A crise não é institucional. É política
Temer está no meio de um furacão que não abala o equilíbrio entre os Três Poderes, mas ameaça a possibilidade de que termine seu mandato de mais dois anos
O Brasil está em crise. Mas a crise é política, e não institucional.
As instituições funcionam. Não há nenhum fator determinante e inevitável que defina um cronograma em contagem regressiva para a saída antecipada do presidente Michel Temer.
A normalidade institucional foi comprovada ainda nesta terça-feira (13/12), com a aprovação em segunda leitura, pelo Senado, da PEC 55, que limita por 20 anos a expansão dos gastos da União. O novo dispositivo da Constituição deve ser promulgado em dois dias.
Mas não há uma paralela normalidade política. E aqui vai um exemplo: no momento em que a PEC era objeto dos últimos embates em plenário, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) declarava aos jornalistas que o presidente Michel Temer deveria renunciar, porque “ninguém governa sem o apoio popular”.
Caiado não tem o perfil de um carbonário e não adere às pirotecnias desencadeadas pelo PT, PC do B ou Psol, como maneira de marcar a identidade oposicionista.
Ele é um parlamentar austero, e também propõe que deputados e senadores entreguem seus cargos se submetam antecipadamente ao eleitorado. É algo inviável. Os mandatos eletivos não têm vocação para o suicídio.
Mas a declaração de Caiado é um sintoma do desajuste político – e não institucional – que o país vem atravessando.
As instituições sobrevivem sem a popularidade elevada dos governantes, sem crescimento na economia e com as pressões, mesmo exacerbadas, dos grupos com interesses contrariados – como os servidores públicos do Rio de Janeiro, diante da inadimplência daquele Estado.
É mesmo provável que tais manifestações ganhem escala nacional no momento em que o Congresso estiver discutindo a reforma da Previdência.
É um tema que diz respeito, individualmente, a todo assalariado. E a mudança do modelo proposta pelo governo quebra a expectativa de direito de boa parte da população.
O fato de grupos se manifestarem, mesmo de maneira ruidosa, é algo próprio à democracia. Entre 2015 e 2016, os gigantescos atos públicos pelo impeachment não provocaram nenhum arranhão às instituições democráticas. Ao contrário, eles a reforçaram, se fortaleceram.
Mas foram também o reflexo de uma profunda crise política que interrompeu o mandato de Dilma Rousseff.
PROJETO DE PODER SÓ NO VAREJO
As diferenças entre ela e Michel Temer são profundas em termos de projeto de poder. A então presidente esquentava a cadeira do Planalto, em seu segundo mandato, para que o ex-presidente Lula procurasse em 2018 se eleger pela terceira vez.
Temer e o pequeno grupo de peemedebistas que o cercava havia elaborado “Uma Ponte para o Futuro” (outubro de 2015) para tranquilizar com propostas liberais de governo os setores da sociedade que queriam o afastamento da então presidente.
Nos meses que se seguiram ao 31 de agosto – quando o Senado votou o impeachment por 61 votos a 20 – e mesmo antes disso, quando Temer já exercia interinamente a Presidência, a “Ponte para o Futuro” se tornou uma imagem pálida e perdeu o ímpeto liberal que transportava.
Em nenhum momento Temer obteve nos institutos de pesquisa uma grande popularidade pessoal. Ele se tornara o simples chefe de uma equipe de prestadores de socorro a uma economia que afundava em seu próprio desequilíbrio fiscal.
Mas Temer padeceu – e mais uma vez se trata de política, e não de instituições – das sucessivas quedas de seus homens de confiança, num processo em que Geddel Vieira Lima e o imóvel da cidade de Salvador foram a mais grotesca das caricaturas.
Sem pulso ou desprovido de um projeto no atacado com o qual negociaria concessões no varejo do Congresso, o presidente perdeu reputação, não nas ruas, que jamais haviam se mexido para apoiá-lo, mas entre agentes da decisão – informativa, empresarial.
AS DUAS IMAGENS DA LAVA JATO
E tudo isso sob o pano de fundo da Lava Jato, cuja particularidade maior é a de não dar imunidade definitiva a nenhum grupo partidário.
De certa maneira, a Lava Jato, com sua mira republicana e na diversificação extrema de seus alvos, foi bem mais que um instrumento institucional em que o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal se uniram para uma operação de dimensões inéditas de combate à corrupção.
O que a Lava Jato também reforçou, por meio de prisões e delações premiadas, foi a imagem muito ruim e pouco confiável que a sociedade tradicionalmente sempre teve dos políticos, vistos como conjunto de pessoas que se moviam menos por ideias e mais por motivação pecuniária.
Mais uma vez, essa espécie de auto de purificação social atingiu a política e não as instituições. Estas estariam gravemente comprometidas se houvesse no horizonte algum colapso de suas estruturas de funcionamento, como aconteceu recentemente com o Judiciário na Venezuela ou, por aqui e há bem mais tempo, com o Poder Executivo nas vésperas da Revolução de 30.
As instituições brasileiras permanecem sólidas. Há disfunções? Obviamente que sim, como o fato de o STF não existir mais como um colegiado, mas sim como um espaço de personagens quase autônomos, cujas decisões autocráticas representam 93% das sentenças que deles saem.
Ou então a morosidade de um TSE, até hoje incapaz de determinar se foi lícita a vitória da chapa que venceu a disputa pela Presidência no final de 2014.
Há também disfunções agravadas pela recessão e que impedem que os poderes públicos, descapitalizados, cumpram suas atribuições em áreas básicas como a saúde, a educação e a segurança.
Mas as instituições democráticas permitem que essas e outras questões estejam presentes às pautas de discussão parlamentar ou eventualmente saiam às ruas, em sinal de desespero ou protesto.
A democracia funciona. Ela é institucionalmente forte. A fraqueza é política, e quem está agora no centro dessa fraqueza atende pelo nome de Michel Temer.
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