Como o comércio pode interagir melhor com a cidade
Especialistas debatem tendências e possibilidades para atrair consumidores às lojas de rua e reinventar as metrópoles
Buracos, calçadas estreitas, embates entre pedestres e veículos, falta de vagas para estacionar, transporte público lotado... Esses, entre tantos outros transtornos, são responsáveis por prejudicar a interação entre o comércio e a cidade.
Passear e comprar em ruas especializadas, como, por exemplo, a Santa Ifigênia, no Centro de São Paulo, é um tanto desconfortável. Não há uma preocupação em, de fato, receber o pedestre que caminha até o local fazer compras.
Fato é que ainda há muito a ser feito para mudar a forma como o comércio interage com a cidade.
Nesta segunda-feira (18/09), o seminário "Economia, Comércio e Mobilidade: Passo a passo para uma cidade dinâmica", realizado pela Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito, reuniu especialistas para debater como o investimento em mobilidade ativa, como a ampliação de infraestrutura em centros comerciais ou a criação de calçadões, pode beneficiar os negócios.
EXPERIÊNCIA DO MÉXICO
Tendo como referência que os principais centros urbanos do mundo surgiram por meio da formação do comércio e à intensa circulação de pessoas, Dhyana Quintanar, ex-coordenadora geral da autoridade de espaço público da Cidade do México, considera o comércio o embrião das cidades.
Nos últimos dez anos, as principais avenidas da Cidade do México passaram por um processo de reurbanização que envolveu a substituição da vegetação, recapeamento, instalação de novo mobiliário urbano, fiação subterrânea e ajustes nas calçadas para torná-las mais amplas e acessíveis para todos.
No total, 33 quilômetros foram redesenhados com o intuito de resgatar a vida pública urbana e incentivar deslocamentos a pé, com um investimento próximo de R$ 5 milhões.
Dhyana diz que a renovação tranformou a avenida mais popular da cidade, a Presidente Masaryk, em um dos endereços comerciais mais importantes do País, por onde passam 400 mil pessoas por dia.
“Queríamos criar um ambiente de shopping center na rua. Com segurança, diversidade, iluminação e infraestrutura”, diz.
O projeto de Regeneração Urbana Masaryk Avenue, como é chamado, atraiu butiques famosas como Hugo Boss, Tiffany, Louis Vuitton, Bvlgari, Marc Jacobs, Chane, Burberry, Diesel, Puma, Zara e Lacoste para o local, além de restaurantes, livrarias e galerias de arte, que aumentaram em 65% suas vendas.
A rua Madero e 16 de Setembro são outros exemplos de avenidas que foram remodeladas.
O LADO DO VAREJO
Larissa Campagner, arquiteta e coordenadora do Comitê Técnico do Conselho de Política Urbana, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), se declara favorável a iniciativas como a da Cidade do Mexico.
Para que São Paulo repita ações como as que foram feitas nas ruas Amauri, João Cachoeira, Oscar Freire e trechos da Augusta, Larissa aponta que é preciso que o comércio e os consumidores sejam totalmente envolvidos no processo de decisão de mudança do espaço público.
Ela cita como exemplo, a instalação das ciclovias, e destaca que a resistência dos comerciantes se dá em relação à maneira como a medida foi imposta.
“Precisamos de transformação, mas precisamos passar por um processo de transformação, e de discutir como ela será feita”.
Do ponto de vista do varejista, Paulo Pompilio, diretor de relações corporativas do Grupo Pão de Açúcar (GPA), concorda que falta discussão, legislação e fiscalização para que o comércio contribua para a promoção da mobilidade urbana.
De acordo com o executivo, uma das propostas para o trabalho de carga e descarga em lojas que foram contempladas pelas ciclovias é a operação noturna.
No entanto, Pompilio argumenta que a própria legislação impede esse tipo de atividade em alguns pontos, além da falta de segurança.
Outra questão levantada por Pompilio são as obrigações estabelecidas para as lojas de vizinhança, como Minuto Pão de Açúcar.
“Pedem a existência de vagas de estacionamento, quando se discute tanto o uso de outras mobilidades e a diminuição do impacto do trânsito para pequenos deslocamentos”, diz.
Entre as medidas adotadas pelo grupo estão a construção de estacionamento de bicicletas, áreas destinadas para animais de estimação e a alteração no tamanho das sacolas, que agora, suportam até nove quilos.
Embora seja a favor de políticas públicas que favoreçam alternativas mais sustentáveis, Pompílio afirma que ainda falta envolvimento por parte dos órgãos públicos.
No caso da carga e descarga noturna, ele cita a contradição entre a lei do Psiu (programa de silêncio urbano) e a obrigatoriedade de emitir sons de alerta enquanto a atividade é realizada, e a reeducação do comportamento por parte dos motoristas, que estão habituados a provocar ruídos, como rádio em volume alto.
MODELO CARIOCA
Em outro cenário, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, a bicicleta se tornou um meio de transporte rotineiro para o comércio, que realiza mais de 11 mil entregas por dia com o modal. Esse tipo de serviço também é feito por triciclos e bicicletas cargueiras.
Pães, animais de estimação vindo de petshops, pizzas, remédios, roupas, colchões e até geladeiras são transportadas sobre duas rodas. No total, são 11.541 entregas por dia.
São 14 quilômetros de infraestrutura destinada à mobilidade por bicicleta em vias internas do bairro, além da orla, que também conta com 4,7 quilômetros de ciclovias.
De acordo com os dados apresentados por Gabriela Binatti, consultora da Associação Transporte Ativo, as farmácias empregam a maioria dos entregadores e fazem o maior número de entregas.
Já os mercados e distribuidores de bebidas compõem 71% da frota dos triciclos. As estimativas de valores levantadas pela organização mostram a importância dos pedais para a microeconomia urbana.
No total, são 372 estabelecimentos com 732 bicicletas e triciclos que perfazem mais de 11 mil entregas por dia, em um raio de três quilômetros, cada uma por R$ 20, em média.
FOTO: Cris Fraga/ Estadão Conteúdo