Impeachment está em banho-maria e com fogo baixo
Desfecho da crise política continua incerto, e com isso a economia prolonga para 2016 o pessimismo da recessão
Um grupo acampado em frente ao Congresso, em Brasília, pede o afastamento da presidente Dilma Rousseff, e a greve dos caminhoneiros, em no mínimo oito Estados, também levanta nesta segunda-feira (09/11) a mesma reivindicação. Mas, apesar desses sintomas espasmódicos, é como se a ideia de impeachment estivesse precocemente envelhecida.
Ela nunca foi uma unanimidade entre os descontentes com o Partido dos Trabalhadores e com a reeleição da presidente em 2014. Sobretudo pelas turbulências na economia que o impeachment poderia provocar, o que levou o empresariado a uma posição de maior prudência.
Dilma está exposta a dois pontos de vulnerabilidade. Existem de um lado as “pedaladas fiscais”, em que o governo foi derrotado no TCU (Tribunal de Contas da União) e que entraram numa lenta tramitação no Congresso.
E, de outro lado, o Superior Tribunal Eleitoral (STE) verifica se a campanha de Dilma foi beneficiada pelo desvio de dinheiro da Petrobras.
Há um conjunto de razões para a queda da temperatura registrada durante as grandes manifestações de rua, de maio e de agosto, que pediam a saída dela.
O Planalto foi bem-sucedido na operação pela qual polarizou com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, ele próprio envolvido em corrupção explícita, mas a quem cabe encaminhar o pedido de impeachment peticionado por Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo.
A polarização consistiu em levar a crer que os partidários do impeachment estavam do lado de Cunha, e que os defensores da moralidade pública se posicionavam naturalmente do lado de Dilma.
O meio-de-campo já estava confuso, sobretudo porque parte da oposição no Congresso evitava trombar com Cunha, comportamento parecido de parte dos governistas, que, no entanto, tinham motivação inversa: impedir que Cunha desse o chute inicial para o afastamento da presidente.
Agregou-se nova confusão a esse cenário, com os protestos dos movimentos feministas contraCunha, inconformados com o projeto em tramitação do deputado que aumenta a criminalização do aborto.
As mulheres que saíam às ruas apenas criticavam o presidente da Câmara ou também, e ao mesmo tempo, defendiam a presidente da República? Nova ambiguidade favorável ao governo.
Enquanto isso, Eduardo Cunha se fragilizava em razão das provas que apareciam contra ele (os depósitos de milhões de dólares na Suíça) e pela falta de consistência nos argumentos com os quais procurou se defender (exportação de carne enlatada ao Gabão).
Eleito pela primeira vez deputado federal em 2002 – na mesma eleição que levou Lula à Presidência – Cunha recebeu por meio dos desvios da Petrobrás uma régia remuneração por controlar deputados da base aliada, de dentro e de fora do PMDB. Permanecem nebulosos, no entanto, os mecanismos que o corromperam. Com certeza atuaram os mesmos cérebros investigados pela Operação Lava Jato.
Teoricamente, Cunha pode, de uma hora para outra, desencadear na Câmara o processo de impeachment. Suas hesitações em aplicar o Regimento Interno alimentam a narrativa sobre a existência de um acordo, entre ele e o Planalto, para que Dilma tenha o mandato preservado, em troca do mandato dele.
Quanto à apreciação pelo Congresso do parecer unânime do TCU sobre as pedaladas fiscais, estamos no seguinte ponto: Renan Calheiros, dono do cronograma, deu no final de outubro 45 dias para que o Planalto se defenda. Por mais que a defesa já tenha sido entregue, a ideia é postergar a questão até o recesso (22/12) e deixar o assunto para 2016.
No TSE, o presidente da Corte, Dias Toffoli, que já foi assessor jurídico de José Dirceu, na Casa Civil da Presidência durante o primeiro mandato de Lula, designou o julgamento de Dilma (e de Michel Temer, vice dela na mesma chapa) para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, a mesma que, no início do ano, defendera o arquivamento da denúncia sobre a origem comprometedora dos fundos da campanha pela reeleição.
A decisão de Toffoli foi discretamente comemorada pelo governo e pelo PT, por mais que outro ministro do TSE, Gilmar Mendes, muito mais crítico ao governo, tenha em seguida declarado que o tribunal tinha plena condições para um julgamento isento.
Em resumo, são muitas frentes e todas elas sem uma versão linear, que permita previsões mais sólidas quanto ao tempo ou o desfecho.
Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo