O discurso de Bolsonaro e o aniversário do impeachment
O discurso foi tão complexo que seus aliados, seguidores, admiradores e até os chamados “bolsominions” ficaram divididos. O discurso foi bom? Foi ruim?
“Nesse dia de gloria para o povo brasileiro, tem um nome que entrará para história nessa data, pela forma como conduziu os trabalhos nessa casa. Parabéns presidente Eduardo Cunha! Perderam em 1964. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula que o PT nunca teve. Contra o comunismo! Pela nossa liberdade! Contra o Foro de São Paulo! Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo Exército de Caxias! Pelas nossas Forças Armadas! Por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!” (Jair Bolsonaro em 17/04/2016).
Ontem (31/08) se completou um ano desde que a perda de mandato de Dilma Rousseff foi formalmente concretizada.
Foi uma data duplamente feliz para mim, uma vez que ontem comemorei mais uma primavera e, como opositor do PT, comemorei também a queda do pior governo do Brasil de todos os tempos.
Foi o Senado Federal que finalmente aprovou o impeachment em 31 de agosto do ano passado. No entanto, foram os vários discursos na Câmara dos Deputados - no processo que iniciou o processo de afastamento – que entraram para história.
Um discurso interessante foi aquele proferido pelo deputado Marco Feliciano, que citou o filósofo Olavo de Carvalho - que contribuiu muito para a quebra da hegemonia cultural e intelectual do PT - e considerou o PT como “Partido das Trevas”, caracterizando exatamente o que o PT é. “Das trevas” não só sob o ponto de vista do ataque à religião da maioria da população brasileira, mas também porque só trouxe escuridão para o Brasil desde que assumiu o poder em 2003.
Alguns deputados dedicaram o voto às suas famílias; outros atacaram as elites e acusaram o impeachment como “golpe”; e houve ainda outros dedicando seus votos aos guerrilheiros terroristas das décadas de 60 e 70.
No entanto, o discurso mais polêmico foi mesmo o do deputado federal e pré-candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro.
O discurso foi tão complexo que seus aliados, seguidores, admiradores e até os chamados “bolsominions” ficaram divididos. O discurso foi bom? Foi ruim? Numa ocasião com alta audiência no qual o deputado estaria em cadeia nacional, o momento foi bem aproveitado?
Vamos, então, ao exame do discurso de Bolsonaro, que está no topo do artigo. O que pretendo fazer é uma análise politica e histórica do discurso. A minha análise não será isenta. Não se pode ser isento entre uma mentira e uma verdade. Você deve sempre estar do lado da verdade dos fatos. Portanto, tentarei ser justo e não isento.
Em primeiro lugar, Bolsonaro dá os parabéns ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Alguns indagaram: como um deputado que se orgulha tanto em nunca ter sido envolvido em corrupção pode ter elogiado Cunha?
Ora, elogiar um ato específico não quer dizer que se está elogiando todos os atos daquela pessoa ou assinando embaixo de tudo que a mesma tenha feito ou venha fazer no futuro.
Bolsonaro estava elogiando o óbvio: a postura reativa de Cunha aos projetos totalitários do PT. Cunha foi a maior oposição que o PT encontrou naqueles então 13 anos de governo.
Sem o “malvado favorito” Cunha, o impeachment não teria sido possível. Cunha foi um dos artificies e figura fundamental do impeachment, pois foi quem reuniu o chamado “Centrão” e o “baixo clero”, garantindo sua própria eleição à presidência da Câmara, submetendo o PT a uma grande derrota pós-eleições de 2014.
Aquela altura, o PT lançou candidato próprio e queria o controle da Câmara mesmo não sendo o partido com mais cadeiras na Casa. Ao perder, partiu para o ataque à Cunha. Ou seja, foi o rompimento desse acordo tácito pelos petistas, que possibilitou que Cunha levasse o PMDB a um caminho sem volta para romper com o PT e destruir a aliança que permitiu a governabilidade e as eleições sucessivas de Lula e Dilma.
O presidente Temer, em uma entrevista, avaliou essa situação e disse que caso o PT tivesse negociado melhor com Cunha e não o confrontado seguidas vezes, o impeachment não teria sido realizado. E ainda estaríamos com a “mulher sapiens” como presidente.
Fora isso, não podemos esquecer que Cunha fez avançar rapidamente uma agenda mais conservadora para barrar as pretensões petistas, tais como a “PEC da Bengala”, a desestruturação do famigerado "Estatuto do Desarmamento", dentre outros projetos muito importantes do ponto de vista de Bolsonaro. Sendo assim, elogiar a conduta de Cunha durante o impeachment faz todo o sentido.
Ao voltar no tempo e falar que “perderam em 1964, perderam agora em 2016”, Bolsonaro contextualiza a verdadeira batalha que está em jogo: o contínuo assalto do Brasil pelas vertentes de esquerda, com seus projetos totalitários socialistas.
