"Franquia não é tábua de salvação", alerta especialista
A maioria das franquias é 'empurroterapia'. Por isso, avalie antes para não reclamar depois, recomenda o consultor Marcus Rizzo
Uma franqueada da rede O Boticário teve que se desligar após 30 anos devendo milhões e ter o abastecimento de suas lojas suspendido. Um grupo de ex-franqueados dos supermercados Dia abriu uma entidade para tentar combater um problema comum a todos eles: a obrigatoriedade de só comprar produtos da rede.
Mas o que pode dar errado em um setor em que o crescimento em 2015 ficou acima do PIB, e é um dos raros que vêm resistindo à crise devido ao seu modelo formatado de negócio, em que a rede é responsável por transmitir o know how necessário no dia a dia da operação?
A desinformação de alguns franqueados –inclusive no quesito gestão - e a falta de transparência de redes, que usam o formato como canal de distribuição, pode minar a relação entre as partes. É o que afirma Marcus Rizzo, sócio-fundador e consultor da Rizzo Franchise.
Para ele, de nada adianta educar o franqueador, e sim os consumidores de franquias – o lado mais fraco da relação. Mas isso está mudando: segundo Rizzo, ao longo de 30 anos, ele diz ter constatado mudança no perfil do consumidor de franquias.
“O problema ainda é encarar o franchising como tábua de salvação. Dificilmente vai dar certo", afirma. Principalmente em um momento de crise.
Na entrevista a seguir, Rizzo avalia alguns pontos dessa relação tão delicada em entrevista ao Diário do Comércio:
Até que ponto vale a pena investir a rescisão ou a poupança de uma vida inteira em uma franquia?
Vale tudo. O que eu quero dizer é que vale investir porque estou investindo em um negócio no qual eu não conheço nada, mas também estou comprando, com o meu rico dinheiro que já é curto, a curva de experiência de quem já testou um modelo. É melhor entrar num negócio que já tenha sido testado, e com sucesso comprovado, do que inventar um novo.
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Tem uma coisa de quem deveria dizer: não aceitamos pessoas que tenham experiência anterior, porque senão vamos ter uma “briga de experiências". Se você é enfermeira e acha que os procedimentos de uma rede de franquia de cuidadores não são adequados, então monte uma rede você. Investir em franquia só é bom quando alguém quer comprar know how que outro tem e você não tem.
Mas não tem mais chance de não dar certo?
Não, se você se aliar a um bom franqueador, que efetivamente transmita esse know how. E como descobrir se ele é bom? Conversando com outros franqueados, avaliando o suporte que ele dá, tipo de treinamento, se prepara ou não prepara... Porque muitas redes não fazem isso.
Um exemplo: o grande negócio de uma franquia de ortodontia é um bem bolado e muito sério esquema de vendas. Dentista entende de dente, mas não entende de vender, nem de gestão. A ideia é procurar franqueados que entendam do que fazem, sem mudar o mix da operação. A rede pode perder posicionamento de mercado, conceito de marca e até escala se cada um fizer do seu jeito.
Dá para considerar a franquia uma espécie de “oásis”, como muitos pintam?
O oásis ideal para mim pode não ser o ideal para você: eu preciso de um que tenha água, e você de que um que tenha sombra. Existe algo que o mercado de candidatos a franquia ainda não descobriu, ou não se informou, ou não teve acesso à divulgação. Há um documento, a Circular de Oferta de Franquias (COF), a respeito do qual é obrigatório por lei o franqueado ter acesso dez dias antes de assinar antes de pagar qualquer valor.
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Lá estão descritas quais as ligações que a rede mantém com fornecedores, a lista dos franqueados em operação, os que saíram nos últimos doze meses... São mecanismos para avaliar antes se vale a pena. O grande problema é quando as pessoas compram franquias de forma emocional.
Como está o mercado de franquias hoje para quem quer investir, então?
O que acontece na prática é que aqui no Brasil, estamos num estágio em que mais de 60% dos negócios oferecidos estão no que se tipifica como “franquia de marca e produto.” A característica desse tipo de negócio é que o franqueador é o principal fornecedor para o franqueado. Na maioria das vezes, o único.
Já existe uma evolução nesse tipo de franquia – a “franquia de negócio formatado”, que não fornece nada a não ser conhecimento operacional. Ou seja, a rede toda vai ao mercado negociar ou comprar insumos para a operação nas melhores condições. Geralmente essa compra em cima de fornecedores homologados pressupõe fidelidade por longos anos – por isso você vai ao Mc Donalds em qualquer lugar no mundo e encontra Coca-Cola, e nunca Pepsi.
Mas não é porque há um contrato que obriga o franqueado a comprar da marca, e sim porque os franqueados, ao longo dos anos, negociaram um “contrato de fornecimento” entre eles. Em troca da fidelidade, a Coca-Cola oferece condições que nenhum outro vai ter - a não ser a rede.
Pensando na história da franqueada de O Boticário e nos ex-franqueados do Dia, a questão é: o que segura o franqueado em uma rede e faz com que ele se dedique 100%?
A capacidade de adquirir produtos e serviços em condições que para ele, sozinho, não existiriam. Quando você olha para o mercado e vê que a maioria é de franquias de marca e produto, você verá situações como essas das redes Dia, de O Boticário ou até da Morana, no Rio de Janeiro, que fechou recentemente em um shopping importante.
