Crise industrial do ABC prejudica micro e pequenas empresas
Em 2015, as MEIs deixaram de vender R$ 15,3 milhões por dia - um percentual de queda de 16,9%. Foi o maior registro de perda na região desde 1999
A microempreendedora Sandra Benedetti, 38 anos, fechou 2015 de um jeito diferente. Habituada a registrar, a cada ano, crescimentode 5 a 10%, no ano passado o negócio de Sandra estancou, e o número de atendimentos em seu ateliê de costura, em Santo André, diminuiu. Ela estima que na comparação com 2014, tenha deixado de ganhar R$ 10 mil.
Além de pequenas reformas, Sandra aproveita datas comemorativas como Páscoa, Dia das Mães e Natal para oferecer opções mais baratas de presentes, que ela mesma costura, como panos de prato, aventais, nécessaires, blusas e vestidos.
“Cada ano foco em um item, e ofereço opções entre R$ 30 e R$ 50 para as clientes. Mas, em 2015 não compensou o investimento”, diz. A costureira acabou ficando com boa parte de sua produção encalhada.
Em período de recessão, Sandra sabe que não está sozinha. Ela é mais uma entre as micro e pequenas empresas (MPEs) que apresentaram recuo no ano passado.
Em 2015, as MPEs da região do Grande ABC deixaram de vender R$ 15,3 milhões por dia, de acordo com o Sebrae-SP. O faturamento delas atingiu R$ 28,9 bilhões, ante R$ 34,5 bilhões em 2014.
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Trata-se da maior queda na região desde 1999 -início da série histórica do levantamento. A desaceleração da economia, a queda no consumo das famílias, e a piora no mercado de trabalho contribuíram para o resultado ruim.
No entanto, a forte dependência na atividade industrial da região – um dos setores mais atingidos pela crise-, gera um efeito negativo ainda maior ao comércio e serviços, de acordo com Letícia Aguiar, consultora do Sebrae-SP.
Em geral, 2015 foi um ano de queda em todo o Estado. Mas Letícia destaca que no ABC a crise já vem sendo anunciada há mais tempo.
Embalados pela crise na indústria de veículos, 43.614 trabalhadores com carteira assinada foram demitidos, em 2015, nas sete cidades que compreendem o ABC. foram 14.369 cortes no ano anterior. Houve manifestações de metalúrgicos, como a da foto que abre esta reportagem.
“Diferente do restante do Estado, no Grande ABC, os números já vinham caindo ao longo dos últimos três anos. Portanto, a região já vinha de uma base de comparação mais fraca”, diz.
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De acordo com Letícia, as expectativas não são positivas para esse ano. “As micro e pequenas empresas perdem ainda mais a medida que a economia não cresce, pois elas dependem inteiramente do mercado interno”, afirma; “Apostamos em um tímida recuperação em 2017”, diz.
PEQUENOS, MÉDIOS E GRANDES
Atento à atual situação dos comerciantes, Everson Dotto, presidente da Acisa (Associação Comercial de Santo André), destaca que o cenário de pessimismo não se restringe aos micro e pequenos empresários.
Além das demissões, o setor automotivo tem dispensado temporariamente muitos funcionários com a suspensão de produção, de acordo com Dotto.
“Toda empresa ou indústria gera automaticamente um comércio em sua redondeza, como restaurantes, estacionamentos, cafés. Essas suspensões tem reduzido o faturamento de muitos estabelecimentos.”
“NÃO ACREDITO MAIS EM EMPRESA NO BRASIL”
Instalada em Santo André há 35 anos, a Aerofittings, distribuidora de mangueiras hidráulicas, não sabe como reagir ao atual momento. Com clientes fixos como Gerdau e Usiminas, a empresa já chegou a faturar R$ 4,5 milhões por ano, e a ter 170 funcionários com carteira assinada.
Helen Ramos Perin, 37 anos, diretora financeira da Aerofittings, foi preparada pelo pai desde os 15 anos para dar continuidade ao projeto de seu pai, fundador da empresa.
No entanto, nos últimos anos, ela tem assistido ao patrimônio da família ruir com repetitivas quedas no faturamento, que em 2015 ficou abaixo de R$ 1 milhão – uma queda de 53% ante o ano de 2014.
Pressionada pela baixa demanda, Helen reduziu o quadro de funcionários para 80 pessoas em 2014. Ano passado, ela chegou a dezembro com 60.
E para esse ano a expectativa não é diferente. Hoje, sem trabalho, Helen acredita que 40 funcionários seriam o suficiente para garantir a assistência dos contratos que ainda restam. “Estou com 12 funcionários em férias, e provavelmente, quando eles voltarem os colocarei em aviso prévio”, diz.
“Fui preparada toda a minha vida para a sucessão, mas se tivesse condições, fecharia as portas. Desde o início do ano tivemos que optar entre pagar impostos ou funcionários. E escolhemos pagar os funcionários.”
Há dois anos, Helen assiste a palestras em busca de uma saída para os negócios de sua família. “Não acredito mais em empresa nesse país. As pessoas só falam em aproveitar a crise para criar. Vou criar para quem? Os clientes minguaram. É tudo ilusão.”
Sem sucesso, Helen decidiu partir para um plano B, e prestou vestibular no fim do ano passado para odontologia – profissão que seu marido exerce há muitos anos. “Tenho três filhos para criar, e por enquanto vou me dividir entre a empresa e a faculdade para tentar honrar o patrimônio de meu pai”, diz.
*Foto: Thinkstock