O difícil e dolorido ajuste fiscal
A presidente tem razão ao afirmar que "tem gente que acha que o contingenciamento do governo vai ser pequeno. Não vai. Vai ser um contingenciamento não tão grande que não seja necessário, nem tão pequeno que não seja efetivo”
Com diversas medidas empacadas nas discussões no Congresso, o ajuste fiscal definido pelo governo deve cortar cerca de R$ 70 bilhões do orçamento.
Esse corte levará as despesas aos valores nominais de 2013, na prática indicando um corte que quase 15% nos gastos reais do governo.
Cerca de 90% das despesas orçamentárias são constitucionalmente de caráter obrigatório, especialmente as com salários e encargos dos servidores públicos, benefícios previdenciários e pagamento de juros e encargos da dívida pública.
Daí que os cortes recairão sobre a chamada parcela “discricionária”. Nela, o grande componente são os investimentos públicos.
O governo diz que pretende deixar de fora da tesoura os gastos com saúde, educação e desenvolvimento social.
Mas é possível que parte dos cortes não recaia sobre os investimentos. Se quiser, o governo terá um espaço para cortar parte das despesas não obrigatórias nessas áreas.
São R$ 740 milhões na Saúde, R$ 40 bilhões na Educação, R$ 17 bilhões no orçamento do Ministério da Defesa, R$ 31 bilhões no das Cidades e R$ 16 bilhões no dos Transportes.
Se realmente tudo isso vier a ocorrer, trata-se de um corte de 35% do total das despesas discricionárias do governo. Com razão já se apontou que será o maior corte já visto na execução da política fiscal.
Mas o ajuste não se esgota aí. Essas medidas de contenção visam somente atingir uma parte da meta do superávit fiscal de 1,2% do PIB. A outra parte virá do aumento de tributos.
Até agora anunciou-se a elevação de 15% para 20% da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido dos bancos. Com essa medida pretende-se um ganho na arrecadação da ordem de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões esse ano.
Ainda sobre o mercado financeiro, o governo pretende pôr um paradeiro no benefício fiscal aos bancos que distribuem lucros sob a forma de juros sobre o capital próprio. Pretende-se que essa medida atinja também empresas não financeiras.
Nem tudo são flores para o governo, contudo. Algumas matérias em apreciação no Congresso deixaram de ser votadas diante do receio de rejeição pelos parlamentares.
Entre outras mudanças no programa de ajuste original, o governo deve perder cerca da metade dos R$ 18 bilhões originalmente projetados com as Medidas Provisórias 664, que trata de mudanças na pensão por morte e auxílio-doença, e 665, que altera o acesso ao abono salarial e seguro desemprego.
As mudanças na tributação do sistema financeiro pretendem compensar, pelo menos parcialmente, a não aprovação de conteúdos de medidas provisórias que tratavam da redução de benefícios previdenciários dos trabalhadores.
As razões que levaram à elaboração do programa de ajuste continuam de pé. Os dados disponíveis sobre o desempenho fiscal não dão razão a otimismos.
A receita líquida real (descontada a inflação) do Tesouro Nacional sofreu queda de 4,4% no trimestre. No outro lado da conta, a queda na despesa real do governo central foi de somente 0,8%.
Mesmo que a tendência de queda da despesa real do governo ao longo do restante do ano alcance 4%, como esperam alguns economistas, essa queda não será suficiente para assegurar o cumprimento da meta do superávit primário do ano.
Sem qualquer surpresa, os cortes já ocorridos no lado das despesas e os que estão por vir recairão primordialmente sobre os investimentos.
Até agora esse corte já reduziu os investimentos em 30% e poderão ficar entre 40% e 50%. Traduzido em reais, estamos falando em algo em torno de R$ 30 bilhões da economia projetada de R$ 80 bilhões para o ano.
Para quem não gosta de percentagens e prefere sua expressão monetária para visualizar a severidade dos cortes na execução do orçamento público, basta notar que o investimento no primeiro trimestre de 2015 foi da ordem de R$ 15,6 bilhões, comparado com R$ 22,3 bilhões no primeiro trimestre de 2014.
Cortes dessa profundidade são incomuns, tendo ocorrido em 2009 em resposta à crise do subprime de então.
Como a “consolidação fiscal” deve estender-se pelos próximos três anos para corrigir os efeitos da gastança da primeira gestão da senhora presidente, não há motivos para soltar fogos.
Os tempos serão duros ao longo de todo o segundo mandato.
Não é por outra razão que a própria presidente veio a público para esclarecer a extensão do ajuste.
Disse ela: “tem gente que acha que o contingenciamento do governo vai ser pequeno. Não vai. Vai ser um contingenciamento não tão grande que não seja necessário, nem tão pequeno que não seja efetivo”. Disse tudo.