Por que as lições de Lemann e seus sócios são valiosas para sua empresa
Cultivar o espírito empreendedor de startup mesmo quando administra gigantes é um dos principais ingredientes do modelo de gestão forjado pela trinca que controla o fundo 3G Capital
Os empresários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles (da esq. para dir.), controladores do fundo de investimento 3G Capital Partners, são há tempos os mais internacionalizados capitalistas brasileiros.
Desde que a cervejaria Ambev se juntou à belga Interbrew, em 2004, um punhado de executivos do grupo passou a se deslocar para várias partes do mundo implantando um modelo que transformou radicalmente a gestão da cervejaria belga e a Anheuser-Busch, fabricante da marca Budweiser, e o Burger King, a segunda rede mundial de fast food.
Os princípios desse modelo foram forjados na década de 1970, época em que Lemann liderava o Garantia, então o mais bem-sucedido banco de investimentos. Partnership, com distribuição do lucro e propriedade, frugalidade e informalidade; rigor na seleção dos colaboradores, um sistema de metas claras e avaliação sistemática de desempenho são alguns dos elementos profissionais que permitiram ao 3G Capital alçar voo além-fronteiras e se replicar em outras culturas internacionais.
“É equivocado afirmar, como muitos fazem, que eles espalharam a cultura brasileira de gestão mundo afora”, afirma Guilherme Azevedo, professor de estratégia na Audencia, sediada em Nantes, e perfilhada na sexta posição entre as mais bem avaliadas faculdades francesas de administração.
Para Azevedo, o mais correto seria classificar o modelo da trinca como antibrasileiro, apoiado em uma meritocracia explícita e contrário ao paternalismo e ao jeitinho que caracterizam a cultura de negócios no país.
Azevedo deu um mergulho profundo na cultura do 3G, com base não apenas em pesquisa acadêmica. Ele diz ter entrevistado 32 executivos que trabalham ou trabalharam como diretores ou presidentes de operação, em busca de respostas para as seguintes questões: como transplantar uma cultura de gestão para diferentes regiões do mundo?
Uma das conclusões de seu trabalho mostra que um trunfo importante do pessoal do 3G é manter o espírito empreendedor de startup mesmo quando você se tornou um gigante dos negócios, como conta no depoimento a seguir.
PENSAR GRANDE
Não é porque sua empresa é pequena que você deve pensar pequeno. Você vai trabalhar duro e a empresa irá crescer. Mas, neste passo, deve se tornar uma empresa grande sem perder as vantagens das pequenas.
Manter o senso de dono, a transparência, a informalidade nas relações e a agilidade mesmo depois de crescer. O sentimento de dono é o que mantém a forma de ação muito próxima de uma startup.
Em cada uma das empresas do grupo, a base da cultura é muito próxima da estrutura da operação. É um dos segredos do crescimento deles: manter as pessoas com aquilo que chamam de ‘espírito de dono’. Tanto em relação à motivação como a liberdade de ação.
E muitos deles, de fato, saíram da empresa e com o dinheiro acumulado se tornaram novos empreendedores. Creio que o Marcel [Telles] costumava dizer: ‘Somos uma empresa de pessoas que amam o que faz. O dia em que você acordar e não tiver mais vontade de vir não quero que esteja aqui’. E quando adquirem uma nova empresa, seu primeiro ato é se livrar dos caras que eles já sabem não vão trabalhar da maneira deles.
Outra razão pela qual a empresa é mantida com uma estrutura a mais simples: para ninguém se esconder. Eles costumam dizer que a burocracia, com seu excesso de divisões, níveis, e procedimentos é o celeiro da malandragem.
Os espaços são abertos, assim como as conversas. A circulação de ideias se dá de uma maneira muito informal. Em um novo projeto, eles descrevem o processo e passam a debater violentamente até chegar a uma decisão. Dali em diante, se unem para executar.
Nos tempos da Brahma [adquirida em 1989] funcionava assim: ‘o projeto está 80% definido? Então bota na rua porque se for esperar o plano ficar 100% o concorrente já avançou. O resto a gente corrige quando está rodando’. Eles sempre tiveram muita confiança na capacidade de corrigir equívocos e falhas.
Se um colega fizer com que o outro não atinja determinada meta, também perde o bônus. Tudo é feito para que exista uma proximidade, traço herdado dos tempos do Garantia, a origem de tudo, na década de 1970.