Mas nesses casos, a crise também influencia ou é mais um problema de gestão, mesmo?
Esse caso da Morana tem um pouco a ver a com crise: some o consumidor, a loja diminui suas vendas e o franqueado diminui suas compras. Mas em geral, o que acontece é: o franqueador começa a exigir que elas se mantenham no mesmo nível, porque todas as suas receitas são sobre essas compras. Isso inviabiliza a operação.
Quando há um mercado com todo mundo comprando, a margem do franqueado é interessante. Mas, se não houver necessariamente crise, e sim qualquer sumiço do consumidor, mesmo assim o franqueado tem que manter o estoque alto – e sem conseguir fazer a venda. Por isso eu digo que 62% das franquias são de “empurroterapia.”
Quais os principais erros de ambas as partes que acabam prejudicando a operação?
No caso do franqueador, vou citar como exemplo de novo O Boticário. A rede nasceu como negócio de fornecimento de produtos para quem tinha loja exclusiva, orientado no alquimista que fazia e os desenvolvia. E nasceu em um momento interessante, que proibia a importação de artigos por causa da alíquota da época. Entrou em um buraco do mercado, e se expandiu.
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Mas não nasceu como franquia, e sim como indústria. Ao longo do tempo, eles conseguiram melhorar e se direcionaram mais para o varejo. Tiveram uma evolução maravilhosa, mas que não foi suficiente, porque o Boticário e todos os outros que a gente falou antes continuaram e continuam sendo vendedores de produtos para franqueados.
Então, do lado deles, chega o momento em que o franqueado por qualquer razão não vendeu legal - e não consegue aguentar aqueles custos e a obrigatoriedade de comprar produtos daquele único fornecedor.
Já pelo lado do franqueado, ele sabia e soube ao longo dos anos que esse era o modelo, e ele enquanto pode ou quis permaneceu nele por todas as razões que se pode imaginar.
Em resumo, ao longo dos anos, os problemas são exatamente os mesmos: a percepção em relação aos problemas é que muda. A rede diz que o franqueado envelheceu, o franqueador diz que a rede ficou muito grande... É da vida, é o desgaste na relação. Não é falar que é bom ou ruim, mas ver a causa e efeito, saber antes onde está entrando.
E se a franquia não dá o retorno financeiro que o franqueado prometeu? Basta encerrar o negócio e pedir o dinheiro de volta, ou tentar resolver no Tribunal de Arbitragem?
Primeiro: nenhum bom franqueador promete retorno financeiro. No mercado americano, se alguém oferecer um negócio pela lucratividade na operação, você deve imediatamente chamar a polícia. O bom promete que o franqueado vai trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. Não é “comprei agora, quero receber o retorno em 18 e 24 meses.” Que tempo de retorno, cara-pálida? A princípio, o retorno é: antes eu era empregado e infeliz. Agora vou trabalhar o dobro, mas serei feliz porque tenho um negócio próprio.
Mas o que é preciso avaliar então, já que o retorno seria uma consequência futura?
Essa questão do retorno não se discute na Justiça: só se alguma coisa foi prometida por escrito, na COF e não foi entregue. Ou outros mil problemas: seu mesmo, de gestão, de localização, de franqueador amador que não dá suporte... O que caracteriza a transparência desde o início é: mesmo que o negócio vá mal, o franqueador fica do seu lado, te orientando e ajudando a vender mais.
Existem casos de ex-franqueados que adquiriram o negócio de um vendedor, que em pouco tempo não deu certo. Comprar por intermediário pode ser uma das causas? O que mais prejudica o candidato a uma franquia?
Minha primeira recomendação é: não entre em fria. Avalie antes para não ter que reclamar depois. Peça a COF antes para estudar e não acredite em intermediários, corretores ou consultorias montadas especificamente para vender franquias. Eles me mostram as maravilhas daquele negócio, eu compro, ele recebe 80% da taxa de franquia porque eu paguei...
Os americanos, por exemplo, regularam as corretoras de franquias - que eles chamavam de sharks (tubarões). Na legislação americana, o franqueador tem que declarar na COF que se utiliza de corretores, e declarar o que ele pode ou não pode prometer. Aqui, não adianta falar “é proibido” ter um corretor: não é. Mas tem que saber usar essas ferramentas.
Como?
Essa é minha lógica: não adianta querer educar o franqueador, mas sim os consumidores de franquias, o lado mais fraco da relação. Quando comecei com esse negócio, há 30 anos, e ajudei a montar a primeira feira de franquias, fiquei apavorado porque os estandes levavam produtos, mas não mostravam o negócio da franquia. Mas ao longo do tempo fui percebendo que não é que o mercado era ruim. Foi o consumidor de franquia que melhorou.
Hoje, não precisa explicar tanto, vamos trabalhar, melhorar a relação de consumo, fazer investigação, avaliação de mercado...Toda informação está disponível. Mas tem aquele ponto: muitas pessoas encaram o franchising como tábua de salvação da vida delas. Pode até ser, mas quando faz dessa maneira, ela usa a emoção, não a razão. Dificilmente vai dar certo.
Foto de abertura: Divulgação/RizzoFranchise