Expansão? Só no Interior (que é para o cliente se sentir em casa)
Estratégia da rede varejista Cybelar para crescer dois dígitos em 2015 é mostrar que o consumidor não precisa ir tão longe para realizar seus desejos
Imagine uma rede varejista que quer crescer, mas só no interior. E por motivos que, para alguns, podem parecer um tanto pitorescos, como “fazer o cliente se sentir em casa”. Esse é o caso da Cybelar, rede de eletrodomésticos fundada em Tietê, a 121 km de São Paulo e dentro da Região Administrativa (RA) de Sorocaba. Na ativa há quase 63 anos, a rede mantém a estratégia de crescimento seguindo a tendência cada vez mais forte de expansão das cidades fora do perímetro das regiões metropolitanas.
Com mais de 150 lojas espalhadas pelo interior paulista e três no sul de Minas Gerais, a perspectiva da Cybelar, que faturou algo entre R$ 750 milhões e R$ 800 milhões em 2014, é de abrir pelo menos mais dez lojas em 2015. E tudo isso a despeito do cenário econômico, da retração do varejo e do consumidor cauteloso e comprando menos - mas sempre dentro do esquema “não é preciso ir tão longe para o seu desejo de consumo ser atendido”, como propaga Ubirajara Pasquotto, o “Bira”, diretor geral e segunda geração à frente da rede.
Os números dão uma ideia dessa expansão no interior, onde a família Pasquotto vem aproveitando as oportunidades há quase 63 anos mesmo “sem nada muito planejado” no início, segundo Bira. Se a capital paulistana vem perdendo peso no PIB do Estado nos últimos anos pela debandada da indústria - de 35% para 30%, de acordo com o Instituto de Economia Gastão Vidigal (IEGV) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) - algumas RAs, como é o caso das 09 e 10, que abrangem Sorocaba e Vale do Paranapanema, mostram o contrário.
Segundo o último boletim AC Varejo, elaborado pelo IEGV com base em dados de outubro de 2014 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), a receita nominal do varejo ampliado (que inclui automóveis e materiais de construção) nessas RAs cresceu 2,3% ante igual mês de 2013. No acumulado do ano, a alta foi de 5,3%, e em 12 meses, de 6,6%.
“Apesar da estagnação econômica em todo o país, metade da população acredita que a situação econômica pessoal estará melhor a partir do primeiro semestre, e 63% das pessoas dizem estar mais confiantes para comprar bens duráveis”, afirma a ACSO com base em pesquisa realizada pela Esamc Júnior, empresa júnior da Escola Superior de Marketing, Administração e Comunicação local.
NO ENTORNO, E AVANTE
Seja puxado pela expansão das economias regionais, ou até pelo rescaldo das liquidações da Copa do Mundo, outros dados do AC Varejo mostram que, no mês, o setor que se saiu melhor no acumulado do ano e em 12 meses nessas RAs foi o de lojas de eletrodomésticos e eletroeletrônicos, com altas de 20% e 28,6% no faturamento, e de 13,1% e 21,6% nas vendas físicas.
Mas, mesmo afirmando que os dados não “revelam com precisão a realidade econômica local”, a Associação Comercial de Sorocaba (ACSO) diz que a região apresentou leve crescimento em 2014, impulsionado pela vinda de empreendimentos e shoppings inaugurados em 2013 – caso do Iguatemi Esplanada, que abriu com a segunda filial da Cybelar na cidade.
“A economia regional sofreu impacto positivo em vários segmentos, como o da construção civil, para acomodar fábricas e imóveis residenciais e comerciais”, informa a ACSO, em nota, mencionando também a instalação da fábrica da Toyota e empresas satélites. “Isso ampliou os índices de emprego e refletiu no aumento do poder de compra do sorocabano."
De modo geral, a Cybelar, que no começo optou por se expandir no entorno de Tietê, vem avançando pelo interior do Estado de olho nesse crescimento regional em várias localidades paulistas. E tudo como uma holding controlada por Bira e seus seis irmãos como sócios, que cresce só a custa de capital próprio. Só há dois anos ultrapassou a fronteira de Minas Gerais com as operações da Colombo (a Cybelar comprou as 65 unidades da rede gaúcha em 2012), e agora tem planos de entrar em estados fronteiriços, como Paraná e Mato Grosso do Sul.