DE OLHO NAS METAS
Frugalidade, muito trabalho e atenção permanente ao resultado financeiro. Os indicadores de bonificação por desempenho devem alinhar toda a empresa no sentido de todos trabalharem juntos para o crescimento e para melhoria da posição competitiva da companhia.
A frugalidade se reflete simbolicamente no gastar sola de sapato, o conhecido management by walking. Você deve andar pela operação, e usar as observações para corrigir e melhorar as atividades e processos.
Custo é como unha e tem de ser cortado toda a semana. Mas, atenção: corte de custo não é terra arrasada, mas pensar sempre em uma nova base. Cortar de maneira significativa, sem perder de vista as consequências do corte.
Em suas empresas, o grupo pratica o orçamento zero. Em cada setor se escolhe um ‘campeão’. Por exemplo, aquele que é responsável por material de escritório. Esse cara, em determinado momento, vai mergulhar fundo nos custos, mas ignorando os gastos do ano anterior. Sua missão é repensar todo o processo.
NÃO TRANSGREDIR
Adesão a uma prática de ética e respeito às regras formais e leis –contrariamente ao jeitinho, à informalidade e ao tráfico de influência. Não há favor, nem presente, nem jabá, nem sonegação, nem propina.
Eles possuem um senso de ética incorruptível. Recusam-se a dar propinas. Não tem caixa 2, almoço para distribuidor, nada disso. A relação com o distribuidor é preço. Posso melhorar o preço, mas não pagar almoço. Um gringo vai falar: eles cumprem a lei. Ponto. Mas é uma maneira diferente de fazer as coisas, o oposto do jeitinho brasileiro.
Essas práticas de semiformalidade que existem no Brasil podem parecer úteis para a sobrevivência de pequenas empresas mas impedem seu crescimento, contaminam a cultura e desviam o foco do núcleo do negócio.
É por isso que muitas delas não conseguem ultrapassar limites de crescimento. Como a origem do grupo foi um banco de investimento, operando em um setor muito regulado, eles criaram uma cultura de transparência com adesão às regras de uma maneira ortodoxa. Se existe uma lei, não discutem, cumprem.
É algo complexo para pequenas empresas, mas é o que irá permitir o crescimento. Do contrário, você fica prisioneiro de uma certa dimensão, uma vez que as coisas não podem ser replicadas. Tudo passa a depender de quem conhece quem, do caixa dois, etc. a empresa entra em uma patologia em que não existem regras, e cada decisão é tomada de acordo com um contexto específico.
E as empresas brasileiras muitas vezes não são capazes de avançar porque existe uma espécie de espaço cinza. Não são completamente legais, nem completamente informais.
FOCO EM GENTE
Manter foco em gente, mas isso vai além do discurso. Selecionam as pessoas certas, permitindo que elas cresçam e distribuem a propriedade da empresa com os que progridem na estrutura.
Há uma atenção permanente à manutenção da cultura e avaliação das pessoas; uma meritocracia clara e objetiva. Dividem a torta para fazer ela crescer mais rápido, assim todos ganham.
Os indicadores de cada unidade são públicos. Quando vai chegando o final do ano o funcionário já sabe qual será o resultado. Isso faz com que as pessoas se concentrem no que é fundamental. É o oposto do paternalismo. As pessoas valem pelo que entregam e pelos resultados que geram, não por quem são ou de onde vieram. E isso se traduz emn participação. A regra é cumprida, inclusive se os gestores responsáveis errarem a mão.
A ideia é fazer com que o bolo cresça mais velozmente do que se divide. Mas dividir realmente, algo que no Brasil poucas empresas fazem.
E o bônus é muitas vezes mais importante que o salário fixo. Quando compraram a cervejaria Brahma, os 20% de executivos que obtiveram melhor desempenho ganharam 14 salários adicionais.
Um terço obteve cerca de sete salários adicionais e um terço não ganhou bônus. Note que todos foram contratados por serem hiperativos, agressivos e competitivos.
Ao final do ano, se o executivo descobria que não teria bônus pedia demissão. Para ganhar bônus era necessário alcançar metas em três dimensões: o indicador que avalia o desempenho pessoal, o da unidade de negócios e o global. Se algum dos três zerar, o resultado é zero.