoriedade é o projeto mensal Saberes e comeres de uma capixaba. São workshops, onde ela aborda temas específicos da culinária caipira, que inclui até o manejo e a preparação de frutos do mar.
O siri foi o tema do primeiro encontro, realizado no final de março, no Arimbá, e que contou com a presença de jornalistas especializados em gastronomia e uma seleta clientela interessada no assunto.
Nos Estados Unidos, o siri mole é mais valorizado no mercado do que a lagosta. “Abordei a importância do siri para a comunidade da Ilha das Caieiras em Vitória, que se tornou um dos principais polos gastronômicos e a principal fonte de renda local. Dei uma aula de siri”, diz.
O menu servido no workshop teve, como entrada, salada de siri catado da Ilha das Caieiras e, como prato principal, moqueca de siri mole à moda capixaba, com arroz verde. De sobremesa, banana da terra. Bebida: vinhos.
“Sou a única chef de cozinha do Brasil especializada em siri. Não copiei ninguém”, diz. Angelita avisa que o quilo do siri custa R$150,00. O catado, sai por R$ 60,00 o quilo.
Importante: o siri passará a ser servido em breve no Arimbá.
O restaurante abre para o público de sexta a domingo, do meio-dia às 23h30min.
O próximo passo da empreendedora Angelita Gonzaga é dar workshops sobre siri e comidas típicas no You Tube.“Meus amigos me convenceram a gravar vídeos para o youtube. Estou disposta a fazer”, promete.
IMAGENS: Divulgação e Wladimir Miranda