Atualmente, a rede está presente com mais de uma loja em cidades como Águas de Lindóia, onde havia basicamente uma loja Colombo, e em Campinas, Sorocaba, Sumaré, Piracicaba e Bauru. Em algumas, estreou no segmento de shoppings, sondagem antiga à espera “da” oportunidade, que aconteceu graças à aquisição da Colombo. Agora, tem seis lojas em centros de compra.
Segundo Bira, ainda há espaço para crescer em São Paulo sim, antes de avançar um pouco mais por Minas Gerais, mas nenhum plano de entrar em capitais, ou em estados mais distantes como Amazonas ou no Nordeste. “Nosso crescimento é baseado onde a logística pode ser acompanhada de perto, e nosso modelo de negócio desenvolve-se melhor no interior pela possibilidade de construir um relacionamento mais próximo com nosso cliente”, afirma.
CREDIÁRIO PARA MANTER VENDAS POSITIVAS
No caso da cidade de Tietê, o berço da Cybelar, o modelo de crediário próprio das lojas locais, ou seja, da venda feita por “carnê”, que na rede varejista responde por mais de 50% do total, segundo Bira, fez com que taxas de inadimplência ficassem abaixo da média do mercado. “A única coisa que tem endividado nosso consumidor num prazo mais longo é a compra da casa própria. Ou seja, ele deixou de ter despesas como aluguel, e passou a ter uma dívida positiva.”
E os carnês devem continuar a impulsionar as vendas na cidade: segundo Júlio Cesar Coan, gerente administrativo da Associação Comercial e Empresarial de Tietê (ACET), houve aumento de 8,18% na inadimplência em 2014 ante 2013, mas empresas que trabalharam com crediário próprio e ofereceram produtos a preços mais acessíveis é que tiveram vendas positivas.
“A previsão de crescimento do varejo é de 5% a 6% em 2015, mas será um ano difícil. Os ajustes econômicos podem afetar o bolso do consumidor, mas sairá bem o lojista que trabalhar assim”, afirma.
E como fazer um cliente mais endividado, cauteloso e com propensão de gastar menos continuar comprando – e atingir a previsão de crescimento pouco acima de 10% da Cybelar este ano? Segundo Bira, a rede enxerga oportunidades nesse consumidor com “dívida positiva” que quer melhorar seu padrão de vida. Ou no aumento da conta de luz, que vai fazê-lo trocar a geladeira velha para não gastar mais energia com o uso de produtos obsoletos.
“É nisso que temos que focar, por isso estamos ‘otimistamente cautelosos’. O varejo vai crescer menos, mas não ficará negativo. O ano será de muito trabalho, mas espaço para vender não falta: basta realizar sonhos."
QUASE UM VAREJO DE VIZINHANÇA
Se hoje a Cybelar está entre as grandes do varejo, mas seguindo esse mote de atender a necessidade ou o desejo do cliente sem que ele precise ir tão longe, vale lembrar que essa história começou lá atrás com o “seu” Ângelo, o pai de Bira que tinha uma marcenaria em Tietê. Afinal, foi pelo seu espírito empreendedor que ele viu oportunidade de entrar para varejo entre os clientes que encomendavam mesas e cadeiras – e de quebra, procuravam um “fogãozinho” ou um televisor para completar a mobília da casa.
Segundo Bira, foi atendendo esse tipo de pedido que o seu pai construiu a empresa: cultivando relacionamentos para atender bem, e atrair o consumidor sempre que ele tiver uma necessidade ou um desejo de consumo. Tática que vem dando certo e rendeu, entre outros prêmios, o Lide 2014 de Varejo no quesito Atendimento.
“Sempre quisemos construir relações onde os clientes possam se sentir em casa em uma loja nossa, que tudo o que seja prático possa ser resolvido lá”, afirma.
Em um mercado com tantas técnicas e teses para fisgar o consumidor, Bira acredita que essas são apenas outras formas de pensar. O segredo para crescer no varejo é apenas um: atender bem. Afinal, o consumidor sempre foi exigente, e a diferença hoje é que as empresas têm a preocupação de ouvi-lo e atende-lo melhor porque ele é mais informado.
“A ciência pode até ajudar a descobrir se o consumidor olha mais para a esquerda ou para a direita dentro da loja. Mas no final, o que ele quer mesmo é ser bem atendido. E se for pertinho de casa, melhor."