Por trás do cancelamento de patrocínio do nadador farsante, especialistas identificaram um bem articulado plano de marketing. Além da defesa da imagem, as empresas buscaram maximizar a exposição de suas marcas
| Jornalista especialista em sustentabilidade e gestão, a editora atuou no Estadão, na Editora Abril e na Folha de S. Paulo
Alguém tinha ouvido falar em Airweave ou Gentle Hair Removal até semana passada? A primeira é uma fabricante japonesa de colchões e a segunda, de produtos para depilação.
Essas marcas pipocaram nos últimos dias na imprensa americana e brasileira junto com a Speedo e Ralph Lauren. As quatro eram as patrocinadoras do nadador Ryan Lochte e anunciaram em sequência o cancelamento do patrocínio, depois das bizarrices cometidas pelo atleta americano na Rio 2016.
Calcula-se que Lochte perdeu entre US$ 1 milhão a US$ 10 milhões (as estimativas variam) por ano de renda com este banimento. Um dos mais bem-sucedidos atletas no uso de patrocínio, Lochte se tornou o “cara estúpido” e viu sua imagem virar um prato feito na mídia sensacionalista e nos programas de humor.
Cortar os contratos parece a coisa certa a fazer em nome da imagem e da reputação, como fizeram questão de proclamar as quatro empresas em suas notas para a imprensa. Mas não é bem assim.
Mais do que defender a honradez da marca, essas empresas aproveitaram uma baita oportunidade de marketing. Ou seria oportunismo?
AÇÃO CALCULADA
A hipótese foi levantada por um colunista da revista Business Insider, Cork Gaines, e considerada praticamente certa pelos especialistas que ele ouviu. O principal ponto que chamou atenção foi a rapidez e o timing perfeito da cadeia de acontecimentos.
Veja porque Cork suspeitou das intenções “inocentes” dos patrocinadores, tendo à frente a Speedo, patrocinadora do atleta há 10 anos.
A farsa dos nadadores começou no domingo, 14 de agosto; a polícia levantou suspeitas na terça; o caso foi esclarecido na quinta, 18. Lochte assumiu a responsabilidade na sexta; o anúncio das empresas foi feito na segunda, dia 21. Rápido demais, até para quem tem os melhores serviços de relações públicas.
O nadador ainda nem tinha sido acusado e seus patrocinadores já estavam preparados para detoná-lo, menos de uma semana depois que os acontecimentos foram esclarecidos.
Imagina-se que uma empresa, colocada em situação de risco por se associar a uma celebridade, queira a menor repercussão possível. Ainda mais que poucos sabiam dos outros patrocinadores de Lochte.
No entanto, em vez de fazer o anúncio no domingo, quando as audiências estavam vidradas na final dos Jogos Olímpicos e pouca atenção prestariam ao anúncio, as empresas esperaram a segunda-feira. Em horas, uma atrás da outra, apresentaram suas posições.
Aliás, o momento teve uma precisão cirúrgica – na segunda, a cobertura dos Jogos Olímpicos havia amainado e os jornalistas caçavam notícias. E nesse dia, a rede de TV NBC, responsável por divulgar toda a história para o mundo, entrevistou o farsante arrependido.
Por fim, o colunista argumenta: os quatro atletas envolvidos no imbróglio olímpico perderam os patrocinadores. Mas apenas o cancelamento do contrato de Lochte foi divulgado aos quatro ventos
Para os especialistas, a ação foi feita intencionalmente com o objetivo de maximizar a exposição das marcas.
MAU COMPORTAMENTO
Em situações semelhantes, os patrocinadores quiseram distância de barbaridades cometidas por seus garotos-propaganda. Esse é um risco sempre presente quando se trata de unir marcas a celebridades. Casos bombásticos foram o do ciclista Lance Armstrong e do jogador de golfe Tiger Woods.
Lochte teve o azar de escolher uma péssima época para aparecer como bad boy. Ou ugly american, como zombaram inúmeros veículos americanos.
Há 10 anos, a Nike deu de ombros várias vezes aos maus feitos cometidos por patrocinados. Agora, isso não é mais possível.
A explosão das mídias sociais, as publicações de fofocas que não deixam as celebridades em paz e a proliferação de câmeras de vigilância deram um novo peso aos valores de credibilidade e honestidade.
Por outro lado, vivemos tempos em que as pessoas querem mais transparência das empresas e de seus ídolos. E as companhias ficaram mais conscientes de que os problemas de seus patrocinados podem arrastá-las junto nos escândalos.
Atualmente, os contratos de patrocínio incluem cláusulas muito mais rígidas em relação ao comportamento dos astros.
Diante de tudo isso, não deixa de ser irônico o desfecho do caso Lochte. Ao chamar a atenção para si de forma desnecessária e exagerada, as quatro empresas conseguiram recuperar com lucro tudo o que investiram no atleta.
Conquistaram uma projeção de preço incalculável para suas marcas, apresentando-se como empresas responsáveis.
Ele perdeu, elas ganharam. Há uma lição de marketing nessa história?
Publicidade
Publicidade
Receba as últimas notícias do Diário do Comércio diretamente no seu e-mail
Publicidade