Atacado cresce acima do PIB e quer ampliar vendas no interior
Makro mantém a liderança entre os atacadistas, seguido pelo grupo Martins, de acordo com ranking divulgado hoje pela ABAD, a associação do setor
Com crise ou sem crise, todo mundo precisa comer, tomar banho e limpar a casa. As vendas de alimentos e de higiene pessoal e limpeza, portanto, tendem a sofrer menos em períodos de recessão. Os atacadistas especializados na distribuição destas cestas de produtos confirmam a tese.
Responsável por abastecer 1 milhão de pequenos e médios estabelecimentos de comércio espalhados pelo país, o setor atacadista movimentou R$ 212 bilhões em vendas no ano passado, 7,3% acima de 2013 ou 0,9%, se descontada a inflação. É o que revela levantamento da ABAD (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados).
Mais uma vez, os atacadistas, como ocorre nos últimos anos, obtiveram um desempenho comparativamente superior ao do PIB (Produto Interno Bruto), que cresceu 0,1% em 2014 - o mais fraco resultado desde a retração de 0,2% de 2009 em meio à crise global.
O Makro, com faturamento de R$ 7,7 bilhões em 2014, despontou na liderança do setor, de acordo com ranking divulgado hoje pela associação, seguido pelo Atacadista Martins (R$ 4,7 bilhões) e a a Profarma (R$ 3,7 bilhões), uma distribuidora de produtos farmacêuticos, mantendo as posições de 2013. A lista foi elaborada em conjunto com a Fundação Instituto de Economia (FIA) da USP e a consultoria Nielsen.
Trata-se de um setor que vende produtos de primeira necessidade, com desempenho que oscila para cima ou para baixo, em sintonia com o desempenho da economia.
“Em um período de crise, como agora, os consumidores podem estar comprando a mesma quantidade de ítens com preços mais baixos, ou podem estar substituindo ou até deixando de comprar produtos mais sofisticados por menos sofisticados. É o retrato do setor hoje”, afirma o economista Nelson Barrizzelli, consultor da ABAD.
Até meados do primeiro semestre do ano passado, o atacado crescia de 10% a 15% sobre 2013. “O segundo semestre já foi mais difícil", diz Walter Faria, CEO do Grupo Martins. "A economia desacelerou. O consumidor está mais endividado, compra com maior frequência, não faz estoque, e gasta menos. O resultado reflete a desaceleração da economia.”
LEIA MAIS: "A crise econômica está pegando o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste"
Para obter informações capazes de traçar um retrato do setor e prospectar as perspectivas para este ano, a ABAD ouviu 527 atacadistas espalhados pelo país. Constatou que, de fato, os empresários veem um consumidor bem mais arredio, pessimista e, portanto, sem muito entusiasmo para comprar. Isso tem influenciado os clientes do varejo, bem mais cautelosos em relação aos estoques.
Mas, ao mesmo tempo, o levantamento da associação constatou certo grau de otimismo em relação às projeções para este ano em relação a 2014. A maioria dos atacadistas espera aumentar o faturamento, o volume de vendas, a rentabilidade, a base de clientes e os investimentos. Mais: boa parte informa que vai expandir os negócios mesmo em ano de crise.
Os investimentos em tecnologia de gestão foram citados como muito importantes para este ano, assim como a expansão dos negócios para o interior. Outras ações que deverão tomar a atenção dos atacadistas neste ano, segundo a ABAD são: capacitação de equipe de vendas, apoio ao varejista, menos foco em preço e muito mais em prestação de serviço.
“As fronteiras de negócios no Brasil estão se interiorizando", afirma Barrizzelli. "É nas nessas regiões ainda não exploradas devidamente pelos fabricantes, que se estão as maiores oportunidades para os atacadistas. Isso requer investimentos em equipes de vendas e logística."
"FOCO EXCESSIVO EM PREÇO"
O levantamento da ABAD também identificou a percepção dos atacadistas em relação aos clientes varejistas. Em sua avaliação, o principal problema do varejo brasileiro é o foco excessivo em preço, muita dificuldade para atender às mudanças no sistema tributário e falta de treinamento de funcionários.
