Campanha nas redes sociais tentam abater legitimidade de Temer
Presidente em exercício é visto pejorativamente como um usurpador da Presidência, machista, inimigo da cultura e chefe de um governo que abriga envolvidos na Lava Jato
Se dependesse das redes sociais e das declarações de dirigentes do Partido dos Trabalhadores, o presidente em exercício Michel Temer seria imediatamente preso e transportado dentro de uma jaula em via pública, para receber os ovos e tomates podres que já está recebendo verbalmente.
A campanha é simples e o raciocínio mais primário ainda. Já que ele substituiu Dilma Rousseff por meio de um “golpe”, ele tem com relação aos poderes da República uma função de “usurpador”.
A palavra é forte, mas foi utilizada na semana passada pelo governo de Cuba, em nota a organismos internacionais em que pede que o ex-vice não seja tratado como interlocutor e representante institucional do Brasil.
A usurpação política está no imaginário ocidental por motivos que nos chegam das monarquias da alta Idade Média. Foi com base na lenda de que Ricardo Coração de Leão (1157-1199) teria tido o trono inglês usurpado pelo irmão, enquanto comandava a 3a cruzada, que se teria formado uma resistência rural comandada por Robin Hood.
A história é totalmente fantasiosa. Robin Hood nunca existiu, e os primeiros poemas que o mencionam datam apenas de 1422. Mas ele encarna uma suposta operação de lavagem da honra, sentimento que, segundo Montesquieu, sustentava eticamente as linhagens monárquicas.
Temer entra na narrativa do PT como aquele que chegou ao poder sem os votos que Dilma legitimamente recebeu. É bem verdade que os 54 milhões de votos dela foram também os 54 milhões de votos dele, como candidato a vice-presidente, mas o detalhe é irrelevante para quem procura circular a versão.
A usurpação traz consequências práticas palpáveis. A CUT, por exemplo, recusa-se a discutir a reforma da Previdência com Temer, nesta segunda-feira (16/05) porque ele é “ilegítimo”. O mesmo termo foi repetido horas antes pela direção nacional do PT.
Mas a campanha se dá, com maior intensidade, nas redes sociais, um território rico em efeitos emocionais e com poucos compromissos com a verdade.
Temer não criou um Ministério da Cultura? Pois ele é então partidário da burrice. Pouco importa que países como a Alemanha e os Estados Unidos também não tenham um ministério para o setor e que, neles, a cultura seja maravilhosamente densa e plural.
O presidente em exercício não nomeou uma mulher para o ministério? Cometeu um erro sério de marketing administrativo. Mas a intenção de nomear mulheres como “secretárias” foi objeto de um intenso besteirol.
Secretária, na tradição administrativa brasileira, é uma vice-ministra que trata de um setor da administração pública. E não aquela que atende o telefone e manda trazer cafezinho para as visitas.
Pois foi desviando a palavra para essa segunda significação que as “secretárias” de Temer circularam nos comentários das redes. Que também – por meio de um inspirado jornal satírico online – disseram que o presidente, pensando nelas, ampliaria o espaço da cozinha do palácio do Planalto.
Em resposta ao suposto machismo do presidente em exercício, circula na rede uma reprodução da Santa Ceia – por certo o mais conhecido afresco de Leonardo da Vinci, pintado em Milão em 1498 --, com uma inscrição baseada no politicamente correto. “Que absurdo, nenhuma mulher, nenhum negro!”
Se Temer, em seu primeiro discurso, disse – “Não pense em crise, trabalhe!”, imediatamente a frase circulou ao lado do dístico hediondo e repulsivo fixado à entrada do campo de Auschwitz (“Arbeit macht frei”, ou o trabalho liberta), como se fossem a mesma coisa.
Golpe bem mais baixo é o que consiste em reiterar que “sete ministros” do novo governo estão implicados na Lava Jato. Em verdade, um único é investigado (Robero Jucá, do Planejamento), o que já é intolerável, e três outros foram citados em delações que estão sendo investigadas. Está abaixo da média de todos os ex-ministros de Dilma desde 2011. São ao todo 17 citados pela mesma Lava Jato.
Esse conjunto de reações de motivação rasteira nada têm a ver com o civismo dos que se sentem enlutados pela queda de Dilma.
São pessoas que exerceram na noite de domingo o direito à livre manifestação – e por isso são respeitáveis – ao baterem panelas enquanto Temer dava entrevista à TV Globo, ou que saíram às ruas em manifestações em São Paulo, Brasília, Curitiba, Florianópolis e Belo Horizonte.
O fato é que temos em poucos dias a amostragem de um tipo de oposição que será exercida até dezembro de 2016. Talvez sem a mesma intensidade, já que parte dela chega da chamada “esgotosfera” – os blogs financiados pelo antigo governo e que o atual governo já anunciou que não financiará.
Mesmo assim, resta perguntar se Temer terá sua legitimidade arranhada pelas ruas, pelos três partidos incondicionais de Dilma (PT, PC do B e PDT) ou pela internet.
Por enquanto, o presidente tem um capital de confiança de tamanho aproximadamente oposto à taxa de rejeição de Dilma e aos partidários do impeachment.
Quanto a saber se a confiança perdurará, tudo depende do êxito ou do malogro de um governo que apenas acaba de começar.
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