Comerciantes da Florêncio de Abreu fazem pacto de criatividade
Grandes e tradicionais lojas da "rua das ferramentas", como a Casa Ferreira, enfrentam a crise com otimismo e ações estratégicas para amenizar os efeitos da "invasão chinesa"
Um pacto de criatividade foi selado por comerciantes da Rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo, para enfrentar a crise e a "invasão chinesa".
É ali que o consumidor ainda encontra todo tipo de ferramentas, máquinas, geradores de energia, lavadoras, empilhadeiras, betoneiras e produtos em geral para construção civil.
Embora sejam artigos de primeira necessidade, fundamentais na hora de fazer uma reforma em casa, ou até mesmo para quem perdeu o emprego e precisa se virar fazendo pequenas reformas na vizinhança para ganhar alguns trocados, a verdade é que o setor também sofre com a economia, que só agora começa a dar sinais de recuperação.
Basta um rápido passeio pela tradicional via que mantém firme a fama de “rua das ferramentas”, para verificar que o cenário passa por transformações radicais.
A presença de homens, mulheres e crianças de traços orientais é facilmente notada. Algumas galerias, que antes tinham seus espaços ocupados por lojas de ferramentas, hoje exibem artigos procedentes da China.
São dezenas de boxes de bijuterias, suportes para televisão, pilhas, roupas, equipamentos para celulares e centenas de outros produtos “made in China”.
Várias lojas que vendiam ferramentas e máquinas foram fechadas. Quem sai da Rua São Bento e dobra a esquina em direção à Florêncio de Abreu, nota, logo à direita, que havia uma grande loja, com quatro portas, hoje fechada e com placa de aluga-se.
Mais à frente, outros espaços que antigamente eram utilizados para vender o produto que fez da rua uma das mais importantes no conceito de “ruas temáticas”, viraram estacionamentos.
O maior atrativo para os comerciantes chineses na Rua Florêncio de Abreu é o baixo custo dos aluguéis. Bem perto dali, na Rua 25 de março, o maior shopping a céu aberto da América Latina, os espaços comerciais estão excessivamente caros.
Por exemplo, para alugar um boxe em qualquer galeria da 25, o comerciante vai ter de desembolsar em torno de R$ 20 mil mensais. Na Florêncio de Abreu, um boxe do mesmo tamanho, custa, no máximo, R$ 8 mil por mês.
FORTALECIMENTO
O quadro preocupa, mas não é motivo suficiente para desanimar grandes estabelecimentos comerciais da rua, como a Casa Ferreira, a Casa da Bóia, a Centralfer e a maior delas, a De Meo Ferramentas.
Proprietários, gerentes e funcionários destes tradicionais revendedores do ramo estão convictos de que, para sobreviver à crise e, principalmente, à invasão chinesa, terão de ser fortes.
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“Colocamos em prática várias estratégias para impulsionar as vendas. A confiança no Brasil aumentou. Investimos em treinamentos para o nosso time de funcionários, reformamos e abrimos novas lojas. A premissa é essa: onde muitos estão acomodados, nós, motivados pela confiança no País, estamos preparados para os dias melhores que virão”, afirma Gerson Eugenio e Silva, gerente da rede de lojas De Meo.
O entusiasmo de Gerson com as perspectivas de novos rumos para a economia chega a ser contagiante.
“Contratamos dois funcionários para visitarem os nossos clientes e ficarem próximos deles, para saber quais são suas necessidades. Afinal, é muito mais barato fidelizar os clientes que temos do que procurar outros”, disse.
As perspectivas no mercado de ferramentas e máquinas para o segundo semestre de 2016 são as melhores possíveis. "De acordo com os fabricantes e importadores, teremos um faturamento de R$ 5 bilhões”, afirma.
A De Meo Comercial Importadora, fundada há 121 anos, opera 15 lojas, seis delas na Florêncio de Abreu, nove na Grande São Paulo, incluindo bairros como Santo Amaro, Limão e Itaim Bibi, e municípios como Osasco, Diadema e Guarulhos.
Gerson admite que houve uma queda de 6% nas vendas no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Em valores, foram R$ 4 milhões de prejuízo.
Além das conversas diárias com os outros comerciantes sobreviventes da região, com o objetivo de unir forças, Gerson faz palestras constantes para os funcionários.
”Na sexta, dia 1o,, reuni a equipe de vendas para falar sobre as ações que iremos implementar na empresa. Temos de buscar alternativas em conjunto. Estamos nos preparando para o crescimento que ocorrerá em breve”, disse Gerson, de 46 anos, na De Meo há cinco, e formado em administração de empresas e pós-graduado em gestão de negócios.
A palavra demissão foi riscada do dicionário das empresas que selaram o pacto de criatividade da Florêncio de Abreu. A rede de lojas tem 60 funcionários. Entre eles, vários estão na empresa há mais de 10 anos. Todos passaram por um processo de aprendizado na própria De Meo.
“Nós formamos os nossos vendedores. Eles têm a nossa cara. Investimos no treinamento, na informação técnica. Além disso, estamos reformando nossas lojas e abrindo outras. Em meio à crise, não tivemos cortes de funcionários”, afirma.
Robson Vanderlei de Oliveira, gerente da Centralfer, trilha o mesmo caminho e investe no lançamento de novos produtos para recuperar o tempo perdido. “A meta da Centralfer é ser cada vez mais competitiva”, afirma.
Quando a reportagem do Diário do Comércio estava na Centralfer, Robson recebeu uma ligação de um representante da De Meo. No diálogo, estratégias para crescer juntos.
“Quem estava acomodado, fechou a loja. As que ficaram, sabem que não há mais espaço para a mesmice. Sabemos que agora temos de acordar cedo para trabalhar mais. E é bom notar que não foram somente as lojas pequenas que perderam espaço e tiveram de fechar as portas. Algumas de médio e grande portes também faliram. Basta olhar na rua para ver que há uma invasão chinesa. Mas vamos preservar o nosso mercado de ferramentas e máquinas. Vamos resistir”, afirma Robson.
A inovação e investimentos em novos produtos também foram as receitas da Casa da Boia, outra centenária de 118 anos, para driblar o momento ruim da economia brasileira.
Thiago Lima, 35 anos, há 16 como gerente da empresa, que comercializa boias, materiais hidráulicos, metais não ferrosos e tubos de PVC, avisa que, apesar da queda de 8% no faturamento no primeiro semestre, em comparação com o mesmo período de 2015, não houve demissões e está havendo investimento em novos produtos para a comercialização.
"Novos produtos como bules, panelas, chaleiras e frigideiras de cobres estão tendo uma grande aceitação no mercado. E lançamos uma nova linha de cadeiras, bancos e prateleiras em cobre. É o nosso diferencial", afirma Thiago.
Especializada no comércio de materiais, resistências e termostatos elétricos, fios e fitas de níquel e cromo, cabos e isolantes em tubos, mantas e chapas, a Casa Ferreira, fundada em 1932, manteve o número de funcionários (18) do segundo semestre de 2014, quando a situação econômica do País entrou em declínio. Sérgio Pereira Ribeiro, gerente da loja, diz que ali não houve crise.
"O movimento aqui não diminuiu. Temos clientes fiéis", afirma.