Há uma linha de ação coerente da esquerda desde a década de 1960 e aqueles mesmos que eram os guerrilheiros da época, são os mesmos que hoje promoveram o desastre no qual nos encontramos. Ou seja, o combate de 1964 era o mesmo dos dias de hoje.
A meu ver, Bolsonaro só errou na caracterização: se, em 1964, a esquerda sofreu um duro revés, ela se manteve atuante o suficiente para preparar seu posterior reerguimento após a democratização da década de 1980. E em 2016 e ainda hoje, a batalha está longe de ser decidida.
Bolsonaro faz então uma defesa da família e relembra um episódio que marcou sua trajetória de combate ideológico no Congresso, ou seja, o seu confronto acirrado contra o chamado “kit gay”, um material escolar aprovado pela secretaria de educação petista que propunha utilizar conteúdo “didático” com sexo explícito e promoção de condutas sexuais diversas para crianças de até 6 anos de idade. Graças à atuação de Bolsonaro, o assunto ganhou grande repercussão nacional e atraiu repúdio da opinião pública, derrotando o projeto.
Ao falar “contra o comunismo, pela liberdade e contra o Foro de São Paulo”, o deputado lembrou algo óbvio: o PT é um partido comunista (leninista na estrutura hierárquica e gramsciano na ação) e fundou o Foro de São Paulo, sendo o principal partido no comando das decisões estratégicas da maior organização latino-americana de esquerda.
Ou seja, ele estava nomeando corretamente os verdadeiros inimigos do Brasil naquele momento. O comunismo como filosofia e práxis política e o Foro como a organização que permitiu a ascensão não só do PT, mas de toda a esquerda latino-americana.
Sem o PT e o Foro, não haveria o movimento chavista na Venezuela (que hoje destrói o país) os Kirchners na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, dentre vários outros.
Nessa frase síntese, Bolsonaro lembrou, portanto, que o comunismo é inverso da liberdade e que a corrupção é menos grave do que o roubo planejado de nossa liberdade pelos petistas.
Eis que surge, finalmente, a parte considerada mais “polêmica” do discurso, que foi dedicar o seu voto à memoria do Coronel Ustra. Não se tratou de “defender um torturador”, pois a fala precisa ser colocada num contexto histórico bem mais amplo do que o divulgado pela imprensa na ocasião.
Ustra foi vítima da “Lei da Anistia” unilateralmente aplicada em favor da esquerda, pois foi hostilizado até o final de vida, mesmo lutando contra um câncer, causa de sua morte. Ao coronel nunca houve perdão. Não foi pra cadeia, mas sofreu humilhações ate o fim, numa campanha coordenada de “assassinato de reputação” para colocá-lo como pária e sem credibilidade.
Todos os guerrilheiros que voltaram ao Brasil passaram a acusar Ustra de tortura bem como a unidade do DOI-CODI que ele comandava em São Paulo. E porque as denúncias centraram-se no coronel? Em primeiro lugar, porque Ustra esteve na linha de frente no desmantelamento de diversas ações guerrilheiras da esquerda nas décadas de 60 e 70. Depois, porque Ustra passou a ser ainda mais odiado após escrever um livro chamado “A Verdade Sufocada”, no qual descreve em minúcias todos os crimes e safadezas perpetradas pela esquerda.
O livro trouxe detalhes de como os militares conseguiram desmantelar os focos de terrorismo pelo Brasil e como ainda durante o governo Goulart, diversos grupos de esquerda já se preparavam militarmente em países como Albânia, Cuba, China e URSS, para a luta armada, antes dos militares intervirem.
Portanto, seria óbvio que Ustra seria um alvo preferencial do revanchismo, bem como seria alvo de diversas denúncias, muitas possivelmente mentirosas.
E por que eu digo “possivelmente mentirosas”? Simples. Porque mesmo que Ustra não tivesse feito absolutamente nada, era obvio que ele (ou outro comandante) seria caluniado, uma vez que a esquerda sempre subiu ao poder na base da mentira. E ele, especialmente, seria acusado de qualquer forma pelo que ele fez contra a esquerda.
Declarar-se vítima trouxe vantagem política, com o ganho de uma aura heroica dizer-se torturado não só perante os pares da esquerda, mas também perante os olhos da sociedade. Os torturados passaram a ser considerados como pessoas de “altos ideais” capazes de se sacrificar por projetos maiores.
Além da visibilidade e do ganho político óbvio, havia o ganho financeiro certo, uma vez que as indenizações no Brasil foram exorbitantes – as maiores da história - às vitimas do aparelho repressivo. Praticamente não havia necessidade de provas, apenas testemunho de outros torturados.
Independente de quem foi torturado ou não, é obvio que, a partir daí, o incentivo era sempre dizer-se torturado, para participar do que veio a se tornar uma “grande indústria de denúncia e vitimismo”, altamente rentável sob todos os aspectos.
