“Micro e pequeno comércio vivem caos produtivo”
Para Kelly Carvalho, economista da FecomercioSP, alta rotatividade, baixa remuneração e pouca capacitação de funcionários e gestores criam gargalos de crescimento e reduz a produtividade do segmento
Os pequenos comerciantes desempenham um papel fundamental para geração de emprego e renda e fomento da economia nacional.
Entre os mais de 1,64 milhão de estabelecimentos comerciais atuantes no Brasil, considerando varejo e atacado, 96,3% são de micro, pequeno e médio porte (MPME).
Essas empresas são responsáveis por 53,5% dos empregos do setor, de acordo com a FecomercioSP.
Embora represente a franca maioria em quantidade de lojas, as receitas das MPMEs correspondem a menos de um terço do total do faturamento do comércio.
Em valores nominais, a receita média dessas lojas é de R$ 408 mil por ano, enquanto as grandes faturam acima de R$ 23 milhões.
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O panorama se torna mais conturbado quando o que está em questão é a produtividade. Nas MPMEs, ela é quase 29% inferior à média geral do comércio. Nas grandes empresas, o índice é positivo em 33,1%.
De acordo com Kelly Carvalho, assessora econômica da FecomercioSP, por trás de todos esses índices está a alta rotatividade do varejo, que tem impacto significado na receitas dos lojistas.
O índice de turnover do varejo brasileiro foi de 38,5%, de acordo com uma pesquisa conduzida ano passado pela Serasa Experian, Insper e portal Novarejo.
O alto “entra-e-sai” tem impacto nos custos das empresas, uma vez que demissões e admissões implicam em gastos trabalhistas.
Um dos fatores que fomentam a rotatividade nas pequenas organizações é o baixo salário ofertado aos funcionários, 43% inferior à remuneração no grande comércio – R$ 1.033 ante R$ 1.932.
Para muitas pessoas, algumas centenas de reais a mais no salário não é motivo para troca de empregador. No entanto, muitos funcionários do pequeno varejo são jovens em primeiro emprego, que usam a função para custear os estudos e complementar a renda da família. Eles também usam o cargo para agregar experiência no currículo.
Paralelamente, o pequeno negócio sente mais os efeitos da crise e acaba demitindo mais gente. A recessão também afeta os investimentos em processo seletivo e treinamento.
“Devido aos cortes de custos, o varejo acaba contratando pessoas menos preparadas e não fornece apoio adequado em capacitação”, afirma Kelly. “Assim, o novo empregado demora mais tempo para atingir o nível de entrega necessário – ou, na pior hipótese, sai da empresa antes de chegar lá.”
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A pesquisa da FecomercioSP também aponta que no pequeno comércio a folha salarial consome 9% das receitas. Nas grandes, a taxa cai para 5%. Ou seja, o funcionário é mais caro, mas gera menos faturamento individual.
A combinação salário baixo, pouca entrega e baixa capacitação faz com o que pequeno varejo sofra de um “caos produtivo”.
O cenário consegue ser ainda nocivo para a competitividade do segmento devido à baixa capacitação do próprio gestor.
“Grande parte dos empreendedores não utiliza ferramentas de gestão para conduzir a loja e ainda falham ao realizar estudos de mercado e concorrência, precificação, nível de estoque e relação com fornecedores.”
A soma das mazelas faz com que 50% das micro e pequenas empresas fechem as portas antes de completar cinco anos de vida.
COMO DESATAR ESSE NÓ
De acordo com a economista da FecomercioSP, o pequeno varejo, por si só, dificilmente conseguirá ter saltos de produtividade.
Para mudar o jogo, são necessários de esforços de órgãos governamentais, entidades setoriais e bancos, os responsáveis por financiar o pequeno empreendedor.
Kelly destaca algumas medidas iniciais que visam estimular o crescimento das empresas.
Ano passado, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar 125/2015, que ampliou as faixas de faturamento bruto anual para enquadramento no regime Simples e estabelece alíquotas progressivas de tributação.
A medida, que passa a vigorar em 2018, enquadra estabelecimentos que faturam entre R$ 180 mil e R$ 4,8 milhões, com alíquotas anuais de 4% até 17%.
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A FecomercioSP também defende a criação e implementação da Lei Municipal das Micro e Pequenas Empresas, que, entre diversas medidas, determina:
• a simplificação dos processos de abertura e fechamento das empresas a partir da unicidade dos processos e emissão de alvará provisório, para garantir agilidade;
• dupla visita de órgãos fiscalizadores, em que a primeira será de caráter orientativo, deixando punições apenas para uma segunda visita. Os micro e pequenos comércios sofrem com a exigência de órgãos públicos, devido muitos não disporem de departamentos jurídico, de pessoal, médico e técnicos de segurança;
• implementação de salas do empreendedor – um centro de orientações sobre criação e condução de pequenos negócios.
Kelly também defende que seja desenvolvida a criação de linhas de crédito para pequenos e médios varejos, principalmente para capital de giro.
Neste caso, os bancos precisariam flexibilizar as exigências de garantia, reduzir juros e alongar prazos de pagamentos a empréstimos concedidos a empreendedores.
"Essas medidas podem atenuar a causa dos problemas, como burocracia, alta tributação e custo do crédito, que impactam na competitividade", afirma a especialista.
FOTOS: Fátima Fernandes/Diário do Comércio; Agência Senado e Divulgação