Entre rendas, bordados e noivas globalizadas
Solaine Piccoli cria e comercializa há 40 anos alguns dos vestidos de noiva mais desejados do país. O encantamento chegou à Europa. Junto com as filhas, a estilista-empreendedora instalou em Viena um ateliê com sua grife
Abrir uma loja de luxo em Viena e ainda com o próprio nome pode parecer um sonho distante. Não para Solaine Piccoli, a gaúcha cujos vestidos de noiva se tornaram objeto de desejo no Brasil.
Os vestidos da grife estão entre os mais sofisticados do mercado nacional e são muito procurados por noivas de outros países, como Estados Unidos e Portugal.
Não se trata de um passo surpreendente para quem tem loja-ateliê na rua Oscar Freire, em São Paulo, outro em Porto Alegre e mais uma loja. Por trás do sucesso, há 40 anos de história de dedicação, talento e muito senso de oportunidade.
A estilista Solaine Piccoli, 70 anos, ganhou o mundo da moda graças aos dotes manuais herdados de sua avó. A gaúcha começou fazendo vestidos de festas para amigas, em Gravataí, e ganhou reconhecimento por conseguir inovar sem abandonar o clássico.
Hoje, a estilista tem as três filhas na equipe. Gabriela é a responsável pelo ateliê em São Paulo, aberto em 2007. Camila comanda toda a estrutura administrativa das três lojas. E Júlia, a caçula, se formou em moda para ser o braço direito da mãe no ateliê de Porto Alegre, onde o assunto é criação.
Conhecida por seus vestidos bem acinturados, saias super-rodadas e, sua marca registrada, o bordado artesanal, a grife veste em média 350 noivas por ano. Os vestidos são feitos à mão e os detalhes revelam sua identidade com precisão.
MERCADO BILIONÁRIO
Os valores de confecção exclusiva partem de R$ 16.800, quando feitos com tecidos mistos, ou a partir de R$ 20.800, se produzidos somente com tecidos nobres. O tíquete médio das lojas é de R$ 30 mil.
Se não fosse por mãos como a de Solaine, e de tantos outros fornecedores conceituados, talvez o mercado de casamento não teria números tão expressivos no Brasil. O segmento movimenta cerca de R$ 17 bilhões por ano, de acordo com a Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta).
A entidade destaca que, há pouco mais de uma década, a comemoração do enlace é responsável por boa parte do crescimento do mercado de eventos.
Dados do IBGE mostram que mais de um milhão de brasileiros formalizam suas uniões todos os anos. Outra pesquisa realizada pelo Data Popular revela que os gastos com festas e cerimônias apresentam um crescimento anual médio de 10,4%.
É neste cenário bilionário que Solaine fez carreira há 40 anos, em Gravataí, no Rio Grande do Sul. Ela aprendeu a costurar aos 7 anos com sua avó, também bordadeira.
Aos 15, já costurava as próprias roupas e inventava recortes e colagens, na contramão de tudo o que a moda propunha.
Diferentemente do que acontecia com a maioria das moças contemporâneas, para Solaine, bordar e costurar era uma verdadeira paixão e não fazia parte do pacote “moça prá casar".
Os planos eram outros. E ambiciosos. Solaine queria estudar, pesquisar e ter o próprio negócio. Com o dinheiro que guardava vendendo crochê, cursou faculdade de arquitetura e artes em Caxias do Sul.
Foi durante a faculdade que, a pedido de uma amiga, Solaine costurou seu primeiro vestido de noiva. O modelo fez sucesso e os pedidos seguiram se repetindo. Mas poucos foram atendidos.
A gaúcha seguia convicta em uma carreira distante das linhas e agulhas. Formada, montou uma loja de decoração em sociedade com uma amiga, em Porto Alegre, a 30 quilômetros de Gravataí. Tudo mudou quando a loja foi assaltada e elas perderam tudo.
De volta à cidade natal, no final da década de 1970, Solaine decidiu investir em suas origens. Na época, a escolha do vestido de noiva acontecia exclusivamente com a ajuda de modistas eram confeccionados sob medida.
