Congresso abre balcão de negócios para aprovar novo rombo fiscal
Mas deputados e senadores estão mais preocupados com a "reforma política", que vai pôr as mãos no bolso do Tesouro, para obter R$ 3,6 bilhões que financiariam as eleições de 2018
Com um presidente da República enfraquecido, deputados e senadores já começaram a preparar o balcão de negócios para obter vantagens em troca da aprovação do aumento do buraco do Orçamento.
Ele estava calculado em R$ 139 bilhões, mas saltou para R$ 159 bilhões, conforme anunciado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento na noite de terça-feira passada (15/08).
O pacote foi encaminhado à Comissão Mista, onde, no entanto, deputados e senadores estão agora com outras prioridades.
Isso porque os cérebros do Congresso ruminam a reforma política, que deve ser sancionada, para entrar em vigor, no máximo até 7 de outubro –um ano antes do primeiro turno das eleições de 2018.
O cronograma do governo é outro. Ele precisa da aprovação do pacote – apenas R$ 2,6 bilhões dos cortes de gastos e aumentos de receita podem ser obtidos sem aprovação parlamentar – para não incorrer na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ninguém acredita que a Câmara e o Senado deixarão de aprovar o aumento em R$ 20 bilhões do déficit fiscal.
Mas isso ocorrerá segundo uma dupla lógica: a prioridade será definida pelo Congresso, e os parlamentares exigirão cargos e verbas para cumprirem seu papel.
O assunto é espinhudo. Poderia ter entrado na pauta nesta quinta-feira (17/08), se o plenário da Câmara tivesse votado, na véspera, o relatório da reforma política, negociada em comissão especial pelo deputado petista Vicente Cândido (SP). Mas isso ficou para a semana seguinte.
O texto prevê, em meio a outras barbaridades, um fundo “democrático” de R$ 3,6 bilhões para o financiamento das campanhas eleitorais do ano que vem –serão eleitos dois terços dos senadores, governadores e mais todos os deputados federais e estaduais.
O cálculo para se chegar a essa cifra, que o contribuinte obviamente financiará, leva em conta 0,5% da arrecadação da União. O número pode baixar (fala-se em abatimento de R$ 1,6 bilhão).
Seria um jeito de cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal, que em 2015 proibiu o financiamento das campanhas por doadores privados. Leia-se: doadores em grande parte corruptores, conforme profundamente demonstrado pela Lava Jato.
A reforma política poderia também instituir, teoricamente, o “distritão”, sistema pelo qual parlamentares são eleitos apenas pelo número de votos de cada candidato, sem levar em conta a votação dos partidos ou coligações, para o cálculo do quociente eleitoral.
A jabuticaba em discussão permitiria, desde quarta-feira, que fosse considerado também o voto na legenda, a ser distribuído equitativamente entre os candidatos de determinado partido.
O bloco evangélico, que já tem 85 dos 513 deputados federais, está vibrando porque acredita que dará um salto quantitativo.
DUAS PRIORIDADES PARALELAS
Mas essa é a questão para o Congresso mais urgente. Para o governo, a urgência estaria nas dez medidas para o corte de gastos e para o aumento de receitas –como o aumento da contribuição previdenciária dos servidores públicos e o congelamento por 12 meses dos reajustes que eles receberiam.
O Planalto já separou um pacotinho de biscoitos para engraxar a má consciência do Congresso. Seria R$ 1 bilhão a mais para o pagamento de emendas parlamentares –manobra denunciada pelo senador Tasso Jereissati, presidente do PSDB, mas negada pelo Planalto.
Não é, no entanto, nas emendas que estão os nós fisiológicos do problema. Eles estão nos cargos do segundo escalão do Executivo, com relativa autonomia de verbas e influência.
É sempre uma conta impossível de chegar. Deputados calculam que o governo lhes deve perto de 50 cargos, como recompensa pela votação que derrubou a denúncia da Procuradoria Geral da República. Aquela em que Michel Temer era acusado de corrupção passiva, no caso Joesley Batista.
Em se tratando do chamado centrão, a reivindicação também cobria os ministérios do PSDB, partido que se dividiu (21 a 20) no apoio ao presidente.
Seria preciso desalojar indicações de aliados para alojar indicações de outros aliados. É uma engenharia complicada.
É uma maneira de dizer que o balcão de negócios precisa ser reaberto para que a política funcione, num momento de extrema debilidade de Temer.
Há um ano ele poderia contar com 380 deputados na Câmara. Hoje, depois do “efeito Joesley”, os incondicionais caíram para 150, com acréscimos circunstanciais e bem fisiologicamente negociados.
É uma maneira de dizer que a relativa austeridade fiscal –e falamos de um buraco de R$ 159 bilhões – tem um custo mais elevado para governantes com menos músculos e menor credibilidade.
Isso para não falar do engavetamento, que não é assumido por gregos e troianos, da grande joia da coroa do atual presidente, que seria a Reforma da Previdência.
Pois é então nesse clima que Temer e o Congresso se preparam para um jogo que, segundo um deputado ouvido pela CBN, “pode até durar quatro meses”.
Os mesmos deputados que votaram o impeachment de Dilma Rousseff por pedaladas fiscais agora sabem que o presidente poderá incorrer em crime fiscal parecido (gastar mais que arrecada).
Em resumo, o espetáculo apenas começou.
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