Empresários avaliam que a recessão se aprofunda
Apesar de um resultado positivo nas contas externas, indicadores seguem piorando e atingindo com mais força os setores da economia real
Na passagem de 2015 para este começo de ano, os setores que ainda não sofrem com força os efeitos da recessão econômica continuam os mesmos: o financeiro, que consegue obter lucro com prestação de serviços; o varejo farmacêutico, que teve um crescimento nominal de 9,9% em janeiro sobre dezembro; e a agricultura, que pelo bom desempenho passou a ser alvo de arrecadação do governo com uma proposta de taxação de 30%.
Sem considerar as exceções, a maioria dos setores da economia real seguem aprofundando os números negativos e as perspectivas para o futuro continuam nebulosas, segundo participantes da reunião de Conjuntura Econômica da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
A diferença é que neste ano o varejo tem sido mais penalizado pelas crises política e institucional, para as quais ainda não há sinais de resolução. A inflação ainda acelerada, o crédito em desaceleração e o aumento do desemprego e a queda na renda elevaram o pessimismo do consumidor a um patamar elevado.
No horizonte, ainda há a ameaça de aumento da carga tributária pelo governo como forma de equilibrar as contas públicas, que seguem em deterioração - com aumento da dívida e redução de receitas.
Pelo lado das contas externas, houve uma melhora - mas que ainda não atende ao setor real da economia - por ser motivada pela queda das importações, sem um incremento expressivo das exportações.
PIOR PARA O VAREJO
Com uma queda real (descontada a inflação) de 7,6% no crédito ao consumidor em 12 meses até janeiro e mais o recuo de 10,4% na massa de rendimentos no mesmo período, o consumo será fraco neste ano. Com base nesses parâmetros, a projeção é que as vendas à vista e a prazo tenham um recuo em torno de 9% em 2016.
"A contração varia de acordo com o segmento do comércio. Os que reagem de acordo com a confiança do consumidor podem acumular quedas de dois dígitos. Mas há segmentos resilientes e elásticos como o de farmácias e supermercados", diz um dos participantes.
Para os supermercados, a queda real foi de 1,3% no ano passado, algo que não ocorria desde 2006, quando o recuo real foi de 0,3%. Um representante do setor disse que a inflação pesou fortemente sobre o consumo - e ele concluiu isso após observar as mudanças no comportamento do consumidor.
O empresário disse que o tíquete médio do consumidor aumentou, mas a frequência de idas ao supermercado está em queda, com a concentração de visitas somente nos primeiros dez dias do mês - um hábito comum apenas nos anos 80, quando o país vivia sob uma grave crise inflacionária.
A inflação medida nos supermercados, disse, encerrou o ano passado em 11,33% - acima do indicador oficial, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que terminou o período em 10,67%.
As dificuldades enfrentadas pelos supermercados ainda não menores do que as de outros setores, como o de roupas e bens duráveis.
O balanço de vendas da ACSP mostra que a queda nas vendas na primeira quinzena de fevereiro foi de 17,9% sobre igual período do ano passado. Normalmente este é um mês fraco por causa da quantidade de dias úteis e do Carnaval. Em 2015, o tombo foi de 8% nas vendas.
Na avaliação de um representante de uma rede de varejo de roupas, a queda nas vendas só será estancada no último trimestre de 2017.
"Fechei 75 lojas de um total de mais de 300. Este ano pretendo fechar mais 70", afirmou. Ele disse que há muita devolução de lojas em shoppings, e já houve caso de lojista que entregou o ponto com toda a mercadoria dentro para quitar as dívidas com administradores do empreendimento. Ele diz que os custos subiram mais de 20% para os lojistas e a queda da receita está em dois dígitos, chegando a 60%.
INDÚSTRIA SEGUE NO VERMELHO MESMO COM EXPORTAÇÃO
A retração da indústria foi de 8,3% no encerramento de 2015 e ainda não reagiu à mudança de patamar da taxa de câmbio.
A alta do dólar até estimulou exportações de alguns produtos como aço, laranja, automóvel e veículos de carga, mas isso não foi o suficiente para compensar as perdas causadas pelo enfraquecimento da atividade doméstica,de acordo com outro representante do setor industrial. Ele exemplificou da seguinte maneira: se a exportação de um produto cresce 10%, a produção recua 40%.
Um representante do setor de eletroeletrônicos disse que a queda na produção física do segmento foi de 30%. Todos os itens foram atingidos, de computadores, notebooks, tablets a celulares. "O faturamento caiu menos do que a quantidade de vendas. E sem os benefícios fiscais da Lei do Bem esses produtos passaram a ser onerados pelos Pis/Cofins neste ano", afirmou.
Outros fatores que pesam para esse segmento da indústria é a importação de componentes eletrônicos em dólar. Os preços ao comércio subiram cerca de 10% no ano passado, mas ao mesmo tempo houve uma deflação de 6% nos modelos que estão saindo de linha.
Outro setor que também experimenta resultados negativos é o de embalagens, com recuo de 4,3% na produção física em 2015. O setor teve reduções mais expressivas na produção de embalagens de itens de informática (-29%) e eletroeletrônicos (-13%).
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