O primeiro hospital para brinquedos de São Paulo
Há 63 anos a família Capelo se dedica a dar uma segunda vida para bonecas e carrinhos quebrados.
Uma senhora aparentando uns 60 anos entra numa loja. Ela encosta no balcão e retira cuidadosamente de uma sacola duas bonecas Tippy, produzidas na década de 1970. Com a voz embargada ela explica qual é o problema e espera aflita por uma resposta.
O atendente promete consertá-las. Ela pede para tenham cuidado porque as bonecas são uma raridade. Emocionada, ela sai chorando.
A cena acima se passou na loja SOS Brinquedos – uma assistência técnica de carrinhos e bonecas –, administrada por Leonardo Capelo. O empresário afirma que está acostumado com histórias como essa.
Há mais de 40 anos, ele observa as pessoas se comoverem com seus brinquedos. A maior parte da clientela é de crianças, mas há também aqueles adultos que nunca deixaram o espírito da infância morrer.
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MUITOS ANOS DE HISTÓRIA
Leonardo Capelo é a terceira geração de uma família dedicada a consertar brinquedos e a trazer de volta o sorriso dos pequenos. A história da SOS Brinquedos começou com Primo Capelo, avô do atual proprietário.
A família imigrou da Itália e se fixou na cidade de Itajubá, no sul de Minas Gerais. Mas a vida no interior não trouxe boas oportunidades, e eles decidiram tentar a sorte na cidade grande.
Já em São Paulo, o patriarca começou a trabalhar em fábricas do Brás. Nessa mesma época, consertava as bonecas de suas filhas quando davam algum defeito.
A habilidade de Primo chamou a atenção de amigos e familiares que começaram a trazer outros brinquedos que precisavam de conserto. Foi assim que. há 63 anos, surgiu a primeira loja no bairro da Penha, zona leste de São Paulo, onde a família morava.
No começo, os reparos eram improvisados. Mas com o volume de pedidos crescendo, era preciso profissionalizar o serviço. Primo Capelo fez um acordo com a Estrela, então uma das maiores produtoras de brinquedos no país, para ter acesso às peças originais. Com isso, a SOS Brinquedos se tornou uma das primeiras assistências técnicas autorizadas.
NEGÓCIOS DE FAMÍLIA
Após abrir a primeira loja, seu filho Fernando Capelo decidiu ajudá-lo. Juntos abriram um novo estabelecimento, na zona norte da cidade. A expansão continuou nos anos posteriores com uma filial no Tatuapé e na Mooca.
A próxima geração da família Capelo também seguiu os passos de Primo.“Desde o começo me encantei com o ofício do meu pai e avô. Existe uma magia em pegar uma boneca toda suja, despenteada e quebrada e devolvê-la como se fosse nova”, afirma Capelo. “Ver o brilho no olhar das crianças ao rever seus brinquedos é algo que sempre me motivou.”
Agora, Leonardo – que herdou de seus antpassados o mesmo talento e carinho no manuseio dos brinquedos– prepara seus dois filhos para seguir com o ofício da família. Seu irmão, Leandro Capelo também tem sua própria rede de lojas de concerto de brinquedos. Além disso, o empresário ainda espera ver seus netos darem continuidade à tradição.
TRANSFORMAÇÕES
Nas mais de quatro décadas em que está à frente da SOS Brinquedos, o empresário acompanhou diversas mudanças.
Uma delas foi no comportamento de seus principais clientes: as crianças. Muitas largaram os carrinhos e bonecas para brincar com tablets e vídeos games. Em tempo de diversão eletrônica, a empresa teve que se adaptar e encontrar funcionários capacitados para o serviço.
Outra mudança no setor foi a entrada dos brinquedos chineses no mercado brasileiro. A maioria é de baixa qualidade e quebra com facilidade – o conserto nesses casos é muito difícil de ser realizado porque não há peças de reposição.
Mas mesmo nessas situações – ou quando os brinquedos são tão antigos que as peças pararam de ser fabricadas –, Leonardo sempre tenta dar um jeitinho para que os brinquedos voltem melhor do que chegaram na loja. Para isso, o empresário volta à receita do seu avô: o improviso.
Outra mudança importante ocorreu com as transformações do comércio ao redor de suas lojas. Com o passar dos anos o empresário viu negócios tão antigos quanto o seu fecharem as portas.
Ele acredita que São Paulo não tem apego pelas empresas tradicionais. Mas mesmo com as dificuldades, ele não troca a cidade por nenhuma outra:
“São Paulo é o lugar em que você chora, mas consegue ainda fazer a sua vida. No interior, tudo é muito diferente. Aqui uma empresa tem espaço para crescer e, se não der certo, você sempre tem chance de recomeçar”, afirma Leonardo.