Novo modelo de crediário deve reduzir juros ao consumidor
A expectativa é de Murilo Portugal, presidente da Febraban. Em entrevista, ela fala sobre o elevado custo do crédito no Brasil
Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), diz que o novo modelo de financiamento ao consumo, previsto para ser implantado em 2019, terá prazo mais longo ao usuário do cartão. A medida ajudaria a diminuir os altos juros dos cartões de crédito.
As propostas da Febraban para baixar os juros no Brasil estão descritas no livro sobre o tema, distribuído online gratuitamente, que acaba de ser lançado pela entidade.
Nesta entrevista, Portugal avalia que “o custo do dinheiro no Brasil é mais alto do que em outros países, assim como muitos outros produtos, como carros, roupas e celulares.”
O presidente da Febraban vê com otimismo o ano de 2019. Julga que haverá retomada em ritmo mais forte do crescimento da atividade econômica, bem como do crédito - principalmente se for feita a reforma da Previdência.
Leia entrevista abaixo:
A Febraban acaba de lançar o livro Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil. Qual é a fórmula para se chegar a isso?
Murilo Portugal: A fórmula envolve três ingredientes principais. Primeiro, manter condições macroeconômicas favoráveis: inflação baixa e estável; pagamento de parte dos juros da dívida pública com recursos fiscais, para que a dívida não suba como proporção do PIB; estabilidade financeira e externa. Segundo, uma reforma no ambiente do crédito, para reduzir os custos da atividade de emprestar, os custos da inadimplência, os custos operacionais, os custos tributários e regulatórios. Terceiro, continuar incentivando a competição no mercado de crédito para que as reduções de custos sejam repassadas aos tomadores de crédito. Os bancos não decidem arbitrariamente qual taxa de juros vão cobrar. A taxa de juros e o spread são fortemente impactados pelas condições macroeconômicas, distorções tributárias, custos regulatórios e há uma série de medidas a serem adotadas para que o custo da atividade de emprestar seja reduzido.
Todo brasileiro gostaria de entender por que os juros do cheque especial e dos cartões de crédito continuam nas alturas, ultrapassando 270% ao ano, apesar da inflação e da taxa Selic tão baixas.
Portugal: O cheque especial e o cartão de crédito com rotativo representam apenas 2,4% de todo o volume de crédito que os bancos oferecem aos clientes. O cheque especial, por exemplo, foi criado para ser usado por curtos períodos e em situações de emergência. É a linha de crédito mais cara do mercado porque não exige garantias dos correntistas. A inadimplência no cheque especial é quatro vezes maior do que em outros produtos. A Febraban tem trabalhado para que haja um uso adequado do cheque especial. Caindo a inadimplência, caem os juros. Quanto aos cartões de crédito, há também um problema de subsídio cruzado entre clientes: os que usam o cartão mas pagam a fatura integralmente e os que compram no chamado parcelado sem juros acabam sendo subsidiados por aqueles que pagam juros ao rolar a dívida do cartão no rotativo. Há uma solução sendo discutida entre a indústria e o órgão regulador, prevista para 2019, para implantação de um crediário no cartão de crédito – um mecanismo de financiamento ao consumo, disponibilizado no ato da compra, com prazo mais longo e com juros cobrados ao usuário do cartão.
O cidadão comum acha que os bancos lucram demais, muito acima dos demais setores. Como a Febraban responde a isso?
Portugal: É falso. Os lucros dos bancos são altos em termos absolutos, mas quando comparados com o volume do capital investido, que é muito maior, a taxa média de lucro do setor bancário foi de 12,5% ao ano em 2017. Essa rentabilidade está alinhada com as margens de lucro de bancos em outros países emergentes e com a lucratividade de outros setores econômicos do Brasil. Por exemplo, o retorno sobre o patrimônio líquido dos cinco maiores bancos brasileiros – de 16,2% ao ano, na média dos cinco anos entre 2012 e 2016 – está no mesmo patamar dos 5 maiores bancos de outros países emergentes, como o Chile (17,8%) e a África do Sul (15,2%). É bom lembrar que lucros são garantia de solidez empresarial, garantia de que o depositante está operando com uma instituição forte; e os bancos sempre estiveram especialmente atentos a esse aspecto.
O que é preciso mudar para que o custo do dinheiro deixe de ser alto no Brasil?
Portugal: O custo do dinheiro no Brasil é mais alto do que em outros países, assim como muitos outros produtos aqui também são mais caros: carros, roupas, celulares... Por exemplo, os custos dos cinco maiores bancos brasileiros com inadimplência são duas vezes mais altos que a média de outros países emergentes, e oito vezes maiores do que a média de países desenvolvidos. Também são bem mais altos aqui os impostos sobre o setor, os custos operacionais, e vários outros custos, todos descritos no livro que estamos lançando. É necessária a adoção de medidas para reduzir esses custos, para que os juros pagos pelos clientes sejam menores. Com juros menores, os bancos conseguiriam emprestar mais, lucrando com a maior quantidade de empréstimos e não no preço desses empréstimos. Os dados do Banco Central mostram que, na média, os lucros dos bancos representam 9% da taxa de juros cobrada do cliente, enquanto que, na média, os custos que os bancos têm para emprestar representam 91% da taxa de juros.
Qual deveria ser a primeira medida do novo governo e do novo Congresso nesta direção? Aprovação de cadastro positivo e da nova lei de falências, mudança de regras no Banco Central?
Portugal: Todas as medidas são importantes, e é o conjunto delas que vai nos permitir ter, aqui, juros mais baixos. Nós listamos algumas dessas medidas no livro, que pode ser baixado no site jurosmaisbaixosnobrasil.com.br. Há várias medidas sendo discutidas no Congresso e examinadas no Executivo, todas importantes, como a aprovação do PLC 441/17, que aperfeiçoa o Cadastro Positivo; o PL 478/2017, que permite a apreensão extrajudicial de bens móveis alienados fiduciariamente. A Lei de Falências e Recuperação Judicial e Extrajudicial vigente tem distorções que entendemos que precisam ser corrigidas. Os processos demoram muito a ser decididos e poucas empresas que entram em recuperação continuam operando depois. Ou seja, a lei não está cumprindo suas finalidades de preservar empresas e empregos. Por isso, há necessidade das mudanças.
Como o senhor vê a proposta do novo governo de dar autonomia ao Banco Central? Faz diferença para o mercado?
Portugal: A ideia de um Banco Central independente, com mandatos fixos para os diretores, metas de inflação e formas claras de atuação, como propõe o plano do futuro governo, sinaliza ao mercado que a autoridade monetária trabalhará sem interferência políticas, concentrada em seu objetivo de garantir a estabilidade financeira e o poder de compra da moeda.
O senhor acredita que a retomada da economia, que anda em ritmo lento principalmente em relação aos empregos, vai se acelerar em 2019?
Portugal: Há indicações de uma retomada do ritmo de crescimento da economia. Os bancos fazem previsões de um aumento em entre 2,5% e 3% do PIB para 2019, o que depende de vários fatores, entre eles a concretização de reformas, como a da Previdência, que ajudará a tornar sustentável a dívida pública e contribuirá para a estabilidade macroeconômica. O crédito também já vem se recuperando, e acreditamos que pode crescer mais rápido com a reforma no ambiente de crédito que estamos propondo, cortando custos da atividade de emprestar dinheiro no Brasil e abrindo espaço para mais crédito, juros mais baixos e mais crescimento.
IMAGEM: Estadão Conteúdo