Cientista brasileira vira empreendedora no Canadá
Com menos de um ano de existência, a Ananda Devices, de Margaret Magdesian (foto), já vendeu mais de 3 mil dispositivos para cientistas do Canadá, Estados Unidos e Brasil
A guinada para o empreendedorismo na vida da bioquímica Margaret Magdesian veio da insatisfação com um equipamento científico.
Trata-se da placa de Petri, usada em pesquisas com microrganismos e culturas celulares, mas que, como modelo de tecidos humanos, deixava muito a desejar.
“A ciência avançou e a placa de Petri continua a mesma há mais de 100 anos. As células que crescemos hoje em laboratório nesses instrumentos não representam corretamente as células do corpo humano. Não são um modelo eficiente, ainda mais para os neurônios”, disse em palestra no Instituto Butantan.
Magdesian é graduada em Farmácia e Bioquímica (1996) e fez o doutorado em Ciências Biológicas (Bioquímica, 2001), ambos na Universidade de São Paulo.
Em 2008, foi convidada para trabalhar no laboratório de David Colman, diretor do Programa de Neuroengenharia da McGill University.
No Canadá, Magdesian iniciou o desenvolvimento de uma alternativa para a placa de Petri. O resultado são dispositivos com base em silicone que funcionam como moldes para o crescimento de células de forma organizada, de modo similar ao que ocorre no corpo humano.
A inovação recebeu diversos prêmios no Canadá, Estados Unidos e na França e foi considerada uma das 10 principais descobertas científicas de 2016 pela revista Québec Science.
A crescente demanda de dispositivos por outros cientistas levou Magdesian à criação de uma empresa, a Ananda Devices, da qual é CEO, para a produção de dispositivos biocompatíveis para facilitar a pesquisa com células.
Com menos de um ano de existência, a empresa já vendeu mais de 3 mil dispositivos para cientistas de países como Canadá, Estados Unidos e Brasil, auxiliando trabalhos nas áreas de neurociência, imunologia, parasitologia, câncer e células-tronco.
Foi durante seu doutorado na USP que a cientista começou a carreira acadêmica. “Foi no Brasil que aprendi a cultivar qualquer tipo de célula em qualquer ambiente, algo fundamental para desenvolver os dispositivos para cultura celular”, disse.
Leia a entrevista a seguir:
E em que ponto dessa história a Ananda Devices foi criada?
Estava no Canadá há seis anos e uma empresa alemã me ligou dizendo que queria comprar 10 mil dispositivos. Parecia ótimo, né? Só que, na época, estava fazendo tudo à mão. Aí o pessoal da McGill disse que, se eu quisesse fabricá-los precisaria criar uma empresa.
E eu, que passei a minha vida inteira com um microscópio, perguntei: como é que se abre uma empresa? Disseram para perguntar na Faculdade de Administração. Chegando lá, descobri que havia um concurso aberto para startups. Era só mandar o meu business plan.
Não fazia ideia de como deveria ser um plano de negócios, mas aprendi e fui uma das vencedoras da Dobson Cup Innovation Competition.
Um dos jurados era um dos fundadores do Yahoo e outro também era profissional de empresa de tecnologia do Vale do Silício. Ambos se ofereceram para investir na minha ideia. Em outubro de 2015, saí da McGill e passei a me dedicar exclusivamente à Ananda.
Na sua opinião, por que é tão raro um cientista virar empreendedor?
Acho que é uma questão de foco. Quando você começa a sua tese, você só pensa nela. Depois, na publicação. Raros cientistas pensam na patente, mas acham que as indústrias vão comprar a patente e o produto vai vender sozinho. Mas não é assim.
Nós, como cientistas, não damos o devido valor, ou não temos a compreensão, do que é o empreendedorismo, da dificuldade em vender alguma coisa, do quanto é preciso desenvolver em tempo ou em manuais, por exemplo. E é bem nessa fase que eu estou agora.
Quais foram as suas dificuldades?
A maior dificuldade é usar linguagem popular e não linguagem científica. A primeira vez que me reuni com investidores, falei que era de uma empresa de nanoengenharia, que usava microscopia de força atômica para estudar neurodegeneração. Ninguém sabia o que era tudo isso. Então, aprendi a falar.
Hoje, quando me perguntam o que eu faço, digo que fabrico minicérebros em um chip. Aí entendem e podem se interessar em investir ou não.
Tem gostado da vida de empreendedora?
Eu gosto muito de ciência, mas, desde que comecei minha carreira acadêmica, nunca me vi muito como professora. E na carreira acadêmica, ou você vira professora ou você vira o quê? Não tem opção.
Quando eu estava preparando os slides para o plano de negócios pedi que todos os cientistas que usaram meus dispositivos me mandassem fotos.
Nesse momento eu vi que meus dispositivos estavam acelerando as pesquisas em neurociências, em imunologia, em parasitologia, câncer e estudos com células-tronco.
Olhei para as gavetas do meu laboratório cheias de dispositivos e percebi que eu tinha duas opções: continuar na universidade, desenvolver mais um dispositivo e publicar mais um artigo científico para melhorar meus índices de produtividade, ou pegar todos os dispositivos das gavetas e distribuir para várias pessoas no mundo publicarem novos artigos científicos e acelerar as pesquisas.
O impacto que eu vou ter como empreendedora tem muito mais a ver com o que me motivou a entrar na ciência, lá no começo, que foi usar a ciência para desenvolver novas terapias para pacientes. O impacto de um empreendedor na ciência é enorme, pois democratiza a ciência.
Imagine se os reagentes, enzimas, células e anticorpos não fossem comercializados. Para cada item do laboratório teve um cientista-empreendedor, como eu, que trouxe este produto para acelerar pesquisas e encontrar soluções para diferentes doenças. O Brasil precisa de cientistas-emprendedores.
FOTO: TedxMontreal