Atacadistas projetam dois anos de estagnação nas vendas
Um dos maiores desafios do setor, que movimenta acima de R$ 200 bilhões anuais, será apoiar os pequenos varejistas a melhorar a gestão para evitar que fechem as portas
Representantes das maiores empresas atacadistas do país se reuniram ontem (16/11), em São Paulo, com um objetivo ambicioso: traçar um cenário do setor para 2016.
Para uma dezena deles, consultada pelo Diário do Comércio em um evento da ABAD (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados), tudo indica que 2016 será um ano igual ou até mais complicado do que este.
A busca por eficiência precisa ser redobrada, segundo eles, assim como as parcerias com a indústria e com os pequenos comerciantes, que são os principais clientes das empresas atacadistas.
O setor, que movimenta pouco mais de R$ 210 bilhões anuais, tem grandes desafios pela frente. A concorrência entre as empresas está acirrada e os clientes, mais fragilizados.
Com a taxa de juros nas alturas, os pequenos comerciantes, assim como os consumidores, nem querem ouvir falar de estoques. Só compram exatamente a quantidade possível de deixar a gôndola.
Pior: um grande número deles está descapitalizado. Além de as vendas terem diminuído, o crédito ficou mais caro e escasso.
Numa fase em que o consumidor economiza até com itens básicos e que pequenos comerciantes estão fechando as portas, torna-se impossível para o setor atacadista sonhar com projeções ambiciosas.
ENFRAQUECIMENTO
Um exemplo entre muitos: com faturamento de R$ 70 milhões por ano, a distribuidora de congelados Brassol, de Brasília, começou 2015 com 5 mil clientes e deve encerrar o ano com 4 mil.
Uma parte dos clientes não resistiu à queda de vendas e fechou as portas. Outra, preferiu entregar os freezers, como ação para corte de custos, de acordo com Lysipo Gomide, sócio-proprietário da empresa.
Com 4 mil clientes, o atacado Nordece, da Paraíba, já registrou, neste ano, o encerramento de atividades de 50 clientes tradicionais no Estado.
A Codical, distribuidora da Bahia, já perdeu 10% da carteira de clientes (12 mil). A Tardelli, distribuidora de Franco da Rocha, viu 5% da clientela (4 mil) entregarem literalmente os pontos.
“Além da crise, os pequenos comerciantes de alimentos, dependendo da região, estão tendo de enfrentar uma forte concorrência com os cash and carry, os ‘atacarejos’. Se continuar neste ritmo, os mini-mercados vão desaparecer”, diz Nilson Borges, sócio-diretor da Codical.
“Esses clientes que fecharam as portas não sabem lidar com a atual política econômica. Há ainda problema de gestão no pequeno comércio”, afirma Carlos Lima, diretor jurídico administrativo da Tardelli.
Alguns dos lojistas são tão conservadores, diz Lima, que fecharam as portas neste ano para não ficar devendo para os fornecedores. O que significa que eles podem voltar a operar, se a economia melhorar.
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“O ano que vem vai ser um ano de buscar mais eficiência e desafiar todos os parceiros comerciais para que, juntos, possamos encontrar caminhos para enfrentar a crise”, afirma Walter Faria CEO do grupo Martins, um dos maiores atacadistas do país.
Com a indústria, diz ele, o grupo está discutindo quais as categorias de produtos capazes de agregar valor para a empresa, para o pequeno varejista e para o consumidor. “Se considerarmos um período de dois anos, essa é a maior crise da história”, diz Faria.
Os representantes do setor consultados pelo DC acreditam que o volume de faturamento das empresas neste ano e no próximo deve repetir 2014.
Ou seja, as vendas vão se manter estagnadas por dois anos - o que, para algumas, pode representar até um bom resultado, se comparado com setores que registram queda de vendas.
“2015 foi um ano de aprendizado e de desafios. Tivemos de olhar para dentro das empresas, construir processos, ouvindo a indústria e o varejo independente”, diz José do Egito, presidente da ABAD.
A partir dessas conversas, diz ele, surgiram várias ações para estimular o consumo, como as promoções do tipo leve três e pague dois. Mesmo com todo o esforço, a diretoria da associação errou na previsão de crescer 1,5% neste ano.
