Crise dos Estados e "risco moral"
A União deve insistir na imposição de contrapartidas em termos de ajuste de gastos para oferecer ajuda financeira aos estados em situação financeira precária
“Risco Moral é a situação quando pegam teu dinheiro e, então, não são responsáveis com o que fazem com ele.” (Michael Douglas no filme “Wall Street 2 – O Dinheiro Nunca Dorme”)
O presidente Temer, na última quarta-feira (28/12), vetou parcialmente o Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional, que permite a renegociação das dívidas dos estados com a União.
A parte que sofreu esse veto parcial se referia ao Regime de Recuperação Fiscal, que viabilizaria socorro financeiro para os entes subnacionais em estado financeiro mais grave, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Essa parte foi incluída no texto original pelo Senado, e previa que os estados que aderissem voluntariamente ao acordo teriam suspensão de até 36 meses do pagamento de suas dívidas com o Tesouro Nacional.
Contudo, também faria parte da adesão o cumprimento de contrapartidas, que visavam reequilibrar suas finanças, tais como a redução de incentivos tributário, o adiamento de reajustes de servidores e o aumento de sua contribuição previdenciária.
O Projeto de Lei voltou para a Câmara de Deputados, que o aprovou, porém, excluindo toda e qualquer contrapartida. Essa foi exatamente a razão do veto presidencial, que, de acordo com a teoria econômica moderna, foi totalmente acertada.
Para justificar a afirmação anterior, desenvolveremos o conceito de “risco moral”.
Trata-se de um comportamento oportunista da parte assegurada, que, pelo fato do segurador não monitorar completamente suas ações, pode “dividir” com ele o risco assumido, como se ele fosse seu “sócio oculto”, o que elevaria a chance de ocorrência de utilização do seguro (sinistro).
Tome-se, por exemplo, o caso do seguro de automóveis. Se não existissem nem franquia nem desconto na renovação do seguro, o que poderia ocorrer?
Provavelmente alguns segurados, sentindo-se “totalmente cobertos” seriam muito menos prudentes ao dirigir ou guardar seus veículos, ou até mesmo poderiam “forçar” um acidente ou roubo para se beneficiar desse generoso “sócio”.
Além do problema realmente ético ou moral desse comportamento oportunista, há também a superutilização do seguro, o que, num contexto de recursos escassos, poderia significar que algum outro segurado, que teria direito legítimo a utilizá-lo, fique sem o benefício ou tenha que pagar mais caro por isso.
Também podemos realizar essa análise para o caso das crises financeiras. Em quase todos os países, o Banco Central, frente a uma crise bancária que ameace a solvência de todo o sistema, assume o papel de “emprestador de última instância”.
Ou seja, se existe o risco de “quebra” do sistema financeiro, a autoridade monetária costuma entrar em ação para garantir a estabilidade dos pagamentos internos.
Poderá haver “risco moral”, como nos ensinam todas as crises financeiras anteriores, se os bancos passarem a sentir que detêm um “seguro a todo evento” por parte do instituto emissor, fazendo dele seu “sócio oculto”, e, portanto, assumindo riscos cada vez maiores, o que termina gerando “bolhas financeiras” que inevitavelmente “explodirão”.
Nos anos anteriores à crise de 2008, a sensação de que as instituições “grandes demais para falir” estariam totalmente “asseguradas” pelo Governo norte-americano gerou incentivos à tomada de posições cada vez mais arriscadas.
Isso explica porque o Banco Central desse país permitiu que o Lehman Brothers falisse, o que agravou o risco sistêmico, porém, evitando “chancelar” a impressão anterior, podendo criar “germes” de novas crises financeiras.
Outro exemplo do conceito de risco moral, que se assemelha mais à crise da dívida dos estados brasileiros, é a crise financeira dos países do sul da Europa, principalmente a Grécia.
Muitos veem a posição da Alemanha e dos países do norte desse continente como muito “dura”, ao impor condições de ajuste fiscal para viabilizar socorro financeiros às nações do sul. Uma ajuda “a todo evento” com muita probabilidade criaria a sensação de que os primeiros são “sócios ocultos”, aumentando grandemente a chance de ocorrência de novas crises fiscais e financeiras.
Por todo o exposto, fica claro que a União deve insistir na imposição de contrapartidas em termos de ajuste de gastos para oferecer ajuda financeira aos estados em situação financeira precária.
Caso contrário, como tantas vezes ocorreu no passado, os entes subnacionais passarão a sentir-se totalmente assegurados, frente a situações em que o excesso de despesas sobre suas receitas se converte em endividamento, que, finalmente, tornando-se insustentável, passa a ser absorvido pelo Governo Federal.
Esse risco moral tenderá a repetir-se ao longo do tempo, gerando novas crises financeiras, sem que haja nenhum esforço em termos de corte de gastos por parte dos estados, o que inviabilizará o necessário ajuste fiscal das contas públicas de todos as esferas administrativas do País.
Por esse motivo, o presidente Temer deve insistir na reinserção das contrapartidas anteriores no Regime de Recuperação Fiscal, evitando cair em qualquer tentação “populista”, que seria extremamente danosa para o Brasil.