Preferida de pequenos e grandes investidores, letras de crédito agora geram incertezas
Sinalização do governo sobre a intenção de tributar as letras de crédito imobiliário e do agronegócio – as LCIs e LCAs – traz dúvida para uma aplicação conservadora e ao mesmo tempo rentável
As letras de crédito pagam um rendimento que acompanha a alta dos juros, são isentas de Imposto de Renda (IR), asseguradas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) em até R$ 250 mil por CPF e instituição financeira em caso de quebra do banco e de liquidez relativa, ou seja, com possibilidade de resgate a partir de 60 dias.
Mas pelo menos uma dessas vantagens pode mudar, com a sinalização pelo governo de que poderá tributar os rendimentos das letras. Isso tem deixado o aplicador com muita incerteza sobre o que fazer: comprar mais letras agora, alongar os prazos ou encurtar? Especialistas também se dividem nas recomendações nesse momento.
O fato é que o movimento de alta na taxa básica da economia, a Selic, iniciado em novembro de 2013 e que continuou neste ano atraiu o investidor para as letras de crédito, que estão atreladas aos empréstimos para os setores do agronegócio e imobiliário. São as LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) que, emitidas por bancos, financiam essas atividades.
O rendimento das letras acompanha o CDI (Certificado de Depósito Interbancário, taxa praticada entre instituições financeiras e que acompanha a Selic). Elas podem ser prefixadas (com a taxa de rentabilidade definida no ato da compra) ou pós-fixadas (com o retorno definido no futuro, de acordo com o CDI). Neste caso, a remuneração oscila de 95% a 100% do CDI para um valor mínimo de entrada a partir de R$ 10 mil. A remuneração depende do montante a ser investido e, principalmente, do prazo da aplicação.
O fato é que nessa conta de baixo risco e alto retorno, o que tem um bom peso é a isenção de IR.
Ao longo dos anos, as letras ficaram tão atraentes para o investidor que chegaram a ofuscar outras aplicações, como o próprio CDB (Certificado de Depósito Bancário) e os fundos DI.
Para ter uma ideia: até clientes do segmento private banking foram atraídos. Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), em 2011 as aplicações do segmento em letras de crédito imobiliário e do agronegócio respondiam por 33,2% do total investido em títulos e valores mobiliários privados (CDBs, debêntures incentivadas e outros ativos de captação bancária). No ano passado, essa participação subiu para 67,1% do total.
A isenção de IR tem representado um fator de forte vantagem. Mas isso agora corre o risco de mudar. No mês passado, logo depois de assumir o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy declarou à imprensa que estudará a tributação dessas aplicações para pessoas físicas. Mas não disse em quanto, como e nem quando.
Para a Anbima, que defende o estudo para equalizar a tributação das letras, é importante que o governo reveja a malha tributária de todos os produtos financeiros. “Dessa forma, os fundos de renda variável e multimercados podem voltar a ser observados pelo investidor”, afirma João Albino, presidente do Comitê de Private Banking da Anbima, durante apresentação dos resultados do setor à imprensa.
Rogério Pessoa, coordenador do subcomitê da base de dados de Private Banking da entidade, avalia que a isenção é salutar para incentivar o agronegócio e o setor imobiliário, mas que o modelo de tributação a ser estudado deveria considerar a possibilidade de manter o investidor nas letras por um prazo maior.
Pessoa disse que não sabe quando esse estudo do governo deve ficar pronto, mas Albino afirmou esperar para o segundo semestre deste ano, ao comentar expectativas mais positivas para a bolsa e os fundos multimercados nesse período.
O QUE FAZER
Além do quando, as dúvidas giram em torno das regras de uma possível tributação dos títulos, especialmente dos já contratados. Parte dos executivos de bancos e corretoras não acredita que uma tributação seja retroativa, ou seja, sobre contratos assinados – o chamado estoque.
Mas a verdade é que a opinião não é unânime. É preciso olhar para um cenário em que tudo pode acontecer. Nessa hora, o investidor deve observar o seu próprio planejamento financeiro. É importante lembrar que os vencimentos variam em cada letra de crédito. Esse prazo de resgate pode ser de um ano e até quatro anos.
Uma regra que determine a cobrança de imposto sobre contratos já realizados afetaria a confiança do investidor, que escolheu aplicar os recursos nas letras com base em um cenário de retorno e de tributação zero.
Para Arnaldo Curvello, diretor de gestão de recursos da Ativa Investimentos, o que foi contratado não muda. “Consideramos bom alongar o prazo das letras para quem tem disponibilidade e planejamento”, afirma.
Adriano Moreno, CEO da AZ FuturaInvest, diz que as letras já emitidas e contratadas não podem passar por nenhum tipo de mudança de tributação. “Mas mesmo assim estamos recomendando ao aplicador comprar com vencimento de um ano para, depois, renovar com outras características”, diz.
Na avaliação dele, quatro anos é um prazo muito longo para permanecer preso a uma aplicação. No meio do caminho, pode aparecer alternativa mais interessante, o chamado custo de oportunidade.
Daniel Albernaz Lemos, sócio-diretor de renda fixa da XP Investimentos, revela que os clientes da corretora estão preferindo prazos mais longos. “Existe grande dúvida do mercado a respeito de mudanças sobre o estoque de letras. Na média, o prazo médio dos clientes é de um ano e meio a dois anos”, afirma.
Embora os clientes do segmento private do Santander tenham reagido de formas diferentes diante da possibilidade de tributação das letras, a maioria preferiu alongar os prazos. Mas persistem incertezas em relação a isso, na opinião de Rudolf Gschliffner, superintendente de investimentos private do Santander. Segundo ele, o banco consultou tributaristas para avaliar o tema.
“Como não há normativo, apenas um indício capturado no discurso do ministro, tentamos desenhar vários cenários para o cliente”, diz. Um deles mostra que o governo poderia considerar o estoque contratado de letras como direito adquirido e não tributá-lo, o que tornaria o alongamento do prazo uma estratégia correta.
Em outro cenário, o governo respeitaria o princípio de anterioridade e não tributaria o rendimento referente a este ano. Mas como o fato gerador do imposto é o resgate (e não a data de aplicação) a tributação poderia incidir sobre o rendimento adquirido em todo o período caso o vencimento seja em 2016.
A terceira hipótese é que a tributação pode ser proporcional, ou seja, manter a isenção para o rendimento de 2015 e cobrar o IR no rendimento de 2016.
Mauro Calil, especialista em investimentos do banco Ourinvest, diz que uma mudança deveria valer para contratos futuros e não para os vigentes e passados. Algo fora desse contexto geraria questionamentos jurídicos.
Em sua avaliação, o governo deve mexer na tributação de acordo com o prazo de vencimento da letra, a partir da lógica de que esse tipo de aplicação deve ser de longo prazo. Afinal, a proposta das letras é incentivar a captação das instituições financeiras para que forneçam crédito a setores importantes da economia, como o de construção civil, que é forte empregador, e o agronegócio, cuja produção traz recursos para o país.
“O alongamento do prazo das letras depende do fluxo de caixa de cada pessoa e, assim, de suas necessidades em relação à liquidez (acesso ao recurso sem perda do valor), da taxa de retorno e da segurança. Cada um tem de verificar, no plano financeiro pessoal, qual a melhor opção. Nem sempre o mais importante é a maior taxa e a menor liquidez”, diz o especialista.