Além disso, segundo os atacadistas, o lojista não repassa para o consumidor final, muitas vezes, as vantagens obtidas nas negociações com os atacadistas.
São questões que deverão se mais discutidas abertamente entre os atacadistas e os lojistas neste ano, até porque a proximidade entre os dois setores pode ajudar a entender melhor o comportamento e as necessidades do consumidor brasileiro, um dado considerado fundamental por ambos para efetuar uma venda, principalmente neste período de mercado mais recessivo.
O executivo Faria diz que as indústrias também estão sendo convidadas a discutir formas inovadoras de vendas capazes de atrair os consumidores.
“Para 2015, queremos fortalecer nossa relação com o pequeno varejo e as mercearias, que são efetivamente os nossos clientes”, disse José do Egito Frota Filho, presidente da ABAD, no final do ano passado.
Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga, que representa cerca de 40 mil pequenos lojistas no Estado de São Paulo, entende que a proximidade dos setores é, de fato, muito importante para driblar a atual retração de consumo.
“O crescimento de 0,9% nas vendas do atacado está, provavelmente aquém do previsto, mas, neste período, dá até para comemorar”, afirma. Segundo ele, as negociações em toda a cadeia que abastece os supermercados estão mais tensas e os pequenos lojistas se tornam uma grande oportunidade para desova de estoques.
O fato é que os atacadistas enfrentam desafios comuns a toda as empresas brasileiras. “Só com uma bola de cristal, e se isso funcionasse, seria possível saber exatamente o que vai acontecer no segundo semestre deste ano. Os fatores que determinam o andamento da economia estão extremamente voláteis. Hoje, apontam para uma melhoria, mas, amanhã, tudo se desfaz. E o problema se agrava porque é menos econômico e mais político”, diz Barrizzelli.
A seu ver, as empresas mais capitalizadas vão se sair melhor, assim como em outros setores da economia, porque terão mais condições de expandir o negócio, e aumentar sua participação de mercado, como invariavelmente ocorre em tempos de crise. “As empresas brasileiras deveriam ter “PhD” sobre como tirar proveito de crises, uma vez que se repetem com frequência nos últimos 35 anos”, diz o consultor da ABAD.
Outra constatação do levantamento da ABAD é que a cobrança bancária se consolidou como a principal forma de pagamento do setor. “Isso quer dizer que os atacadistas estão mais atentos às dificuldades de seus clientes para honrar compromissos (pagamentos).
A cobrança bancária, por si, não inibe atrasos ou inadimplência, mas dá mais respeitabilidade às transações comerciais. Além disso, diminui o custo geral de cobrança, uma vez que, por meio de métodos eletrônicos, os bancos podem receber cobranças e fazer a liquidação dos créditos.”
CASH AND CARRY
O formato de lojas cash and carry, conhecido como atacarejo, que cresceu em 2014, vai continuar em expansão neste ano, principalmente no interior do país. Na avaliação de Barrizzelli, ainda não está claro se esse formato está concorrendo com o atacado ou com os supermercados ou hipermercados.
“Parece que está atuando nas duas pontas. Mas, em momento de crise, com os consumidores com menos recursos, se torna mais atrativo comprar em uma empresa atacadista, que vende a preços mais baixos, do que em outros formatos do varejo.”
Há cerca de 30 atrás, o grupo Pão de Açúca lançou o formato Superbox, parecido com o atual cash and carry. Por diversas razões, segundo Barrizzelli, o Superbox acabou sendo abandonado. Outros formatos, como as lojas com sortimento mais limitado (Minibox, por exemplo), também surgiram e desapareceram com o tempo.
Conclui o economista: “Na prática, essa é a dinâmica do mercado. Os formatos surgem e são posteriormente, substituídos por outros eventualmente mais atrativos para o consumidor. Os teóricos do varejo usam a teoria da sanfona para explicar esse fenômeno. Os formatos surgem e desaparecem dando lugar a outros mais modernos, porém de mesma natureza. O tempo vai dizer o futuro deste formato”.