“Se o faturamento do setor ficar igual ao de 2014, já estará de bom tamanho”, diz Egito.
E mesmo para manter o faturamento, as empresas têm de se mexer. Com uma receita de R$ 500 milhões, o atacado Nordece, distribuidora de alimentos e produtos de higiene e limpeza, decidiu investir neste ano na logística, com a renovação de 50% da sua frota de caminhões (180).
A distribuição de 3 mil itens para os seus 4 mil clientes tornou-se mais eficiente. “Estamos fazendo mais entregas com menor volume, o que tem evitado rupturas de produtos no pequeno comércio”, diz Zezé Veríssimo Diniz, diretor comercial da Nordece.
Com um faturamento de R$ 300 milhões por ano, a Codical, distribuidora de alimentos, produtos de limpeza e perfumaria já dispensou cerca de 400 funcionários neste ano para se tornar mais enxuta e se adaptar ao mercado mais recessivo.
A empresa, que hoje conta com pouco mais de 1,1 mil funcionários, também conseguiu reduzir em 75% os custos de transporte com um novo sistema de gestão de frota (147 caminhões), que leva os produtos para 12 mil clientes no Estado.
Com 2.500 clientes e um faturamento de R$ 120 milhões por ano, a Fasouto, de Sergipe, decidiu, neste ano, fazer um trabalho para tornar o cliente mais eficiente.
Se o lojista atende melhor o cliente, ele vende mais e, portanto, compra mais do atacado. Além disso, a Fasouto fez uma parceria com uma empresa de cartão para que os clientes possam dar crédito para os consumidores.
“Nosso negócio daqui para a frente vai depender muito da oferta de um bom serviço para os lojistas”, afirma Juliano Cesar Souto, diretor da Fasouto.
2016 será um ano de atenção, na avaliação de Jocélio Parente, da J.A. Distribuidora, do Ceará. O desafio do setor será trabalhar as oportunidades e isso significa entender a necessidade de cada varejista.
“Eles estão muito suscetíveis a preço. O nosso trabalho está voltado para que o lojista não perca faturamento e para que a indústria nos ajude com o ponto de venda”, diz Parente.
A crise trouxe lições para as empresas, na avalição de Lima, da Tardelli.
Com 46 anos e faturamento anual de R$ 72 milhões, a Tardelli constatou que o consumidor voltou a adotar hábitos de alguns anos atrás, quando fazia opções de compra mais racionais.
Para enfrentar este período mais fraco de vendas, a empresa decidiu alterar o sistema de entregas de produtos.
“O nosso roteiro de distribuição era mais travado. Hoje, vamos até o cliente quantas vezes forem necessárias. Há casos em que os nossos vendedores vão até o ponto de venda para oferecer os produtos”, diz Lima.
Fazer mais com menos, o que mais se escuta hoje com meta das empresas, é uma prática de anos da atacadista Destro, do Paraná, uma dos mais antigas distribuidoras do país.
Com 51 anos e um faturamento de R$ 1,5 bilhão por ano, a empresa tem esticado um pouco o prazo (de 28 dias para 35 dias) para os clientes para não perder vendas. Mas somente aqueles que tradicionalmente pagam em dia.
Neste ano, a empresa registrou aumento de inadimplência dos pequenos comerciantes.
No ano passado, o atraso no pagamento dos clientes (acima de 60 dias) era de 1,5%. Neste ano, passou para 3,5%. “Não tem jeito, quando o cliente fica inadimplente, a empresa para na hora de fornecer mercadorias”, diz Emerson Luiz Destro, diretor geral da Destro.
A distribuidora Norte Sul Real, de Cuiabá (MT), diz que os pequenos comerciantes estão com muito mais dificuldade para pagar as compras em dia. Os atrasos chegam a 5 dias, em média. E os clientes que estão fechando as portas têm de dois a cinco checkouts.
É bom lembrar, dizem os representantes das empresas de atacado, que a crise, em alguns casos, potencializou ou expôs problemas de gestão e financeiros que já existiam nas empresas.
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