Recém-chegada à profissão, ela queria inovar e conquistar a própria clientela. Escolheu como modelo de negócio o aluguel de vestidos de festa e noiva. Tendência nos Estados Unidos, a prática era inédita no Brasil até então. "Se dava certo lá, também daria aqui", pensou Solaine.
A novidade fez sucesso. Com a ajuda da irmã costureira, ela assumiu as primeiras encomendas. Tudo feito em casa, de maneira artesanal, com aplicação em flores de tecido, exatamente como aprenderam com a matriarca da família.
"Demorei a perceber que aquele trabalho familiar se tratava, na verdade, de um negócio", diz Solaine.
A ficha caiu no início da década de 1990. A caminho de uma consulta médica em Porta Alegre, ela e a irmã avistaram uma sala desocupada e com contato para locação.
Naquele momento, ela percebeu que poderia levar seu trabalho para a capital e abrir novos caminhos. "Chegamos no consultório, pedimos o telefone emprestado e fechamos negócio lá mesmo".
Não foi fácil. O trabalho exigia deslocamento diário para Porto Alegre. Segura da decisão, enfrentou as críticas familiares, vendeu o carro da família para ter capital e viajava de ônibus diariamente carregando os vestidos de noiva.
Em pouco tempo, Solaine se tornou referência no mercado gaúcho e assumiu sozinha um ateliê que levava o seu nome, dedicado exclusivamente às noivas.
A essa altura, sem saber, ela já formava a geração que levaria sua grife ao estrelato. As três filhas, Gabriela, 41 anos, Camila, 39 anos, e Júlia, 32 anos, frequentavam o ateliê diariamente, e como numa brincadeira de criança, aprenderam tudo o que a mãe fazia.
Enquanto as filhas cresciam, Solaine não tirava os olhos do mercado de festas e casamentos, cujos números ganhavam novas proporções. As celebrações ficavam mais luxuosas e as noivas estavam dispostas a investir valores mais altos em seus vestidos.
Mesmo vendo de perto o sucesso que a mãe fazia, Gabriela e Camila até tentaram seguir outras carreiras. Mas não conseguiram. "A entrada delas no negócio foi fundamental para a marca se perpetuar e chegar onde está", diz Solaine. Hoje, as três cuidam de áreas diferentes da empresa.
Atualmente, todos os modelos são feitos sob medida e somente para venda. Há quatro anos, elas decidiram deixar de lado a locação de vestidos. A decisão refletiu a mudança de comportamento de consumo.
Muitas noivas descobriram os modelos chineses econômicos pela internet e outras viajam à Nova York atrás de marcas conhecidas a preços populares. Isto representou um baque para os ateliês.
No entanto, Solaine percebeu que seu público era outro. Ela atendia noivas de todo o Brasil e elas faziam questão de exclusividade e tradição.
DIFERENÇAS DE MERCADO
Ávida por desafios, Gabriela, a filha mais velha, se assume como a mais parecida com a mãe em relação aos negócios. Foi ela quem se dispôs a levar a grife para São Paulo, e também a desbravar o mercado europeu.
"Fomos convidadas por outra brasileira a participar de uma feira especializada na Áustria", ela conta. "Para nossa surpresa, vendemos muitos vestidos".
Ao descobrir um cenário completamente diferente do brasileiro, Gabriela propôs à mãe e às irmãs a abertura de uma loja em Viena, na Áustria.
O potencial identificado durante a feira foi confirmado. Em três meses, nove vestidos foram vendidos. Mesmo com pouco tempo no novo endereço, Gabriela já entende bem as austríacas. Com um comportamento bem diferente das brasileiras, elas gastam no máximo 60% dos valores praticados no Brasil.
"No Brasil, é tudo muito exuberante e os casamentos são milionários", afirma Gabriela. "Um vestido de 4 mil euros é uma fortuna para elas. Aqui, é o valor de partida". Novos desafios para a grande especialista em noivas.
FOTO: Mateus Bruxel/Divulgação