“A retomada deve ser mais rápida do que imaginamos"
O empresário Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, diz que o Brasil voltou a ter um propósito inspirado na prosperidade. E isso deve gerar uma enxurrada de novos investimentos
O impeachment de Dilma Rousseff trouxe uma sensação de alívio para o empresário Flávio Rocha, filho do fundador da Riachuelo, uma das maiores redes de varejo do país.
Com faturamento de R$ 6 bilhões em 2015, a Riachuelo sofreu bem menos os efeitos da crise, em comparação com outras redes tradicionais que tiveram de recorrer à Justiça para tentar uma sobrevida.
No acumulado até junho, suas vendas cresceram 10,3%, como a inflação, e conseguiu elevar a participação no mercado de vestuário.
Mas, se não fosse a recessão econômica, a Riachuelo, que nasceu em Natal (RN), em 1947, tinha tudo para terminar 2015 com 300 lojas, em vez das atuais 280, e até se expandir no ritmo de 2014, quando abriu 45 pontos de venda.
Em 2015, a rede abriu 35 lojas, que demandaram investimentos de R$ 500 milhões, e não 40, como o previsto. O plano de investir R$ 2,5 bilhões na abertura de novos pontos de venda até 2020 está, em boa parte, suspenso, por enquanto.
Até dezembro, terão sido inaugurados não mais que dez novos pontos de venda. Não há plano definido para o próximo ano. “Ninguém contava com este tsunami no meio do caminho", diz Rocha. "O grande imperativo neste ano é proteger o caixa.”
O que está definido é que a fábrica que a empresa abriu no ano passado em Assunção, no Paraguai, para fazer ‘tops’ de malha, deve crescer e passar a fabricar também roupas de moda.
A empresa decidiu rumar para o país vizinho em vez de investir nos complexos que já possui em Natal (RN) e Fortaleza (CE) devido à baixa carga tributária e reduzida burocracia.
“Mas existe uma sinalização de que as vendas devem retomar no Brasil, a partir da segunda metade deste semestre”, diz Rocha, que também é vice-presidente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo).
A queda de Dilma e a ascensão definitiva de Temer à presidência da República, a seu ver, deu início a um novo ciclo econômico e político para o país.
Rocha considera que o documento Ponte para o Futuro, um texto-guia elaborado pela equipe do novo presidente, sintetiza "todas as boas ideias que pessoas bem intencionadas pregam para que o Brasil volte a ser um país normal".
Isso porque, de acordo com Rocha, está inspirado na prosperidade ancorada nos princípios democráticos e do livre mercado. “A retomada da economia, portanto, deve ser em ‘V’, não em ‘U’, e ser mais rápida do que a gente imaginava.”
Para ele, uma retomada em ‘U’ seria o governo, que se mostrou ineficiente, obeso e corrupto, tentar fazer uma reforma para que ele mesmo se tornasse a locomotiva propulsora da economia.
Uma retomada em ‘V’ seria o governo entender que já atrapalhou o suficiente o cidadão e passar a colocar o indivíduo e o investidor privado como os protagonistas --o que parece ser o caso, diz ele, do governo Temer.
“O investidor privado está pronto, armado com centenas de bilhões de reais esperando uma sinalização para deflagrar uma verdadeira enxurrada de investimentos no país”, prevê.
O mercado de capitais já deu sinais de que a confiança do investidor começou a melhorar. O segundo passo é acompanhar a expectativa do consumidor, que já parece menos pessimista.
Indícios mais otimistas em relação às perspectivas dos consumidores foram captados na pesquisa IAV (Índice Antecedente de Vendas), medido pelo IDV, com base em depoimentos de cerca de 600 executivos de vendas das maiores redes de varejo do país.
O fundo do poço para o setor foi atingido nos meses de abril e maio, quando o IAV, que projeta a expectativa de vendas 90 dias à frente, atingiu os piores índices -queda de 10,9% em abril e de 10,6% em maio, na comparação com iguais meses do ano passado.
A tendência agora é de redução de queda, que em junho atingiu 6,4% seguida de 7,2% em julho 4,8% em agosto e apenas 0,5% em setembro. A expectativa de Rocha, é que no último trinestre deste ano haja reversão do percentual para o campo positivo.
Até lá, alguns indicadores econômicos importantes que influenciam o consumo, como as taxas de desemprego, da inflação e dos juros -que não devem mudar. Mas, de acordo com Rocha, a troca do comando do governo deverá exercer um efeito psicológico positivo no consumidor.
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Leia, a seguir os principais trechos da entrevista com Flávio Rocha.
