Os R$ 13 milhões em espécie que Marcelo Odebrecht deu a Lula
Depoimento do empreiteiro ao juiz Sérgio Moro complica ainda mais situação do ex-presidente, que, impávido, continua a declarar que é vítima de perseguição
Marcelo Odebrecht, que aceitou fazer delação premiada depois de ser condenado a 19 anos e quatro meses de prisão, virou um bom freguês no fornecimento de informações preciosas ao Ministério Público Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Nesta segunda-feira (10/04), foi a vez de ele abrir o coração ao juiz Sérgio Moro. Depôs por duas horas e meia como testemunha do processo da Lava Jato contra Antonio Palocci, ex-ministro petista da Fazenda e da Casa Civil, e preso desde outubro em Curitiba.
As confissões que Marcelo Odebrecht fez desta vez a Moro são graves. Mas apenas uma era inédita e dizia respeito ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pelas planilhas que mostrou, feitas pelo chamado Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht – em verdade, o departamento de propinas –Lula recebeu R$ 13 milhões em dinheiro vivo, entre junho de 2012 e dezembro de 2014.
Ele aparece nas planilhas com o cognome “Amigo”. A Polícia Federal sempre acreditou que a denominação pertencesse a Lula, o que agora Marcelo Odebrecht confirmou de viva voz.
Não eram depósitos em nome de “laranjas” ou em contas correntes de instituições off hores. O pagamento em cédula bancária é aquele que não deixa rastros.
O maior volume de dinheiro no menor período – R$ 3 milhões - foi entregue entre novembro e dezembro de 2012.
Esse dinheiro, a exemplo dos demais repasses, era entregue a Branislav Kontic, que aparece nas planilhas como “Programa B”.
Kontic era assessor de Palocci. Chegou a ser preso e a tentar suicídio no ano passado, em Curitiba. Sérgio Moro o colocou em liberdade para que ele se submetesse a tratamento psiquiátrico.
O dinheiro repassado a Lula não tinha origem filantrópica. Vinha da Petrobras.
Ainda nesta segunda-feira, laudo da Polícia Federal disse que 11 contratos da empreiteira permitiram o desvio de R$ 5,7 bilhões, e apenas na Diretoria de Engenharia da estatal.
Nesta terça (11/04), Lula, em entrevista a uma rádio do Piauí, disse “não ter empresário que tenha provas” de que ele pediu ou recebeu dinheiro.
Na véspera, nota do Instituto Lula também procurou negar a veracidade do depoimento do ex-presidente da Odebrecht.
O SIGILO QUE MAIS UMA VEZ VAZOU
Uma curiosidade. O depoimento de Marcelo Odebrecht se deu em sigilo judicial. Não poderia vazar. Mas acabou vazando praticamente em tempo real, com curtos informes publicados pelo site O Antagonista.
Foi com base nele que a grande mídia buscou e obteve confirmações sobre essa delação premiada. No início da noite, a informação sobre os R$ 13 milhões em dinheiro vivo já era manchete na edição online de O Globo.
Os advogados de Lula já haviam pedido reiteradamente que a Justiça anulasse depoimentos que chegaram de maneira precipitada aos ouvidos da mídia. Mas nenhuma anulação ocorreu.
A única delação importante anulada, e mesmo assim a pedido de Rodrigo Janot, o procurador-geral da República, foi a do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, outra grande empreiteira envolvida na Petrobras.
Ele narra uma conversa com o então tesoureiro do PT, Joao Vaccari Neto, sobre a contabilização, na conta do partido, com os gastos do apartamento do Guarujá, que Lula nega ter pertencido a ele e a sua mulher, Marisa Letícia, falecida em fevereiro passado.
Ao lado dos R$ 13 milhões repassados em cédulas bancarias, os demais repasses citados pelo empreiteiro já haviam sido amplamente noticiados.
Entre eles, os R$ 4 milhões em 2014, supostamente em pagamento de conferências que Lula fez no exterior a empresas junto às quais a Odebrecht tinha algum interesse.
Há também os R$ 12,4 milhões que as planilhas da empreiteira contabilizam na compra do terreno do bairro paulistano de Vila Mariana, onde o Instituto Lula deveria construir sua sede, plano engavetado depois que o próprio Lula teria dito não gostar da localização.
Marcelo Odebrecht também mencionou, em seu depoimento, os R$ 50 milhões que doou à campanha pela reeleição de Dilma Rousseff, em 2014.
O dinheiro foi entregue ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que aparece nas planilhas com o apelido de “Pós-Itália” (para não confundi-lo com “O Italiano”, cognome de Palocci).
LULA PROSSEGUE IMPASSÍVEL
Todo esse conjunto de informações comprometedoras não arrefece a disposição de Lula de mobilizar seus partidários com a tese segundo a qual o que há de verídico nessa história seria apenas o propósito de perseguição política e a tentativa de inviabilizar sua candidatura presidencial em 2016.
Ainda nesta terça, advogados do ex-presidente promoveram encontro com a mídia em Roma, na Itália, para reforçar essa narrativa.
E, entre os petistas, corre com certa intensidade os preparativos para uma caravana que iria a Curitiba, no próximo dia 3, para acompanhar o primeiro depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro.
Existe, no entanto, um pequeno senão que não se encaixa nesse roteiro. Seguem na mesa de Moro três processos em que o ex-presidente é réu.
Mas ele também o é em dois outros processos com outros juízes federais de Brasília, sob a acusação de tráfico de influência e obstrução de Justiça.
Ou seja, a tese sobre a “conspiração” comandada por Moro não faz muito sentido.
Mas muita gente leva Lula a sério. Prova disso são as pesquisas de opinião que atribuem a ele a relativa preferência na próxima disputa pelo Planalto.
E é justamente essa eleição que os dirigentes petistas usam com o propósito de fabricar a imunidade do candidato que ainda têm.
Um lançamento precoce da candidatura –pela lei, ela deveria ser lançada apenas em junho do ano que vem – funcionaria como um habeas corpus antecipado para que o ex-presidente não seja preso.
FOTO: Antônio Melo/Marcelo Camargo/Estadão Conteúdo/Gazeta do Povo e Agência Brasil