Será que a Reforma da Previdência corre o risco de ser apenas uma “reforminha”?
Para obter o apoio de 308 deputados na votação de fevereiro, governo pode ceder à pressão dos servidores federais, que querem manter a aposentadoria integral aos que estão na ativa desde 2003
Falta ainda algum tempo, mas Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, afirmou que, se o governo tiver a segurança do apoio dos necessários 308 deputados, a Reforma da Previdência seria votada em 19 de fevereiro.
Mas a questão é saber qual reforma. Se o texto preservar os atuais direitos aos servidores públicos admitidos antes de 2003, como a aposentadoria com vencimentos integrais, não será uma reforma. Será no máximo uma reforminha.
A hipótese, que é rejeitada pela equipe econômica do governo, circula desde dezembro como fórmula conciliatória que poderia atrair o voto de deputados que hoje se opõem a essa profunda mexida no setor previdenciário.
A Secretaria da Previdência do Ministério da Fazenda calcula que a preservação do privilégio para os servidores aposentados, e mais o direito que eles hoje têm de ter reajustes semelhantes aos dos servidores da ativa, custaria a mais, aos cofres públicos, R$ 507,6 bilhões.
Beneficiaria 52% dos servidores federais – 308 mil portadores de holerites –e arrebentaria com as previsões de equilíbrio fiscal.
São números fornecidos pelo próprio Ministério da Fazenda ao jornal O Estado de S. Paulo.
Que também assinala um dado curioso. Há 267 sindicatos diretamente ligados a esse conjunto de servidores públicos. Caso cada um deles consiga convencer um deputado, a Reforma da Previdência não teria a mínima condição de ser aprovada.
UM JOGO MUITO PESADO
Diante disso, é compreensível que, durante o recesso parlamentar, o jogo de pressões permaneça num patamar muito elevado.
O Planalto entregou a articulação a Carlos Eduardo Xavier Marun, novo ministro da Secretaria de Governo, deputado federal em primeiro mandato e um dos personagens mais truculentos do Congresso, o que seria, circunstancialmente, uma grande vantagem.
Gaúcho, mas com carreira política no Mato Grosso do Sul, ele é um protótipo do chamado baixo clero, que se sobressaiu no final de 2016 como o último defensor do mandato do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), finalmente cassado em plenário e hoje cumprindo pena e prisão, pela corrupção levantada pela Lava Jato.
Aos 57 anos, sem a vivência dos emedebistas da geração de Michel Temer, Marun tomou ao pé da letra a tarefa de obter adesões à reforma.
Mas acabou atropelando a si mesmo e criando uma crise entre o Planalto e os governadores do Nordeste.
Marun declarou que condicionava a liberação de empréstimos da Caixa Econômica aos governadores que convencessem suas bancadas a apoiarem a proposta do governo para a Previdência.
Em resposta, seis governadores do Nordeste, que se sentiram chantageados, ameaçaram processá-lo na Comissão de Ética da Presidência.
Embalados na mesma esteira, sindicatos de servidores e o PT anunciaram iniciativas semelhantes.
Claro que Marun recuou, desapontando os economistas do governo que confiavam em seu “estilo troglodita” para resolver de vez a questão dos 308 votos em plenário – é o número para a aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC).
CONTAS DE CHEGAR
O problema era saber quantos deputados faltavam para chegar a essa cifra. E tudo indica que o governo andou para trás.
Em dezembro, a consultoria Eurasia –que funciona como uma espécie de oráculo político mundial – calculava que o governo já tinha 287 deputados. Ou seja, faltavam apenas 21, o que, em meio a 513 deputados federais, assinalava que não era preciso queimar o cartucho da aposentadoria integral para metade dos servidores federais para se aprovar a PEC em primeira leitura.
No entanto, um pouco antes do Natal, e em entrevista à rádio CBN, o próprio Marun afirmou que faltavam ainda “de 30 a 40 votos”.
De duas uma. Ou a planilha da Eurasia não estava afinada com a do governo, ou então o estilo Marun de fazer as coisas havia afastado adesões que já estavam certas, em vez de agregar o apoio de novos deputados.
Mais uma vez, o problema é saber se, para chegar aos 308 votos, o Executivo precisará empenhar a própria alma e dar de presente aos servidores um privilégio que comprometeria a reforma.
A questão é delicada por uma razão muito simples. Em municípios nordestinos de pequeno e médio porte, a elite econômica não é constituída por empresários do comércio ou do agronegócio.
É uma elite de servidores federais, que têm um imenso poder de barganha, ao qual os prefeitos e deputados estaduais são muitíssimo sensíveis.
E esses dois gêneros de políticos são justamente aqueles que se mobilizam para a reeleição de um deputado federal. Ou seja, um cidadão credenciado para votar no plenário na Câmara.
É assim que a política funciona. Razão pela qual existem as previsões mais pessimistas, que acreditam que o governo está diante de uma encruzilhada muito cruel.
Ou ele se mantém inflexível quanto ao funcionalismo, e não aprova reforma da Previdência nenhuma. Ou, então, aceita fazer a concessão para a aposentadoria dos que ingressaram na carreira antes de 2003. Nesse caso, a reforma terá se transformado em reforminha.
FOTO: Antonio Cruz/Agência Brasil