REFORMA TRABALHISTA
"Vejo que há uma sensibilidade do governo de dar para o Brasil uma legislação trabalhista mais compatível com os setores de comércio e serviços. Essa legislação foi feita dentro da lógica industrial. O que atrapalha o varejo é a rigidez do horário de trabalho.
A indústria convive com horário rígido porque ela acumula estoques e vende na hora em que o cliente quer. Os setores de varejo e serviços, que representam 75% dos empregos do Brasil, precisam se adaptar à conveniência do consumidor, prestar o serviço na hora escolhida pelo cliente quer, em vez do horário determinado pela legislação trabalhista.
Para ter uma ideia do potencial de geração de empregos no varejo com uma legislação mais flexível veja esses números. O varejo é o maior empregador brasileiro. Chegou a empregar 7 milhões de pessoas e hoje emprega 6 milhões.
Os Estados Unidos têm uma população 50% superior e empregam 42 milhões de pessoas. Isso equivale dizer, numa regra de três simples, que o varejo brasileiro gera 30 milhões de empregos. Podemos, portanto, empregar quatro vezes mais.
Nos Estados Unidos, o estudante pode trabalhar meio período, uma mãe com filho pequeno pode trabalhar algumas horas, um aposentado pode trabalhar nos finais de semana. Se o governo brasileiro adotar o trabalho por hora, uma boa parte das pessoas desempregadas hoje teria emprego, e sem prejuízo de direitos trabalhistas".
COMO TORNAR O PAÍS MAIS COMPETITIVO
"A máquina estatal precisa ser reduzida. Seu peso, que equivalia a 22% do PIB (Produto Interno Bruto) nos anos 90, subiu para 50%, se considerarmos o déficit público. E temos de competir com países com no máximo 17% de peso da carroagem estatal.
O principal indicador de competitividade de um país é exatamente esta proporção. É como correr uma maratona com uma mala de 50 quilos nas costas com alguém com uma mala de 17 quilos.
É preciso equilibrar as contas públicas e rezo para que o novo governo esteja realmente imbuído deste espírito de que a responsabilidade fiscal tem um valor fundamental.
A reforma da Previdência é também absolutamente fundamental. O desequilíbrio entre a aposentadoria de empregados do Estado e dos trabalhadores privados é absurdo, insustentável".
O FANTASMA DO DESEMPREGO
"Com uma taxa de desemprego perto de 12%, cada brasileiro tem sempre por perto alguém que esteja desempregado, um vizinho, um parente. O desemprego é um fantasma assustador.
Faz com que aqueles que preservam o emprego comecem a se comportar como se estivessem desempregados. Isso gera um sentimento de insegurança, e a consequência disso é pisar no freio do consumo, como está ocorrendo".
O TRUNFO DO CRÉDITO
"Parte do bom desempenho da Riachuelo está relacionada à oferta de crédito. Do faturamento de R$ 6 bilhões no ano passado, a venda com o cartão da loja representa a metade.
O cartão é aprovado na hora e o cliente pode pagar em até cinco vezes sem juros ou em até oito vezes com juros (4,9% ao mês).
Para nossos clientes, não houve alteração na oferta de crédito. Por isso, vamos chegar no final deste ano como 30 milhões de cartões emitidos, 3 milhões a mais do que no ano passado.
A inadimplência, no entanto, que era ao redor de 6,5% (atrasos acima de 180 dias) no seu melhor momento chegou a bater em 8,5% em maio deste ano, mas já está em rota descendente.
O que a nossa financeira, a Midway, fez foi diminuir o empréstimo pessoal, um produto importante da empresa. Muitos de nossos concorrentes venderam as suas operações financeiras para os bancos e quando eles resolvem fechar a torneira...
Nós, para evitar conflito com a operação comercial, temos a nossa própria financeira. A nossa lógica é ter uma operação integrada, da produção do fio até a financeira e, com isso, obter uma gestão holística de todos os elos da cadeia".
A AMEAÇA DA INFORMALIDADE
"Vejo com preocupação a perda de uma grande conquista do varejo dos últimos dez anos, que foi a formalização do setor. A formalização abriu caminho para o enraizamento de verdadeiras locomotivas da economia moderna, que são as grandes redes de varejo.
Quando você formaliza o varejo há um efeito contagianteo de formalização em toda a cadeia e saltos de eficiência. O varejo passou a assumir funções estratégicas, a gestão de marca e a liderar o processo da cadeia a partir da demanda.
Está batendo à porta novamente o risco da informalidade e isso seria uma grande derrota, se não for combatida. A formalização é sinônimo de produtividade. Aumentar imposto, como defende alguns, é um tiro no pé".
FOTO E VÍDEO: Fátima Fernandes