Jogaram cascas de banana para Temer escorregar
Dilma aumenta o Bolsa Família e corrige tabela do IR; PT se prepara para acusar o virtual presidente de insensibilidade com os mais pobres
Mesmo com os cofres vazios, Dilma Rousseff criou despesas de R$ 11 bilhões, porque sabe que a fatura deverá ser paga por Michel Temer.
Ela aumentou em 9% o Bolsa Família e corrigiu em 5% a tabela do Imposto de Renda.
A situação do Tesouro é dramática. O governo opera com uma previsão de déficit, para este ano, de R$ 96 bilhões. O buraco orçamentário nos últimos 12 meses está próximo de R$ 142 bilhões.
As duas “bondades” da ainda presidente – ela deve ser afastada do cargo pelo Senado na quarta-feira, 11– foram anunciadas domingo, em São Paulo, durante ato público da CUT pelo Primeiro de Maio.
Ao discursar, Dilma insinuou que o atual vice-presidente pretendia retirar o Bolsa Família de 36 milhões de beneficiados diretos ou seus familiares.
Mas a verdade é justamente o oposto. Temer havia programado o anúncio nesta segunda-feira (02/05) do programa “Travessia Social”, com o anúncio de que o Bolsa Família seria preservado, com a vantagem suplementar de aumento maior para os 5% dos beneficiários mais pobres.
O programa foi elaborado por Moreira Franco, braço direito do vice-presidente, que tinha reunião marcada para as 16h desta segunda no palácio Jaburu, para a qual também estavam convocados o virtual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente nacional do PMDB, Romero Jucá.
Jucá havia advertido Temer de que Dilma não tem “espírito republicano” e que ela, com a obsessão pela ideia de que é vítima de um “golpe”, estaria disposta a prejudicar ao máximo o trabalho do sucessor.
O núcleo ao redor do vice-presidente não critica o aumento do Bolsa Família (gastos a mais de R$ 5 bilhões), o que o próprio futuro governo contava decretar.
Moreira Franco, em mensagem nas redes sociais, disse que “o povo não é bobo” e que percebeu a manobra da quase ex-presidente. Ela havia reajustado o Bolsa Família pela última vez em junho de 2014, quando, e não é por mera coincidência, preparava-se para a campanha eleitoral pela reeleição.
Moreira não mencionou em sua mensagem o aceno de Dilma à classe média, por meio do reajuste da tabela do IR.
Acontece que essa brincadeira, que hoje custaria R$ 6 bilhões em queda da arrecadação, não pode ser baixada por Medida Provisória. Precisa de um projeto a ser aprovado pelo Congresso.
É óbvio que Dilma não tem nem mais tempo e nem a maioria necessária para tal votação. Jogou o assunto no colo do sucessor. Que poderá, por exemplo, compensar a correção da tabela com uma alíquota suplementar do IR (acima dos 27,5%, que são hoje o teto).
Em tempo: Dilma também não tem a mínima possibilidade institucional de levar adiante o plano estapafúrdio de convocar eleições presidenciais para outubro.
A questão é juridicamente controvertida, mas na melhor das hipóteses dependeria de emenda constitucional. Ou seja, de dois terços dos votos na Câmara e no Senado.
O fato é Temer precisará se desviar das cascas de banana que a ainda presidente tem atirado no caminho dele. A principal diz respeito justamente às políticas sociais.
O Partido dos Trabalhadores acredita ter o monopólio nessa questão. Tanto isso é verdade que “apagou a História” do Bolsa Escola, um dos programas dos quais o Bolsa Família é sucessor. E que, em 2002, tinha 4,5 milhões de famílias cadastradas.
Pela mesma lógica, a ideia é de mobilizar o que resta de militância no partido para acusar Temer de “neoliberalismo” e insensibilidade social.
Tal sentimento é esperado em razão dos cortes orçamentários que deverão atingir todas as áreas do governo, para a obtenção do equilíbrio fiscal e, a médio prazo, a retomada do crescimento econômico.
Mas eis que os cortes nessas mesmas políticas sociais já vigoram e foram determinados pela própria presidente.
Prova disso é a análise comparativa dos orçamentos de 2015 e 2016, já descontada a inflação pelo IPCA, em números da assessoria técnica do DEM, no Congresso, e que O Globo publicou domingo (01/05).
Eis alguns números. Na construção de creches com participação federal, a queda foi de 87%. Minha Casa Minha vida perdeu 74% das verbas. No Pronatec (ensino técnico, e uma das vitrinas da campanha petista de 2014), a queda é de 59%.
Quanto ao Bolsa Família, o programa registra queda de 5,7% (de R$ 30,4 bilhões para R$ 28,7 bilhões).
O Fies, bolsas para o ensino superior, emagreceu em 5%, enquanto o Ciências Sem Fronteiras (bolsas de pós-graduação no Exterior) não seleciona candidatos desde 2014, quando Dilma foi reeleita.
O resumo da ópera é então o seguinte: sim, Temer com certeza cortará nos programas sociais; não, ele não estará fazendo algo monstruoso, mas apenas seguindo uma tendência que a própria Dilma adotou.
FOTO: Clayton de Souza/Estadão Conteúdo