Ditadura da Venezuela deve "reeleger" Nicolas Maduro
Ditador não é o favorito nas pesquisas. Mas tem todos os instrumentos de pressão e corrupção para impedir a vitória do dissidente Henri Falcón
Ditaduras não costumam convocar eleições para serem derrotadas. É o que aparentemente acontecerá neste domingo (20/5) na Venezuela, onde Nicolas Maduro procura se reeleger como "presidente" de um país que mergulhou no colapso econômico e social.
Os dois principais dirigentes da oposição tiveram suas pernas eleitoralmente quebradas. Henrique Capriles, adversário de Maduro em 2013 -ano da morte do ditador Hugo Chávez -está com os direitos políticos cassados por 15 anos. E Leopoldo Lopez foi colocado pelo governo em prisão domiciliar.
Para efeitos de plateia, Maduro manobrou para que houvesse ao menos um outro concorrente. E o nome escolhido foi o do militar da reserva e ex-governador do Estado de Lara, Henri Falcón - que hoje se apresenta como um dissidente do establishment bolivariano.
À primeira vista, a manobra poderia dar errado. Pesquisa do Instituto Datanálisis, publicada nesta quarta-feira (16/5) dá a Falcón 30% das intenções de voto, contra apenas 20% para o atual ditador.
Mas há um imenso espaço para a transformação desse prognóstico em realidade eleitoral. Em primeiro lugar, a Mesa de Unidade Democrática (MUD), integrada por partidos que tiveram o registro cassado pela ditadura, não apenas deixou de lançar candidato como, também, prega a abstenção como forma de protesto.
O voto na Venezuela não é obrigatório, e um dos diretores do Datanálisis afirma que, se for maior que 50%, a abstenção reelegeria Nicolas Maduro.
UMA AFIADA TECNOLOGIA DE FRAUDE
O governo, no entanto, pretende não correr riscos. E, para tanto, recolocou em marcha métodos que foram refinados nos útimos dez anos para fraudar o resultado das urnas.
Não há Justiça Eleitoral, e em lugar dela funciona um Conselho Eleitoral formado exclusivamente por conselheiros indicados pelo Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV), que cometem verdadeiros crimes contra o apartidarismo e a imparcialidade.
Nas últimas eleições municipais, por exemplo, de última hora foram mudados os locais de votação em bairros ou municípios com predominância muito forte de eleitores da oposição, que ficaram perdidos e, aos milhões, deixaram de votar.
Maduro, originariamente presidente do sindicato do transporte escolar, montou também um mecanismo para o transporte de eleitores, pelo qual cada veículo transporta um agente bolivariano que alerta sobre os supostos riscos dos candidatos de oposição.
O mais grave, no entanto, é a compra de votos em troca de alimentos. Num país com prateleiras vazias de alimentos e onde um quarto da população faz apenas uma refeição por dia - e mesmo assim, carente de proteínas - comida subsidiada pode ser comprada nos Comitês Locais de Abastecimento e Produção.
Mas o acesso a essas lojas é reservado aos portadores do chamado "cartão da pátria", que têm como data de vencimento o domingo das eleições. E que devem ser renovados em postos montados ao lado dos locais de votação.
E mais. Nas últimas semanas, a venda de cestas básicas nesses locais é feita por militantes uniformizados, que fazem a apologia de Maduro e afirmam que os subdídios foram criados pelo governo há quatro anos.
Diante desse quadro, a Venezuela vetou a entrada no país de observadores internacionais isentos, e permitiu apenas a entrada de "observadores" cubanos e nicaraguenses.
Poderão fraudar à vontade, porque nenhuma Comissão Carter - referência mundial no assunto - estará por perto.
FOME E DESNUTRIÇÃO
Uma equipe de francesa de jornalistas da emissora France-2 levou ao ar esta semana documentário sobre a desnutrição como produto do colapso das políticas públicas da Venezuela.
Nos hospitais de Caracas, uma ONG local informa que seis crianças subnutridas morrem diariamente. Uma mãe que não tem direito ao "cartão da pátria" não consegue reunir R$ 8,00 para comprar um litro de leite, porque é esse o salário quinzenal do marido.
As prateleiras dos supermercados estão há meses vazias. Um garoto de 8 anos foi entrevistado enquanto "namorava" um balcão frigorífico com peixes e sardinhas. "Meus pais não têm dinheiro para comprar, e minha mãe me explicou que os pescados seriam bons para o crescimento de meus ossos."
Os alimentos encarecem com a hiperinflação de 50% ao mês, desde setembro do ano passado. O FMI prevê para este ano - apesar da ausência de dados oficiais - uma inflação de 14 000%.
Maduro e assessores culpam para a situação uma suposta guerra econômica praticada pelos Estados Unidos e pelos empresários locais. Mas a origem do mal é bem outra.
MAIOR RESERVA MUNDIAL DE PETRÓLEO
A Venezuela morre de fome, embora possua a maior reserva mundial de petróleo (na frente dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Irã).
Mas o país cometeu o crime de politizar a estatal do setor, a Petróleo de Venezuela S.A. (PDVSA). Em 2002, os técnicos e executivos da empresa foram acusados, sem provas, de apoiarem uma tentativa de golpe de Estado contra Hugo Chávez.
Cerca de 18 mil engenheiros e técnicos foram demitidos e substituídos por gente incompetente do partido oficial. O resultado foi a queda constante da produção.
Só no período mais recente: dos 3 milhões de barris por dia, em 2013, a PDVSA extrai hoje apenas 1,41 milhões.
Com máquinas e equipamentos sucateados, a empresa não tem fôlego para tirar proveito do recente aumento no preço do combustível, que chegou a US$ 80 o barril nesta quinta-feira (17/05). Ele havia caído para US$ 31 em 2014.
Caso fosse uma ditadura puramente civil, é provável que Maduro já tivesse caído. Mas seu regime foi construído de tal maneira que as Forças Armadas e as milícias (elas também armadas pelo governo) acabam se impondo sobre uma população que, na base de 78% (pesquisa de março último) não quer mais saber do atual governo.
Para um país que importa praticamente todo o alimento que consome, cada produto é objeto de uma diretoria entregue a um militar. E as milícias do partido oficial têm preferência na compra de alimentos.
É dentro desse quadro mais que negativo que pouca gente acredita que o candidato da oposição tolerada, Henri Falcón, será na segunda-feira o novo presidente da Venezuela.
Em termos irrealistas, seria muito bom que isso acontecesse. A Venezuela entraria num período de transição e voltaria a integrar, sem a miséria bolivariana, a comunidade internacional.
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