Ser “vítima da ditadura” tornou-se um ás político e a porta de entrada para cargos eleitorais e honrarias de todos os matizes. Impossível não perceber que a verdade dos fatos fica em terceiro plano, perdendo para os interesses políticos e monetários dos guerrilheiros, que a partir disso, pavimentaram seu caminho para a tomada de poder, contando com a ajuda dos meios de comunicação e intelectuais.
Embora haja consenso de que os militares recorreram à tortura de fato, a escala descrita pelos os esquerdistas é totalmente irreal e construída a posteriori, tendo sido Ustra o grande símbolo desta narrativa.
Provavelmente, nunca se terá certeza sobre os relatos de tortura. Em relação ao caso específico de Ustra, nada adianta citar uma sentença que condena o coronel civilmente – por ele ser o comandante do DOI-CODI -, porque na época, o espírito dos julgadores era totalmente pró-anistiados. Não haveria justiça e sim revanchismo.
Era o “longo braço da revolução” aludida por Vladimir Lênin em ação, para mostrar que os inimigos da esquerda sempre serão hostilizados e perseguidos até que sejam eliminados.
Curiosamente, os guerrilheiros que explodiram bombas, sequestraram (até mesmo embaixadores) e assassinaram, não só foram perdoados pela Lei da Anistia, mas foram alçados ao poder. Esquerdistas tiveram acesso privilegiado à mídia, à Justiça, e a um ambiente político propenso, enquanto Ustra ficou sozinho contra todas essas forças. Essa mesma geração de guerrilheiros, colocou o Brasil na maior crise de sua história, mostrando que Ustra tinha inteira razão em combatê-los.
O coronel só não foi destruído porque mudar a Lei da Anistia seria algo muito complexo, derrubando toda a ordem democrática do país e isso seria demais até para o PT e seus asseclas conseguirem.
Não que a esquerda não tenha tentado aplicar judicialmente a “Lei de Anistia” de forma unilateral, com esquizofrenias como a “Comissão da Verdade”, usada para tentar punir apenas os militares. Mas sempre encontraram um limite intransponível.
As indenizações reconheceram explicitamente de que se tratava de um “Estado de exceção” na época, com direitos suspensos ou restritos. Por seguir esse entendimento, o Estado brasileiro arcou com os pagamentos. Paradoxalmente, caso se acolhesse ações jurídicas contra algum militar específico como Ustra, ter-se-ia de forma implícita de que o militar em questão infringiu direitos e garantias existentes.
Se havia direitos e garantias normalmente, então não haveria “Estado de Exceção” e sim um “Estado Democrático de Direito”, ou seja, um non sense. A “Lei da Anistia” perderia a validade e, inclusive, os guerrilheiros deveriam ser julgados e perder suas indenizações por esse critério.
Bolsonaro, ao lembrar-se de Ustra, não só promoveu uma verdade histórica como também mostrou o cinismo da esquerda: aos esquerdistas, couberam honrarias e perdão, quando não homenagens como esta porcaria de série de TV “Os dias eram assim.”. Já aos militares, só couberam acusações e perseguições até o fim.
Porém, há mais uma coisa. Ao citar Ustra, Bolsonaro deu um golpe com toque pessoal em Dilma Rousseff. A ex-presidente disse ter sido torturado na unidade do DOI-CODI comandada por Ustra e seu grupo guerrilheiro foi desmontado pelo mesmo, acabando com vários companheiros dela.
Ou seja, Bolsonaro conseguiu mais uma vez o que queria, ou seja, golpear a esquerda e Dilma, naquele momento o símbolo aglutinador do projeto esquerdista de poder a ser defendido. Segundo reportagens da época, foi a única vez que Dilma chorou durante o processo de impeachment.
Bolsonaro então vai concluindo seu voto exaltando o “Exército de Caxias” e louvando as Forças Armadas, cruciais para o Brasil não sucumbir ao socialismo tanto em 1964 como em 2016 (hoje é sabido que o Comandante Villas Boas não apoiou a tentativa do PT de decretar estado de sítio acabando com a esperança petista de barrar o início do processo de impichamento).
Por fim, Bolsonaro usou seu conhecido bordão “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” que reflete seu pensamento patriótico e sua fé cristã, colocando o dever ao país acima de tudo e obediência ao primeiro mandamento do Decálogo de Deus revelado a Moises.
Nota-se que Bolsonaro foi coerente e abordou corretamente tudo o que estava em jogo no discurso para justificar seu voto, portanto.
Entretanto, alguns consideraram que a dedicação à Ustra, foi prejudicial politicamente às intenções presidenciais de Bolsonaro. Pode até ser. Mas quem precisa vencer a eleição quando o que realmente importa é a vitória da justiça e da verdade?
P.S: Uma observação interessante: após o discurso de Bolsonaro, o livro “A Verdade Sufocada” foi o 4º livro mais vendido do Brasil entre junho e julho do ano passado, mostrando que as pessoas já estão cansadas da narrativa mentirosa da esquerda sobre o período militar. O livro é um best-seller no mercado editorial brasileiro, mesmo sofrendo o boicote de várias editoras.
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