Na onda do estilo vintage, barbearia resgata os anos 40
Com ambiente inspirado nas culturas do México e da Califórnia, ao som de jazz e latin soul, a Cavalera abre quatro unidades em três anos e tem planos de expansão
O casarão é centenário, tombado pelo patrimônio histórico, com janelas do início do século 20, e está localizado bem no coração do bairro do Bixiga, na região central de São Paulo.
É todo decorado com peças que remontam às décadas de 40 e 50, com referências às culturas mexicana e californiana, e sob a influência da onda lowrider, carros com sistema de suspensão rebaixada que surgiram na década de 1950 nos Estados Unidos.
Quem olha de fora, imagina que naquele imóvel, com a fachada toda restaurada, funciona um bar, um café, um restaurante, um hotel, um museu ou algum espaço ligado às artes.
Mas ali, bem na esquina das ruas Conselheiro Carrão e 13 de Maio, está instalada a barbearia Cavalera, criada em 2013 pelo empresário Alberto Hiar, dono da rede de lojas Cavalera, em parceria com o músico Mário Pinheiro de Andrade, o Marinho.
Barba, cabelo e bigode, os serviços básicos de uma barbearia, são exatamente o que o estabelecimento oferece, assim como qualquer concorrente da cidade.
A diferença é que o ambiente e o atendimento ao cliente, com direito a uma garrafa de cerveja de brinde, estão muito mais para um espaço de descontração e relaxamento do que para um simples corte de cabelo ou aparo de barba.
A maioria das cadeiras da loja remonta à década de 1940. Uma delas tem 200 anos. As máquinas para fazer espuma quente e esquentar as toalhinhas para a barba recuperam as experiências da old school, à moda antiga.
Boogaloo, mambo, latin soul, oldies, rockabilly, hillbilly e jazz são alguns dos gêneros musicais, escolhidos a dedo por Marinho, para ecoar no ambiente.
A barbearia Cavalera do Bixiga vai completar três anos em fevereiro. E esse resgate ao conceito das antigas barbershops dos anos 40 e 50 tem feito o negócio crescer mesmo em meio à crise.
Alberto e Marinho são amigos há quase 30 anos, mas a ideia de montar uma rede de barbearia com estilo surgiu há pouco mais de três anos.
Alberto é dono da Cavalera, com 36 lojas, entre franquias e próprias, desde 1995, quando, em sociedade com o baterista Igor Cavalera, da banda Sepultura, deu início à rede de lojas. Igor não está mais no negócio.
Marinho, acostumado a trabalhar com produção de shows e artistas, decidiu virar barbeiro há cinco anos por ser apaixonado pela profissão e para ter um trabalho a mais.
Com o diploma na mão, ele decidiu aceitar o convite do amigo, em 2013, para criar uma mini- barbearia na loja da Cavalera da Rua Oscar Freire.
“Montamos duas cadeiras em um canto da loja. Com um atendimento diferenciado, o negócio deslanchou. Em quatro anos, temos quatro barbearias, três em São Paulo (Oscar Freire, Bixiga e Vila Madalena) e uma em Belo Horizonte, e vamos abrir outra em breve”, diz Marinho.
A rede está em fase final de restauração de um imóvel para fincar a quinta unidade na região da Avenida Paulista. A sexta já está prevista para o Rio de Janeiro ainda neste ano.
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A Cavalera é apenas um exemplo das chamadas barbearias com estilo que estão despontando em São Paulo, inspiradas em um movimento retrô que começou nos Estados Unidos há uns dez anos e se espalhou pela Europa.
Uma das primeiras a seguir este modelo no Brasil foi a 9 Julho, há cerca de nove anos, com decoração também inspirada nas décadas de 40 e 50.
O nome 9 de Julho, aliás, é uma homenagem a São Paulo. É a data da Revolução Constitucionalista de 1932 e marca ainda o dia em que o estabelecimento foi inaugurado. A rede possui cinco unidades na cidade.
Depois surgiram outras, e até com serviço de bar e lanchonete, como a Garagem, a Bárbaro, inspirada no futebol da década de 70, a Barbeado, a Mr., a Corleone, com decoração que lembra as antigas barbearias nova-iorquinas típicas de filmes da máfia das décadas de 40, 50 e 60.
Houve um tempo em que as barbearias pareciam estar com os dias contados. Isso aconteceu quando os salões de beleza passaram a oferecer serviços para homens e mulheres num mesmo ambiente, seguindo o padrão unissex.
O surgimento dos barbeadores elétricos e dos aparelhos descartáveis para fazer a barba também contribuiu para tirar os clientes das tradicionais barbearias.
Antes disso, de acordo com Marinho, o movimento hippie, no qual os homens não cortavam nem cabelo nem barba, também teve o efeito de esvaziar as barbearias.
O movimento agora é outro por uma simples razão: os homens estão ficando cada vez mais vaidosos e, assim como as mulheres, gostam de frequentar lugares especialmente dedicados a eles.
Pesquisa feita pelo Instituto Qualibest, a pedido da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), revela que 43% dos homens consideram-se supervaidosos e 54% deles já frequentam regularmente salões de beleza e barbearias sem o menor receio.
Em cinco anos, a venda de produtos masculinos para higiene pessoal, perfumaria e cosméticos cresceu 16% no Brasil, que já ocupa a segunda colocação no mercado mundial, atrás apenas dos EUA, de acordo com a associação.
Somente em 2015, as vendas de produtos de beleza para os homens cresceram 2,4% no país, representando mais de R$ 21 milhões do faturamento total do setor, da ordem de R$ 30 bilhões.
“Como os homens começaram a buscar mais produtos e serviços, abriu-se uma oportunidade para o resgate das barbearias com ambiente diferente dos salões de beleza, mais voltados às mulheres”, afirma Maísa Blumenfeld, consultora de beleza do Sebrae - SP.
Em setembro de 2013, de acordo com ela, havia 98,9 mil profissionais de beleza no Estado de São Paulo. Em outubro do ano passado, esse número pulou para 181,3 mil.
Esse crescimento está relacionado com a lei que criou as figuras do salão parceiro e do profissional parceiro, que poderão atuar como microempreendedor individual (MEI). Reflete também a expansão do setor.
As três barbearias da Cavalera em São Paulo, que contam com 19 profissionais, já tem mais de 5 mil clientes cadastrados e fazem aproximadamente 3.500 serviços por mês. O corte e barba custam R$ 70. O cliente que opta pelos dois paga R$ 130.
“O cliente vem até a barbearia porque gosta do ambiente e sabe que aquele é um momento dele”. Parece que o movimento que leva os homens a se cuidar mais só tende a crescer.
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FOTOS: Fátima Fernandes/Diário do Comércio