Planalto coloca sob suspeição o ministro Augusto Nardes, em processo que pode reprovar, por pedaladas fiscais, as contas do governo de 2014
| Ex-correspondente da Folha de S.Paulo em Paris, é autor "Jornalismo Internacional" (Contexto)
A presidente Dilma Rousseff mais uma vez atravessou a rua para pisar numa casca de banana na calçada do lado oposto. Nesta segunda-feira (05/10) ela pede que o Tribunal de Contas da União (TCU) substitua Augusto Nardes, ministro-relator no julgamento das contas do Executivo de 2014.
Nardes teria antecipado o voto que daria na quarta-feira (07/10), argumentaram no domingo, em entrevista conjunta, os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, do Planejamento, Nelson Barbosa, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
Sintomaticamente, Joaquim Levy, ministro da Fazenda, não participou da entrevista. O governo é acusado pelo TCU de ter cometido pedaladas fiscais, tema que está na alçada da Fazenda e contra as quais Levy sempre se posicionou.
As pedaladas são um dos calcanhares de Aquiles da presidente da República. Um parecer do TCU que reprove suas contas, se receber a maioria dos votos no plenário da Câmara dos Deputados, poderia desencadear o processo de impeachment.
Ao se colocar mais uma vez na defensiva, o Planalto dá a entender que permanece vulnerável à ação desencadeada no Congresso pelos parlamentares da oposição, e que conta com o apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
As pedaladas fiscais não foram um episódio menor em 2014, ano em que a presidente gastou em excesso, com um olho em sua reeleição. Por cálculos oficiosos, ela forçou bancos públicos a dispenderem R$ 20 bilhões, sem ter esse dinheiro no Orçamento.
No Congresso, como previsível, a oposição reagiu contra o cenário. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) disse que a iniciativa é uma “afronta à democracia”. Os governistas apoiaram a iniciativa do Planalto.
Dilma partiu para cima de Augusto Nardes apenas dois dias depois de uma dolorosa reforma na estrutura do governo, que deu sete ministérios a diferentes facções do PMDB, para que a bancada daquele partido bloqueie em plenário tentativas de abreviar o mandato dela.
Tudo indica que, apesar da queda na qualidade de gestão do governo por meio da entrega de ministérios ao chamado “baixo clero”, a presidente não tem certeza de contar com a maioria dos deputados.
Estimativas que vazaram de dentro do próprio TCU indicam que a totalidade dos nove ministros tendem hoje a votar pela reprovação das contas de Dilma. Caso a corregedoria daquele tribunal se negue a afastar o relator, o Planalto procurará ganhar tempo por meio de um outro recurso: recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O TCU é um órgão auxiliar do Legislativo. Não faz parte do Judiciário. É um dos motivos pelos quais o Partido dos Trabalhadores e seus aliados acreditam que as pedaladas não sejam uma plataforma o bastante sólida para o impeachment da presidente.
PROCESSO NO TSE
Uma segunda plataforma, desta vez de consistência inquestionável, está no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde são julgadas as contas da campanha presidencial de Dilma e a veracidade das delações premiadas da Operação Lava Jato, segundo as quais elas foram abastecidas pela corrupção nos contratos da Petrobras.
O governo conta para o TSE com manobras protelatórias, como a da ministra Luciana Lossio, que entre 25 de agosto e 17 de setembro pediu vistas do processo e o imobilizou em seu gabinete. Lossio foi advogada do PT e é pessoa de confiança de Dilma.
Dentro desse imbróglio, restam duas outras variáveis. A primeira está na aposta que o governo faz sobre a saída de cena de Eduardo Cunha, implicado em denúncias de corrupção pela Lava Jato e que mantinha US$ 5 milhões em contas na Suíça, como revelou na semana passada o Ministério Público daquele país.
Ora, segundo a coluna Radar Online, da revista Veja, Cunha está consciente de que pode cair. Mas teria dito a um outro congressista que “poderemos cair os dois, mas ela [Dilma] cairá primeiro.
A propósito, a revista Piaui divulgou nesta segunda-feira que em 1996 o então presidente Fernando Henrique Cardoso se recusou a nomear Cunha para uma das diretorias da Petrobras, em razão de suspeitas sobre seu comportamento ético.
LULA CONTRA LEVY
A outra variável é a do próprio ajuste fiscal, que atravessa, como conjunto de projetos, momento de fragilidade. Isso não acontece apenas pela incerteza do governo quanto à aprovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras) ou tributo equivalente. Ocorre também pelas dúvidas sobre a longevidade de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda.
Na semana passada, informantes do primeiro escalão do PT fizeram circular a informação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria se mobilizando para derrubar Levy – o grande bode expiatório do partido, apontado absurdamente como o pai da recessão econômica – e substitui-lo por Henrique Meirelles, presidente do Banco Central durante seus dois mandatos presidenciais.
O problema é que Lula, se atirar contra Levy para agradar o PT, acabará acertando o mercado, que pede apenas estabilidade e volta ao clima de confiança para que um novo fôlego permita enxergar o fim da crise econômica.
Levy, em conferência no Rio (05/10), voltou a defender a aprovação da CPMF.
Nesta segunda-feira pela manhã o índice Bovespa estava em alta, e o dólar, em queda, por mais que o otimismo tenha sido gerado pelo acordo comercial entre os Estados Unidos, Japão e outros países asiáticos. Ou seja, nada de tempestades no cenário imediato. Mas no horizonte distante há muita nuvem carregada, que chega dos lados do TCU e do TSE.
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